domingo, 11 de abril de 2010

Bibliotecárias de antanho - 3


Nem só de bibliotecárias más e de unhas cortantes vivia a nossa tenra infância. Houve também, se bem que já na juventude, quando a gente volta à velha biblioteca municipal muito mais movidos pela curiodade do que pela descoberta, a presença de uma bibliotecária doce, maternal, sorridente e sempre pronta e lhe enviar um elogio e um agrado.

Aquela era assim: uma criatura já quase idosa em espírito, cujo corpo conhecera as manipulações mais severas da doença, mas ainda estava por lá, atrás do mesmíssimo birô de metal. Era do tipo que puxava conversa, interessava-se pela presença de quem estivesse entre as estantes. Mais que uma pessoa, quase um personagem, como se tivesse saltado das páginas de algum daqueles romances, quem sabe um Érico Veríssimo de boa cepa, para a vida real dos fichários, pastas e corretores de tinta branca.

Um sorriso terno congelado no rosto, óculos de aros de tartagura, bochechas infladas que faziam o visitantes se sentir em casa. Enquanto lembro dela, pergunto-me se ainda estará por lá. Não é difícil que esteja, com a mesma serenidade das tias solteironas, placidez de vida cuja maior emoção mensal é a novena de Maria, ou o último capítulo da novela sentimental. Aquele jeito de auxiliar das pesquisas, aquele ar de especialista em velhas enciclopédias, uma maneira barsa de estar no mundo, farejá-lo entre as frestas que os livros deixam quando catalogados nas prateleiras.

Um dia, eu jovem, já estudante de Comunicação, por um motivo qualquer preciso usar a máquina de escrever da biblioteca. "Claro", ela diz, com aquela gentileza que traz grudada à pele e à alma. Concentrado na tarefa, ataco o teclado com a mesma fúria de troca-letras que tenho desde os tempos em que me formei na escola de Dona Nina, ali mesmo em Parelhas, o melhor curso de datilograria do mundo, o melhor presente que meus pais me deram para a minha qualificação profissional futura. Estou lá, batucando concentrado nas teclinhas, quando ouço a frase que, sempre que repetia aos amigos, virou motivo de risos, virou bordão, como uma expressão que lembrasse a delicadeza de um tempo que já naquela época, mil novecentos e oitenta e pouco, estava ficando para trás. Ela disse assim:

-Acho lindo quem sabe datilografar!

3 comentários:

ana sua amna disse...

lembro de nós na tv e do bordão, sebá...

ana sua mana disse...

lembro de nós na tv e do bordão, sebá...

a vida no blog disse...

Lembra do candidato a vereador do Recife( antiga Tupi do Recife)? Na propaganda eleitoral: ...tem diploma de datilografia...
kk.