quarta-feira, 21 de abril de 2010

Brasília, os 50 anos e o imponderável


O aniversário de 50 anos que Brasília comemora hoje, depois de mais de um ano de expectativa, preparativos e anúncios nos jornais, nas revistas e na tevê, é assim: como a festinha de um garoto rico e mimado, todo moderninho, em que pouco antes da hora dos parabéns alguém avisa, aos gritos, que o salão está pegando fogo. A imagem pode parecer forte e antipática, mas foi mais ou menos isso o que aconteceu. Há bem mais de um ano, a cidade se encheu de anúncios e avisos, lembrando sobre a proximidade do cinquentenário da inauguração. No Eixo Monumental, uma das principais vias do Plano Piloto, uma espécie de totem eletrônico marcava a contagem regressiva: faltam 120 dias para os 50 anos de Brasília, faltam 149 dias, faltam 148...Deu no que deu.

Bem antes de o grande dia chegar, estourou o escândalo da operação policial Caixa de Pandora. Foi como se tivessem aberto um grande presente de grego, em que estavam guardadas certas maldades feitas enquanto todo mundo só prestava atenção nos preparativos para a festa. Imagens dessas maldades voaram para todos os telejornais. E a comemoração propriamente dita, que acontece finalmente nesta quarta-feira, encolheu de tamanho e de ambição. O que se viu foi a presença, antes mesmo da hora marcada para cantar o parabéns, de um convidado indesejado. Esse penetra chamado "o imponderável".

Ele é assim mesmo. É de sua natureza chegar quando menos se espera, batendo à porta de qualquer um de nós com a malinha na mão e um sorriso cínico no rosto. Ao seu infeliz hóspede, não resta nada além de deixá-lo entrar e lhe servir ao menos um café, pra ver se ele pega leve nas mudanças que traz. Na vida de todo mundo, o senhor Imponderável costuma aparecer na forma da morte de um parente querido, na perda de um emprego que parecia seguro, na transferência compulsória que pistolão algum conseguiria evitar. Enfim, nesses fatos inexoráveis que estão vagando por aí e podem cair na sua, na minha, na nossa cabeça a qualquer momento.

Na vida política, por si só bem mais sujeita a puxadas de tapetes e outros imprevistos, o senhor Imponderável se sente ainda mais em casa para praticar das suas. E se agora ele caprichou em Brasília, ao estragar até o limite do improvável as condições políticas do Distrito Federal e a situação pessoal do ex-governador José Roberto Arruda, é preciso reconhecer que tem uma vasta experiência na matéria, inclusive no Rio Grande do Norte, que também tem a honra de receber sua visita de quando em vez.

Ou você esqueceu daquela manhã do distante ano de 1992, quando Natal fora dormir com Henrique Alves praticamente eleito prefeito e acordou com o engenheiro sanitarista Aldo Tinoco dono do cargo por uma vantagem de menos de mil votos? Aquilo era nada mais nada menos do que o Imponderável dizendo com um sorriso de orelha a orelha que acabou de chegar.

Para os potiguares mais jovens, o senhor Imponderável apareceu, como convém aos novos tempos, na forma de uma operação policial: aquela que escancarou para a cidade o envolvimento suspeito de um grupo de vereadores com interesses inconfessáveis sobre os planos de expansão da capital do estado. Sim, porque só o imponderável explica que um escândalo como aquele tenha vindo à tona e sido discutido durante meses nas manchetes dos jornais, gerando um debate inédito sobre a importância de se respeitar o planejamento urbano numa cidade em expansão galopante.

Por aí já se conclui que, ao menos na política, o senhor Imponderável não é necessariamente um canalha a se evitar. Ao contrário, quando ele chega - e repare que ele sempre deixa pra chegar na última hora, quando ninguém espera - aumentam as chances de que o cidadão tome conhecimento de algo ilegal ou imoral que vinha sendo mantido convenientemente nas sombras. Foi o que aconteceu em Brasília. Daí porque aquela imagem inicial do incêndio na festa de um menino rico e mimado ganha outro sentido. Um sentido estimulante e desejável. Isso mesmo: ainda que com um métodos, digamos, incendiários, o senhor Imponderável dá visibilidade e transparência a práticas que, de outra maneira, permaneceriam ocultos sob a hipocrisia dos belos discursos éticos.

Aliás, se tem uma coisa que o senhor Imponderável detesta, a ponto de lhe dar coceiras, é a hipocrisia. Só existe um defeito que incomoda mais ao senhor Imponderável que a hipocrisia - é a soberba. E jamais houve um político brasileiro tão inoculado pela soberba quanto José Roberto Arruda, o que explica, em grande parte e para além da Operação Caixa de Pandora, a encrenca em que ele se afundou, levando junto deputados distritais e a credibilidade da instituição governamental no DF.

Mas, como a maioria das pessoas não tem um exercício político direto, não disputa cargos e só define o voto mesmo depois da Copa do Mundo, o indicado neste momento em que Brasília comemora como pode seus 50 anos é se prevenir, em casa mesmo, contra a visita do senhor Imponderável. Na nossa modéstia, a gente recomenda um kit básico. Não saia de casa sem ele, sob risco de o Imponderável lhe pegar na rua, bem desprevenido.

É pouca coisa e cabe num saquinho desses de supermercado: um potinho de bom senso, um vidrinho de sangue frio, uma garrafinha de sobriedade e um tubinho de boa sorte, que sempre pode ajudar na hora do sufoco. O mais importante, contudo, não se leva na bolsa, mas se guarda no espírito. É a consciência alerta para o fato de que o senhor Imponderável existe - e a noção consequente de que, diante dele, toda soberba, por maior que seja, não é nada.

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