terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Diário de férias - 3

Primeiro filme da matarona que prometi dar de presente a mim mesmo. Maratona de cinema "no cinema", bem entendido. Um compromisso familiar me impediu de planejar melhor a estréia. Terminou que a escolha acabou sendo feita por uma conveniência de horário. O resultado disso é que, pela segunda vez na vida, entrei numa sala de exibição para assistir a um filme do senhor Paul Thomas Anderson sobre o qual - falo do filme, não do cineasta - eu não sabia absolutamente nada. Não havia lido uma linha sequer sobre o tal filme. Isso é coisa muito rara de acontecer especialmente hoje em dia, quando a gente é bombardeado por informação e termina lendo/ouvindo/vendo até o que não quer - digo, especialmente o que não quer, o que não interessa, mas, enfim, isso é outro papo.

As parcas informações que eu tinha sobre "Sangue negro" eram: 1) o fato de ser estrelado por Daniel Day-Lewis, que já ganhou prêmios pela interpretação e é favorito ao Oscar. Ou seja: o óbvio, porque todo mundo sabe que a cada cinco anos Daniel Day-Lewis faz um filme com uma interpretação visceral e arrebata elogios e prêmios. E 2) que se tratava da história de um explorador de petróleo no início do século. Sendo assim, ratifico o que disse no primeiro parágrafo - entrei na sala sem nada saber do filme.

Curioso é que, há alguns anos, acho que em 1995 ou 96, uma amiga minha e de Rejane sugeriu que a gente fosse ao cinema, num desses passeios noturnos comuns pelos shoppings de Brasília. Entrei na sala tão desinformado quanto ontem. E era outro filme de Paul Thomas Anderson ("Magnólia"). Deve ser alguma espécie de sina que me faz ver os filmes desse moço assim à queima-roupa. Muita gente acha melhor assim, para não ser influenciado por opiniões alheias. Eu gosto de ter alguma informação prévia. Aliás, não se trata exatamente de gostar, mas de algo inevitável. Minha curiosidade é maior que minha independência - eis outra das minhas fraquezas que vocês conhecem tão bem.

Pois é, não foi uma boa idéia abrir minha prometida maratona com um filme assim no tapa. "Sangue negro" é algo a que se assiste de mãos crispadas o tempo inteiro. É um filme que se compõe de uma tensão quase ininterrupta, tensão esta construída à base de cortes bruscos, filmagem quase tátil, trilha sonora que produz ranhuras nos ouvidos como se fora um conjunto de unhas afiadas sobre uma lousa lisa, silêncios plenos de explosões sonoras, enfrentamentos terminais e outros recursos. Mesmo assim, a impressão final quando as luzes se acenderam depois de uma última e devastadora cena, não foi boa.

Deixe voltar um pouco: o filme está sendo muito elogiado, mas ali da minha cadeirinha do Cinemark o que eu via, levando em conta tais elogios de que vim a saber depois, era mais um esforço de aprovação do que um prazer de fruição. "Sangue negro" não é bem o tipo de filme de a que convém fazer ressalvas. A cartilha do cinéfilo de bom gosto obriga que se elogie, que o compare a "Cidadão Kane" e "Assim caminha a humanidade". Já o que eu vi, no meu canto, foi um belo início de filme, com cenas em que as imagens discursam poderosamente como há muito não se vê no cinemão atual. Depois, eu vi um filme que cresce nesta tensão quase muda gritando as ambições de seu personagem central até uma cena definitiva - quando uma torre de prospecção de petróleo explode em gases e óleo, transformando-se numa bola de fogo que chamusca tudo e todos no filme, para o bem e para o mal. Isso tudo é narrado com imagens poderosas, o que talvez esteja levando os críticos a classificar o filme como "épico" - na minha cabeça, é muito mais um anti-épico.

Depois da cena da explosão, parece que começou um outro filme, em que um parente desconhecido traz para aquela história com sotaque meio bíblico um punhado de cenas com diálogos extensos e especulativos - o oposto exato do silêncio que o início do mesmo filme supunha. A esta altura, presenciei palavras e situações carregadas de simbolismos em torno de questões como maldade, humanidade, obsessão e paternidade - essas duas últimas, segundo o filme, matérias incompatíveis.

Tudo isso é para ser visto por um espectador de mãos crispadas, aqui e ali apunhalado nos ouvidos pela expressiva, mecânica e dramaticamente incisiva música do guitarrista do Radiohead. São recursos válidos, pouco usuais, que fogem da cartilha de macetes do cinema convencional. O problema é a escala. Quando faltava uma meia hora para o filme terminar, eu já estava exausto. Talvez eu seja o público errado, ou talvez o dia não fosse ontem, ou talvez pelo fato de lá fora ainda estar chovendo, o fato é que toda essa saga maldita sobre sombrios espíritos que mistura ambição material e hipocrisia espiritual me deixou a impressão de um retrato borrado pintado no ar, sem um suporte onde o espectador possa se pendurar enquanto é açoitado pelos seus belos planos. O que há de sobra em dramaturgia interior falta em contextualização externa.

A história do explorador independente e obsessivo de petróleo é contada muito de dentro pra fora, o filme quase penetra nas cartilagens e fibras internas de Daniel Day-Lewis. Há metáforas visuais arrebatadoras sim, como o inferno que tanto se processa no fundo do poço de onde brota o óleo quando no céu azul onde esse mesmo óleo se consome em chamas. Cá embaixo ou lá em cima, não há salvação. É tudo maldição da primeira à última cema - especialmente na última, que Paul Thomas Anderson elegeu para ficar na sua memória.

E para não deixar passar em branco: há um grande ator nascendo no cinema americano enquanto Daniel Day-Lewis colhe seus louros habituais. Preste atenção no pastorzinho de araque e veja como ele é bem defendido por Paul Dano, propietário de tamanha carga de dissimulação interpretativa que o personagem exige. É tanto poder de dissimulação que me lembrou o personagem Julien de Sorel, protagonista do romance "O vermelho e o negro", de Stendhal. Se você já leu (se não, começe já!) vai entender do que estou falando. A propósito: não por acaso, esse moço, Paul Dano, é aquele garoto que não falava uma palavra em "Pequena miss Sunshine". Lembrou?

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Diário de férias - 2

Diário número dois, epifania número um. Foi agorinha mesmo. Animado com o sol lá fora, saí serelepe para uma caminhada de uma hora entre alamedas verdejantes. Bom dia sol, bom dia céu. Bom dia porra nenhuma. Bastou o caminhante aqui botar os pés no pilotis para o fotógrafo São Pedro cismar de filmar um noir de plástico do tipo E la nave va e mudar a luz todinha. Foi sim, como se diz: o tempo virou. Tudo embranqueceu e o cinzão se anunciou no céu lá pras bandas de São Sebastião. Achei que era chuvinha passageira, mas não, meu irmão. Bastou mudar de quadra para o toró se materilizar, liquefazendo o esporte que me restou.

Mas não achei ruim. É pra chover? Então que chova, ora. Chove chuva, chove sem parar. E dá-lhe cortina d'água, transformando o ensaio de experiência natural em epifania de férias. Brigado, Pedrão: depois de anos e anos eu voltei a tomar aquele banho de chuva, óculos protegido pela viseira do boné, de maneira que nem a miopia foi um problema. Vi tudinho: cada córrego de meio-fio, riachos temporários de canto de rua, poças destruidoras de tênis, regatos sob árvores respingantes. É bonita a chuva entre as calçadinhas mínimas do Plano Piloto. Só faltou o barquinho de papel - que, não, faltou não, existiu sim embora na qualidade de inventado.

Dois parágrafos tá bom? Convenceu-se da epifania? Não. Ah, então tire férias nem que seja por uma tarde. Pegue uma folga, um banco de horas ou invente que passou mal, alguém morreu, alguém nasceu. Só não dá pra encomendar a chuva, mas epifania que é epifania não é assim não, meus camaradas. É preciso estar disponível, ligar uma antena tão imaginária quanto o barquinho de papel, olhar pro chão, olhar pro céu. Aspirar a cidade e caminhar por ela como se fora por mares nunca dantes navegados. Reinventar um tempo e um lugar. Tente. Talvez até chova um pouco. Aqui ou em Macaíba, ainda haverá de ser tempo para uma derradeira chuva do caju.

P.S.: A chuva da foto é outra, não vou enganar vocês. Mas repare na distorção: como é importante, de vez em quando, tirar as coisas do lugar só pra ver o efeito.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Palavra de historiadora

Recebi da minha amigona Flávia Assaf um e-mail muito interessante sobre o livro "Eu não sou cachorro, não", objeto de laudatária e propagandística postagem recente do Sopão. Desculpe, Oligarquia (não confundam alhos com bugalhos, esse é apenas um apelido carinhoso que botamos na companheira Flávia já lá se vão uns verões), mas não resisti: mesmo sem pedir sua autorização, resolvi colar aqui o texto do seu e-mail para ilustrar a mente inquieta dos nossos bravos leitores. Seria desperdício não fazê-lo, proclisticamente falando. Ao e-mail (que, diga-se, é coisa de profissional, pois que se trata de uma estudiosa dos meandros da História, como se conferirá pelo texto propriamente dito):


"li seu texto sobre o EU NÃO SOU CACHORRO, NÃO.incrível como é difícil convencer algumas pessoas a lê-lo. é o preconceito que continua agindo.sugeri o livro para um trabalho no último período da UFRN, no curso de brasil repúblico II. o professor fez careta, mas topou. ficou um trabalho super-interessante. chegamos à conclusão que eles eram perseguidos por uma questão de diferença de visão de mundo entre classes mesmo. esquematizando grosseiramente, é assim:os generais de 64 eram os tenetnes de 30, ou seja, a classe média que surgiu em 30 e que chegou ao poder em 68. eles procuravam se diferenciar dos "nobres" pelo trabalho, pela moral rígida, pela ética protestante, enfim.o ideal de "brasil grande" que foi proposto pela "gloriosa" era a representação dessa mentalidade: não tinha lugar para a vagabundagem, para a boêmia, para a ..., como direi?..., putaria e a viadagem.quando os "bregas" vinham com o mundo real, os milicos piravam! afinal, aquilo não era para acontecer no mundinho que eles idealizaram. daí, tentavam esconder debaixo do tapete.era uma luta ideológica mais sutil, né?o autor veio ao encontro de escritores de natal e, bobamente, ficou falando somente da censura do livro sobre o rei. esse livro é muito melhor que o outro. e ele não precisa ficar na posição de vítima, fica mais bonito na foto. pena que a facilidade da vitimização pegou o rapaz."

Titina e os micróbios do casarão




Uma vez, numa tarde seridoense, foi todo mundo ver o fim do dia nas margens do Gargalheiras. Eram tempos pré-cianobactérias, de ocasos descontaminados. Eu e Titina resolvemos tirar onda e improvisar um ensaio-cabeça em homenagem à estrita situação do momento. O resultado está nas fotos acima, que vocês podem apreciar enquanto micróbios aquáticos mais atirados não acabam de consumir os registros que sobraram daquelas outras águas. Sim, porque do casarão, coitado, mal sobraram as ruínas.

Livro ruim, música boa


Para maiores explicações, leia a postagem anterior (Diário de férias - 1)

Diário de férias - 1


Sem planejar, arranjei uma ótima maneira de abrir minha temporada de férias de 19 dias, que incluirá uma semana de Brasília - com os lugares onde a gente nunca pode ir das 15h às 22h dos dias úteis - e a viagem anual (ou seria semestral?) a Natal, com a obrigatória escala em Acari, desta vez com o auxílio luxuoso de uns dias (dois? três? ainda não sabemos exatamente) em Pipa. Como dizia, então, essa tão esperada maratona de tranqüilidade - sim, porque o melhor é passar por tudo isso sem pressa e sem hora marcada - começou no clima certo. Esse clima veio de um filme que comprei em outras férias e - como sempre faço, o atraso é uma das minhas qualidades, vocês sabem - só agora fui colocar no DVD para desfrutar.

Não há filme melhor para quem está atazanado de estresse - na verdade, depois de tanto esperar por essas férias já nem estou tão estressado assim, só um pouco ansioso - do que esse. Vocês já viram a capa aí ao lado, já sabem qual é o filme, de maneira que esse pastiche de suspense é só parte da minha prosa reticente com a qual os senhores já estão acostumados - fenômeno, diga-se, que se agrava sempre em temporadas assim, pré-férias ou quase feriados.

Pois até essa prosa reticente bem vem a calhar no caso aqui em questão. Explico: mas primeiro tenho que dizer, sem reticências, porque "O Grande Lebowski", filme dos irmãos Ethan e Joel Coen, é uma ótima pedida para você também iniciar suas tão esperadas férias. 1) porque, em se trantando dos irmãos Coen, é um saudável exercício de non sense; 2) porque em se tratando de um exercício de non sense executado com a competência de sempre pelos irmãos Coen, é um daqueles filmes de personagens que trazem as figuras mais inusitadas para compor uma comédia tão despretensiosa quanto original; e, mais importante, 3) porque o tal Lebowski, que prefere ser chamado apenas de "O Cara", é o melhor cicerone para quem está meio assim de olhão arregalado depois de tanto esperar, se perguntando em estado de catatonia absoluta: "E agora, que é que eu faço primeiro?"

Relaxe, que Jeff Brigdges vai lhe explicar tudinho. O mais provável é que ele diga: "nada". O filme é "antigo", do tipo que passou no cinema, depois saiu em vídeo e agora tá nas prateleiras de DVDs das Americanas, esse celeiro de velhas novidades onde eu sujo sempre minhas mãos. De maneira que a história é por demais conhecidas. Até porque não há muita história. O que há, entre uma paródia do filme policial noir (mas uma paródia que se respeita, nada de ficar só citando os outros que aí já é coisa de sanguessuga) e uma canção de Bob Dylan, é um sujeito desempregado, preguiçoso, relaxado e que passa os dias chapado jogando boliche com outros dois amigos tão curiosos quanto ele. Mas reparece no detalhe: ele não é nem entediado nem esnobe, só quer ficar na dele, ora! O resultado disso é um intensivo sobre como levar a vida na flauta. Claro que o filme não explica de onde "O Cara" tira dinheiro para pagar a comida que o mantém de pé - ele está muito mais preocupado com a perda de um tapete de estimação onde costumava deitar para viajar ao som do Credence. O resto é silêncio - quer dizer, indispensáveis reticências sem as quais a vida vira uma grande prestação de contas.

E vocês devem estar achando que eu me influenciei demais no filme pra escrever essas coisas assim meio indefinidas. Também explico: é que "O Grande Lebowski" é uma grande reticência. Nos extras, os irmãos Coen dizem que seguiram a estrutura narrativa do romance policial americano clássico, que apresenta um novo personagem a cada capítulo, compondo uma trama episódica. Pois o que me chamou a atenção revendo o filme pela terceira vez - e, acho, me divertindo ainda mais do que nas vezes anteriores - foi o caráter reticente de tudo aquilo lá. Isso está no fiapo de história que avança só um pouco para logo se perder numa viagem de Jeff Bridges, como está também - e principalmente - nas falas do personagem central. "O Cara", coitado, nunca encontra as palavras certas para expressar o que está pensando. Quando acha alguma coisa, inevitavelmente se perde no meio do caminho e deixa de novo tudo inconcluso. Lembra um pouco aquelas piadas sobre a prosódia de Gilberto Gil (com as quais eu nunca concordo; devo ser o único habitante do planeta a conseguir acompanhar tudinho o que diz o ministro - e ele sempre diz coisas que deveriam ser melhor ouvidas).

O que mais eu fiz no meu primeiro dia de férias além de rever "The Big Lebowki"? Nem precisava, né? Passe nas Americanas, cate, procure, investigue e se encontrar uma cópia, invista 12 contos em uma hora e pouco de diversão pop-surreal. Ah, sim, à noite, terminei de ler outro livro - algo sempre bom para se fazer no primeiro dia de férias, especialmente quando o livro não é lá essas coisas. "A palavra náufraga" é uma coletânea de textos sobre cinema escritos pelo crítico/jornalista Antonio Gonçalves Filho. É coisa passada, que encontrei no sebo, onde sempre sou atraído para a estante de publicações especializadas em cinema. Dessa vez, não funcionou. O livro republica textos do crítico já estampados em jornais sem sequer se preocupar em apagar os registros temporais - e tome "que estréia hoje em São Paulo". Tudo bem que ele avisa sobre isso nos preâmbulos, mas nem assim, não é? Tão rigoroso na avaliação dos filmes e tão relapso na edição dos próprios comentários.

Além do mais, é uma crítica do tipo "Ilustrada dos anos 80". Esnobe e discricionária, passa ao largo de qualquer tipo de cinema com um mínimo apelo popular, uma qualquer empatia com o público médio. Bom mesmo só os mais inacessíveis. E os "iniciados", vocês hão de desconfiar, nem sempre estão com essa bola toda. Muitas vezes estão apenas em busca de distinção. Segregação pode ser uma prática tão cultural quando social. O que ficou foi apenas uma vontade de rever alguns filmes da época, como "Noites de Cabíria" - e só. Ainda bem que, enquanto os olhos se encarregavam de fechar esse livro, os ouvidos se abriam para coisas boas, iniciáticas ou não. E nem preciso dizer os nomes: veja na postagem seguinte as capas dos CDs que o recado tá dado. E até o próximo Diário de férias.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Bom gosto / Mau gosto


Escolha a categoria, enquadre-se e divirta-se (que se trata apenas de uma curiosidade).


Em "Chega de saudade" (Ruy Castro) ficamos sabendo que um dos clássicos do cancioneiro desse gênero foi composto em Natal por Vinícius e Toquinho, numa noite depois de um show na capital potiguar: é a canção "Carta ao Tom 74". Aquela que diz: "Rua Nascimento e Silva 107 / você ensinando pra Elizeth/ as canções de 'Canção do amor demais'..."


Em "Eu não sou cachorro, não" (Paulo César de Araújo), ficamos sabendo que o clássico absoluto de Waldik Soriano também foi composto em Natal. É o trash rasga-coração "Eu não sou cachorro, não", composto pelo bad singer das quebradas poucas horas após pousar em Natal após um vôo que atrasou horas. A inspiração veio da frase com que o empresário o recebeu no aeroporto, meio chateado pela demora: Pô, Waldik, eu não sou cachorro não...
E a propósito da foto que ilustra a postagem: é a capa do CD em que bandas e singers descolados da atualidade pós-tudo regravam "clássicos" da música cafona dos anos 70. Tem gente como Silvério Pessoa botando a boca nesse microfone detonado, pessoal. Repare no título do disco e compre já seus exemplar do estudo de Paulo César de Araújo. Se não, vai ficar desatualizado e com cara de boboca (depois não diga que não avisei!).

Naquele carnaval que passou







Dê cabo da virose você também


Quando o mergulhador vai fundo demais, precisa retornar à superfície aos poucos que é pra regular a pressão. Caso contrário, vira uma bomba humana prestes a se espatifar em milhões de estilhaços de carne, vísceras e sangue. Vocês já viram isso, nas lições vespertinas de "Viagem ao fundo do mar", pra ficar num exemplo só. Eu estou vivendo um pouco isso agora, claro, em escala metafórica que a vida de todo dia não tem narração em off nem pausa para o comercial, muito menos as soluções mágicas que o próximo episódio obrigatoriamente trárá.

Que papo é esse, impacientam-se os amigos leitores. É prosa de convalescente. Saí do ar por exatas três semanas - uma hibernação que incluiu aqui o espaço do blogue - derrubado por aquilo que, na falta de nome melhor, os médicos de Brasília, cidade especializada na matéria, chamam de "virose". A danada me transformou numa pasta de gente, um creme bolorento de dor no corpo, calafrios e cefaléia aguda modulada por uma fraqueza tipo zero ponto zero. Faltei ao trabalho alguns dias, no que as módicas licenças médicas permitiram - bem menos do que o necessário. Em casa, virei prisioneiro de Morfeu - e pra ser feliz, porque o melhor que me aconteceu neste período foi o excesso de sono. Uma vez que, acordado, eu era só uma coletânea de dores e incômodos corporais dispersos.

Fiquem tranquilo, não era ela, a nova bruxa silvestre que derrama seus encantos fatais sobre intrépidos caçadores de cachoeiras em Pirenópolis e adjacências - ou seja, bem aqui e bem ali onde passamos parte da semana de final de ano. O prazo de validade da picada do mosquito transmissor já havia vencido quando surgiram esses outros sintomas. Eu também já havia oferecido meu braço branquelo ao beijo frio da vacina tão esperada. Fiz exames de sorologia - isso quer dizer um tipo de exame que detecta se você está sofrendo de dengue e outras doenças de nomes menos pronunciáveis. Deu tudo negativo.

Era virose. E quando se trata de virose, o jeito é esperar. Se o estado do cidadão for por demais pastoso/desminlinguido, o máximo que dá pra fazer é sapecar pra dentro do corpo um tilenol ineficiente. Completadas as três semanas do tempo regulamentar da doencinha, o fato é que curei. Isso foi precisamente ontem, quarta-feira, 13 de fevereiro. E na conta final do estado de pastosidade, perdi feio: passei todo o carnaval de cama, assistindo a uma minissérie (Anos rebeldes) onde vez em quando lembrava do "Cachorro, não", o livro que foi objeto da postagem anterior. A certa altura, o mocinho comentava com a mocinha, indignado com a ignorância da empregada da casa e do porteiro do prédio: "Tá vendo? Dá pra gente entregar o destino do país a essa gente?" O mocinho, quem assistiu deve estar lembrado, era progressista. A mocinha era apenas covarde e individualista - mas como era bonita. O país, salvo engano, era o Brasil mesmo. Mudou muito, não é? Mas, nos aparelhos redecorados de certa classe média revolucionária e esclarecida, os penteados continuam os mesmos.

Também assisti ao filme "A concepção", o celebrado longa do diretor brasiliense José Eduardo Belmonte. Uma vez aqui no blogue, quando reclamei dos clichês nos filmes sobre (ou passados em) Brasília (a fita em questão era "Brasília 18%", de Nelson Pereira dos Santos), Klecius e Lobão me mandaram assistir imediatamtente ao filme de Belmonte. Pois bem, Klecius e Lobão: o filme é muito bom, sim, extremamente bem produzido e bem formatado. Mas ainda é um filme sobre filhos de diplomatas entediados na capital do cerrado. E a minha queixa, quando digo que o cinema brasileiro ainda não fez um filme sobre Brasília que realmente expresse o que é viver aqui, é exatamente essa: esse filme jamais realizado precisa abraçar esse povo todo que o Plano Piloto e as satélites juntam e separam o tempo todo, num processo de segregação que faz de Brasília o que ela realmente é, para além dos políticos, do Congresso, do presidente e das embaixadas. Isso "A concepção" não faz. Pra ser honesto, "O sonho não acabou", aquele filme meio precário dos anos 80, era até mais incisivo.

Agora eu vou acabar de dar cabo na minha virose assistindo ao documentário que Martin Scorsese fez sobre Bob Dylan, "No direction home". Espero ficar amarelo de satisfação. Febril, agora, só daqui a pouco, semana que vem, quando entrar de férias e iniciar uma maratona por cinemas, livrarias e outros lugares proibidos para quem trabalha em horário regulamentar. E na semana seguinte, vem Natal, Pipa e Acari, como sempre - e como é (sempre) bom.