sábado, 30 de outubro de 2010

Eu, pecador


Neste domingo, mais ou menos por essas horas, estarei pecando. Gravemente, espero. De um tipo de pecado que, ao contrário do que dizia aquele frevo pagão, existe sim ao sul do Equador. E como existe. Estarei pecando com plena consciência da infração que cometo, com os braços estendidos à disposição das algemas da instituição que quer me conter. Dizem que é tão grave a natureza deste pecado, que um novo mandamento deveria ser instituído para conter os instintos baixos de quem o comete com indecência assumida. Sou um deles, e nem um décimo primeiro mandamento me deteria. Vou pecar como um condenado que caminha para a forca com um sorriso cínico no rosto. E se há algo que posso fazer para tornar ainda mais cabeludo o meu pecado, é o que vou fazer agora: convidar você que me lê neste momento para pecar comigo.

Não vejo a hora de cometer meu sumo pecado, minha anti-eucaristia na mesa de quem se dispõe a dar ordens ilegítimas ao rebanho. Serei uma espécie de Judas sem suicídio na cena seguinte. Um coroinha que arranca fora as roupinhas brancas e bem passadas da celebração dominical, rola na poeira da rua fétida como um gato sem dono e descobre que, dependendo do ângulo pelo qual se veja o mundo, fica muito melhor com sua nova aparência de trombadinha infecto. São as faces do meu pecado, que sorri para você que está tentado, bem tentado, mas ainda não saiu da condição de indeciso. Não sou uma cantora de bolero dos anos 50, mas reforço o meu convite: eu tenho um pecado novo, venha pecar comigo.

O extremo pecado que vou cometer é de desobediência. Sua natureza está menos ligada às coisas da carne e mais à matéria da alma em si. É minha alma que clama por esse pecado de opinião – esse desvio de conduta materializado na forma de um voto eleitoral, e não um voto de romeiro como o ato de contrição aqui escrito poderia dar a entender. Vou pecar, com prazer e luxúria cidadã. Eu, pecador, amanhã ratificarei esta minha condição à qual vinha dando tão pouca importância. Amanhã, vou pecar votando em Dilma Roussef para presidente da República do Brasil, reino da terra, planeta solto no espaço em meio a sabe-se lá qual aventura mística.

Vou pecar contra a criança que eu fui, educada no catolicismo mais tradicional que, se me omitiu páginas infelizes da história desta religião, também teve a dádiva de me ensinar para sempre o valor de um sentimento chamado humildade. A Igreja, essa instituição a mais, deu-me flores e fezes na mesma bandeja – mas ao menos me deixou o livre arbítrio de fazer minhas escolhas. Agora, até isso me está sendo negado. E é por isso que eu vou pecar com uma altivez que em momento algum, ao contrário do que parece, contraria a humildade que a instituição me ensinou.

Vou pecar, com muita categoria, como diria o popular. E lhe convido a vir comigo, porque não é qualquer dia que se pode pecar contra a entidade máxima da catedral terrena que determina, aqui nas nossas instâncias inferiores aos céus desconhecidos, o que é e o que não é pecado – de acordo, claro, com os padrões de cada tempo e lugar. Você entendeu: vou pecar contra o próprio Papa – e é por isso que meu pecado não é e nem será em vão.

Por um momento, a maior autoridade da Igreja Católica pode estar tão mais errada do que eu, pecador , anônimo e insignificante seguidor, ainda que à minha maneira, como tantos outros, dos apontamentos de sua doutrina. Porque a derradeira ordem de Joseph Ratzinger pode ter sido, como nunca se esperou, a prova categórica que desmente aquela tão notória noção da infalibilidade papal.
Vou votar em Dilma e se você quiser, pode fazer como eu e Leonardo: pecar contra o erro ou pagar a penitência das abstenções.

Tropa, verdade e tortura


Como muita gente, eu também gostei mais de “Tropa de Elite 2” do que do primeiro filme da série. Ou melhor: do “dois” eu realmente gostei, do “um” até hoje guardo um sentimento que vai da repulsa pura e simples a uma certa necessidade de buscar no filme algo que me tenha escapado.

Explico melhor tudo isso: a primeira exposição do “Tropa um” nos meus fatigados olhos de expectador provocaram quase que um enjôo em meio à barulheira das balas no cinema, ao estilo documental-turbinado que mal lhe deixa tempo para pensar, à ânsia de verter na tela compactada a mais dramática realidade do quadro de insegurança pública do país. Quem quiser ir mais fundo nesta impressão só precisa cafungar aqui mesmo no Sopão e ver o que escrevi na época do primeiro filme. Depois, no bombardeio secundário de tantas análises, deparei com uma entrevista do próprio diretor em que ele, enfim – e somente ele – me levantou a curiosidade de rever o filme sem qualquer farelo de pedras na mão.

O cineasta dizia que o “Tropa um” é apenas e meramente o ponto de vista do policial envolvido naquele mesmíssimo quadro de insegurança pública brasileiro e particularmente carioca. Que o fato de seu personagem se chamar Capitão Nascimento é a mais clara senha de que neste filme ele está apenas mudando o foco de um dos participantes daquele quadro para outro. Sai o Sandro Nascimento do soberbo documentário “Ônibus 147” e entra o policial do Bope que hoje é um herói nacional. Ok, a ficha caiu e lá fui eu ver o “Tropa um” outra vez para conferir a mudança de ângulo do diretor.

Sabe qual foi o problema que encontrei, como um expectador a mais na massa que os dois filmes tem o imenso poder de atrair? É aquela narração em off do capital Nascimento: não há com aquilo não dirigir a sensibilidade da platéia, sobretudo de uma platéia em grande parte de classe média (ao contrário do que se pensa) que deseja uma solução rápida e fácil para o problema da segurança. E o ponto de vista do capitão do Bope – aqui tido como uma figura genérica e não como o Nascimento sozinho – é de defender o extermínio puro e simples. Passa a bala e acabou. Isso fica claro de novo logo no início do “Tropa dois”, quando numa situação-limite o personagem sugere que a direção do presídio deixe os grandes traficantes se matarem uns aos outros lá dentro sem interferência da polícia. Compreendo a motivação, mas não a receita.

Entre a constatação de que não há outro jeito e a decisão do extermínio disfarçado de enfrentamento, fica outro fator que muito incomoda – inclusive no “Tropa dois” – que é a tortura. Esta é uma variante presente nos dois filmes, um elemento subliminar sempre a comentar tudo o que acontece em cada um deles. Não há nem pode haver brasileiro sério que não condene a corrupção policial, o tráfico e seu poder paralelo, a milícia e a deformação que ela constrói sobre o que já começou errado, a política no seu caráter mais eleitoreiro. Mas, antes de tudo isso, existe a tortura. E com a tortura, seja contra o militante político de outrora, contra o meliante comum de hoje em dia, ou contra o mais temido líder de facção criminosa do presente, não se pode concordar.

Pra resumir: é a tortura, em última instância, o que faz dos dois Tropas, o um e o dois, um evento cinematográfico naturalmente incômodo a tanta gente, sobretudo para quem se inscreve no lado esquerdo da arquibancada por onde se analisa o jogo da vida brasileira. Esse mesmo pessoal, dentro os quais eu próprio me inscrevo, tende a simpatizar mais com o “Tropa dois”, como aconteceu comigo, no momento em que o Capitão Nascimento desnuda o “sistema” todo, como ele gosta de denominar, e entra na parte com a qual sempre antipatizamos – a polícia agora alçada à condição de milícia. É preciso lembrar que qualquer aversão ou temor puro e simples da polícia não significa desprezo pela ordem social ou pela autoridade constituída: é que a história dessa instituição no país, desde o Império, não é mesmo de se comemorar. Polícia no Brasil, historicamente, oprime a camada mais pobre mesmo – e atavicamente confunde investigação com porrada. Isso não é uma noção que se mude da noite para o dia. Vai precisar de “Tropa seis, sete ou oito” para alguma coisa neste terreno aí sair do lugar.

Embora, chegando aqui, a gente tenha de reconhecer que não é esse o objetivo da sequência de filmes de José Padilha. E o mérito maior de “Tropa dois”, sempre neste raciocínio, é o de jogar mais luzes sobre o “Tropa um”. O que o primeiro tinha de explosivo, o segundo tem de analítico. Mas a tortura é uma constante, e a ela sempre iremos reagir com vigor – tanto quanto o Capitão Nascimento reage às tramóias e articulações que descobre na sua nova aventura semidocumental.

O menino e seu antigo escritório



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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Kirchner, JK e Getúlio


É impossível ver as fotos da multidão em azul na Praça de Maio e não lembrar de Getúlio e Juscelino. E seria irresistível, não fosse de mau agouro, imaginar: e se tudo isso estivesse acontecendo no Brasil, com Lula?

Toc, toc, toc. Mas o fato é que estamos vendo, não pela primeira vez, a morte surgir como uma irônica pesquisa de opinião que ninguém em sã consciência jamais teria a ousadia de encomendar. A morte como consagração que os grandes veículos de comunicação, de pés atados por seus interesses cada vez mais imediatos, não conseguem admitir. Lula, aqui, teve na imprensa em geral um adversário implacável e injusto tanto quanto Kirchner teve por lá – e olhe lá se na Argentina o caráter golpista dos conglomerados de comunicação não foi ainda mais forte e intenso do que nas plagas brasileiras.

É quando a morte, este derradeiro atestado de legitimidade política, entra em cena para contradizer aqueles que se apossam da palavra e dizem veicular o que o povo deve pensar. O jornal Clarín deve estar torcendo rotativas para dar com elegância mínima mas sempre com um esgar de reprovação superior a notícia sobre a comoção pela morte de Kirchner. Contra uma eleição vencida ou não, tudo se pode dizer, qualquer justificativa se pode estampar. Já diante da morte, o constrangimento impera com a solidez do silêncio das maiores catedrais.

A morte, em tais circunstâncias, torna-se o instituto de pesquisa inexpugnável, o aferidor que não pode ser desprezado pois que se constrói sobre a engenharia do apoio popular expresso nas ruas. Essa morte, tal velório e a caminhada ao cemitério que virá traz no seu cordão de lágrimas os gemidos contidos de vozes que os jornais, em uma situação normal, não ouvem. É como o enterro de um Juscelino aclamado pela multidão numa Brasília vivendo sob a ditadura. É como aquela catarse em branco e preto e luz em sépia que marcou página envelhecida da nossa história quando Getúlio Vargas disparou um tiro em si mesmo e acertou em outras moscas.

Kirchher, agora, como que ratifica tudo isso – a um passo da eleição deles lá e em cima da hora da nossa, aqui.

A avó de Inácio e sua aula de cidadania guerrilheira


Nem a Dona Benta do Sítio de Monteiro Lobato, nem a Vovó Donalda de Walt Disney. A avó mais sensacional jamais registrada por um neto de olho vivo é outra. Conheça a avó de Inácio França, do blogue "Caótico", e sua arma infalível contra o voto equivocado em eleições pretéritas. O relato é tão bom, ao mesmo tempo divertido e tocante, que merece ser copiado e colado à exaustão em e-mails voadores que a gente pode soltar por aí.

Para conhecê-la, clique bem aqui.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

A semana de um bilhão de anos-luz


Ao explicar o brilho ilusório de galáxias extintas, a astronomia, distraída, lança luzes sobre a política

O físico escreve no jornal que ao olhar para o céu, o que vemos é uma fotografia do passado. Um instantâneo do que já foi, o rastro de um espectro que não existe mais. Porque o tempo do céu, na medida da astronomia, está sempre à frente do nosso relógio terráqueo. Ou, dito de outro jeito, porque nós, aqui embaixo, estamos sempre em atraso quando o assunto é a dança dos astros e estrelas lá no alto. É tudo uma piada da luz, que demorando tanto para percorrer os vastos salões do espaço, mantém suspenso aquilo que já caiu e sugere estar vivo e fulgurante o fogo extinto de astros resfriados.

É assim que uma galáxia que acabou de ser descoberta, situada a 13 bilhões de anos-luz da Terra, pode simplesmente não existir mais. O tempo que sua luminosidade leva para imprimir a digital nos telescópios terrestres é suficientemente largo para conter sua própria destruição. O brilho que ela ainda emite, mesmo depois de morta, é só uma concessão que o universo permite aos seus misteriosos componentes. E o que a gente tem a ver com isso, deve pensar o leitor. Tudo, nada, um pouco.

A campanha eleitoral pode ser uma boa pista para encontrar essa estranha conexão entre a luz de astros mortos que permanece brilhando no céu e o nosso dia-a-dia mesquinho na superfície fosca onde caminhamos entre as manadas da Terra. Depois de meses de debates e embates, de uma temporada que parece interminável de golpes e contra-golpes, vamos chegando ao final, ao dia decisivo. Esta última semana é particularmente agoniada, no sentido de que sempre fica no ar a sensação de que alguma derradeira arma ilegítima poderá ser sacada, como vimos outras vezes no passado. O tipo da surpresa que retira da parte minimamente decente do debate eleitoral aquilo que ele tinha de mais importante – e despeja os votos na grande bolsa da reação a uma notícia, na urna eletrônica da subserviência mecânica a um apelo fabricado.

O certo é que, como as tais galáxias que morreram mas continuam enganando nossos olhos aqui embaixo, a campanha acaba mas deixa no ar por muito tempo a fumaça desagregadora de uma matéria politicamente purulenta. Votamos, voltamos para casa e, vença quem vencer, não há com arrancar da pele a toxina de certos desencantos que, em determinados momentos, parecem maiores do que a vitória ou a derrota. É o brilho invertido de galáxias que não tinham que ser ressuscitadas, se já estavam mortas há tempos e se prestavam apenas à ilusão dos telescópios viciados.

Na política como na astronomia, é preciso ser um expert para periciar luminosidades ilusórias que parecem verdadeiras. Temos eleições de dois em dois anos, mas a cada uma delas aprendemos que não é fácil fixar datas de validade para anseios e projeções políticas. As ondas vão e vem – e quem consegue manejar os remos em meio a elas paga, ainda que não queira, o preço da responsabilidade de ser visto como gênio. Marcelo Gleiser, o físico do jornal, garante que nada do que vemos no céu existe no presente. A empanada noturna cravejada de brilhos do luar do sertão é uma ilusão de ótica, um grande flashback passando diante dos nossos olhos de humanos frágeis. Um desfile falso de objetos que podem não existir mais ou terem mudado por completo. Assim no céu como na vida.

Fenômenos celestes destacados pela beleza costumam ser efêmeros, como se usassem de tal raridade para valorizar sua passagem. Eclipses solares não são eventos para todo dia – e de tão fortes é recomendável que sejam mirados com alguma proteção para os olhos. O tipo do espetáculo que revela tanto quanto cega – e afinal, passa, completando em si o tempo que cabe a todas as coisas e a todos os entes, inclusive os menos notáveis. A semana pré-eleitoral é a mais longa de todas, com seus bilhões de anos-luz de possibilidades condensadas e seu suspense entorpecido. Entre ela, a campanha; nós, os terráqueos; e eles, os astros e estrelas de brilho privilegiado ainda que pretérito, há o tempo – esse mediador cínico que destrói com prazer noções de mundo que pareciam tão bem construídas.

E amanhã, depois da apuração, sabendo que o céu noturno é um retrato antigo disfarçado de polaróide ainda quente pelo motor da máquina, acordaremos todos iguais, como não parecia ontem. Um pouco menos próximos, embora, por ironia nossa e não do universo, o momento seja propício a cada um procurar sua turma. Mas um pouco mais experientes, como velhos planetas cheios de crateras em viagem pelos espaços. Nada mais do que galáxias cansadas cumprindo a lei que considera a expansão que só distancia – e nunca aproxima – um elemento inexpugnável da natureza universal, pra não dizer humana.

Incelenças do Seridó




Dos bastidores de "Sua Incelença, Ricardo III" nos lajedos de Acari, com Sandra, a anfitriã da trupe, Capitu, a cachorra de pança oblíqua, e Titina, a caráter. Clique no porta-retrato para ampliar e ver melhor.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Os jornalistas estão cabisbaixos


Há um mal estar nas redações nesta reta final de campanha eleitoral. Onde um dia houve uma torcida mal contida pela vitória do operário e sindicalista Lula, hoje existe um silêncio daqueles que parecem gritar que alguma coisa precisa, mas não pode ser dita com todas as letras. Esse grito sufocado está na garganta de muitos jornalistas da minha geração, o povo que vem das utopias dos anos 80, hoje tidas como ridículas e inconvenientes. São colegas que parecem ter exigido de si mesmos uma censura interna que os impede de admitir qualquer forma de simpatia pelo que foi o governo Lula, sob pena de parecerem não ter a imparcialidade distante e a superioridade blasé de que o meio onde trabalham faz tanta questão.

Entendo boa parte dessa posição, não pretendo aqui baixar foices condenatórias sobre a cabeça de ninguém. Tenho plena consciência de que, no salve-se quem puder que virou o mercado profissional do jornalismo - uma situação crítica que vale tanto para os grandes centros da profissão como Brasília como para lugares como Natal - o profissional mediano, este que não é nem um novato nem uma estrela, precisa se manter minimamente quieto se quiser sustentar seu frágil vínculo empregatício. Eu mesmo só escrevo tais coisas aqui neste blogue porque tenho o privilégio de ter investido e sido aprovado num concurso público que me permite hoje ter como patrão a instituição Câmara dos Deputados, onde coloco a serviço da Tv Cãmara a experiência que adquiri ao longo da vida nas redações convencionais. Não fosse assim e muito possivelmente eu também tolheria a mim mesmo, porque afinal a sobrevivência imposta pelo vil metal fala alto diante de quem vive de salário.

Mas é por isso mesmo que eu até exagero aqui no blogue: pelo fato de poder falar sem aquela amarra, considero que minha obrigação é ser o mais eloquente quanto for possível, para que pela minha voz possam ser ouvidos aqueles colegas que, tenho certeza, se autocensuram e sofrem com isso. São amigos que até têm espaço para escrever e assinar embaixo em colunas de jornal. Mas não escrevem lá aquilo que dizem na intimidade de uma conversa casual. Seria arriscado demais. É uma
gente escaldada que sabe do perigo de comentar mais alto algo que, na cadeia de comando das redações, pode deixar de ser um sussurro de desabafo eventual e se tornar um brado não muito sintonizado com a linha editorial do veículo onde se trabalha. Um dia desses mesmo, tomei para mim a tristeza de ver um antigo colega de reportagem tendo que escrever no jornal loas a um político a quem esse mesmo profissional já tratou com muito mais do que reservas em comentários de blogues das novas mídias. Avalio, só de ler o texto assinado no papel, a extensão da violência que dever ter representado para ele a produção daquela matéria.

E hoje, lendo a edição do Correio Brasiliense, encontrei um texto que casa perfeitamente com tudo isso que vinha pensando antes de escrever esta postagem aqui. É a crônica diária da jornalista Conceição Freitas, que numa atitude corajosa e que vai de encontro a essa lei silenciosa da nova cultura jornalística, admite ao leitor que se sente, à maneira dela, deslocada no ambiente de trabalho quando o assunto é campanha eleitoral e cobertura da imprensa. Conceição quase chega a declarar seu voto neste segundo turno, mas nisso também se contém, imagino que pelos mesmos motivos que listei nos parágrafos acima. Mas tem a ousadia de externar um certo sentimento que circula entre uma categoria profissional que deveria ser a mais à frente de todas quanto o assunto é verdade, interesses políticos e limites ao exercício da cidadania.

Para ler a crônica completa de Conceição Feiras, clique aqui.

* E assim como Conceição, uso para ilustrar esta postagem uma imagem do filme "As invasões bárbaras", cujo emprego aqui é absolutamente auto-explicativo.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A banalidade do mal chega ao Seridó


A cena do crime que tirou a vida do jornalista F. Gomes em Caicó é a mais dolorida representação do que aconteceu nos últimos anos com o Seridó, a região onde fica a cidade e de onde veio este blogueiro. O cidadão F. Gomes, esclareço para os leitores não-potiguares, era o típico jornalista do interior do Nordeste, trabalhando numa emissora de rádio e mantendo um blogue noticioso, com ênfase para o noticiário policial, na cidade de Caicó, capital informal da região centro-sul do estado do Rio Grande do Norte. Mas também já foi correspondente na região de vários jornais de Natal, entre eles a Tribuna do Norte, em cuja redação o conheci em 1988, calado e cabreiro mas sutilmente bem humorado como tantas vezes acontece entre os filhos da nação seridoense.

F. Gomes, como dizia, teve na cena de seu assassinato uma imagem bem clara sobre como o mundo do Seridó se transformou nos últimos anos - e neste caso, para pior. O jornalista foi morto a tiros por um motociclista quando estava sendado na calçada de casa. Para quem não veio do interior ou não conhece o Seridó, essa breve descrição pode não dizer nada. Mas ela contém dois elementos extremos e distantes de uma mesma realidade, abarca o passado e o presente do Seridó. Explico: sentar numa cadeira na calçada de casa num fim de tarde talvez seja o hábito que mais traduz a informalidade camarada do homem desse interior; e ser assassinato por um motociclista coberto da cabeça aos pés por blusões e capacete é o oposto exato dessa mansidão atávica.

E foi assim que morreu F. Gomes, entre a tranquilidade de antigamente - um estado de espírito que naturalmente não era de uma santidade coletiva, mas de uma harmonia notável - e o desdém desumano dos dias atuais. As cidades cresceram, exploriram em gente, prédios e serviços. Não quero parecer retrógado e defender certas noções falsamente paradisíacas de um passado idealizado. Não: tenho idade suficiente para, morando em Parelhas, ter que ir quando criança até Caicó para fazer um mero exame de vista - e este é apenas um exemplo menor de dificuldades que o crescimento subtraiu na vida dessas comunidades distantes das capitais. De maneira que o crescimento é sempre bem recebido - e se você não concorda, vá perguntar à gente que mora lá longe, se a vida delas não melhorou. Mas junto com este progresso, veio o espírito de um outro tempo, avassalador, que tira das coisas comuns - como tomar uma brisa na cadeira da calçada no fim de tarde - a sacralidade informal que elas tinham. Que sequer enxerga isso, que é incapaz de conceber o respeito a esse tipo de banalidade tão cara a quem vive com temperança.

F. Gomes, tenha sido morto sob encomenda por um traficante seridoense como se suspeita, ou apenas como objeto de uma vingança desumana, ficará na nossa memória sertaneja como uma vítima dessa mudança de tempos. Um pequeno mártir da banalidade do mal que deixou de ser aquela abstração dos livros de história sobre o nazismo e desabou, sem que a gente tivesse tempo, coragem ou disposição para combater, sobre as calçadas das casas seridoenses.

Que mistério tem Micarla?


Será a busca por mais verbas que salvem a gestão no tempo que lhe resta? Serão ressentimentos resultante de algum fogo amigo? Será um recado cifrado para alguém, um interesse impublicável contrariado? A pergunta do momento em Natal é: que mistério tem a prefeita Micarla de Souza que explique seu apoio a Dilma - e não a Serra, como seria natural - na campanha para presidente? Como é que alguém apoia, defende, se engaja e bate nos peitos em favor de Rosalba, um dos dois raros casos de governador eleito pelo DEM que tanto se opõe a Lula, e agora, naturalmente depois de alguns dias de "dilema", desembarca na campanha de Dilma, aquela da corja petista?

Sim, porque pelo que está nas agências agora à noite, a prefeita de Natal não só declarou apoio a Dilma como foi além e fez um discurso "inflamado", é o adjetivo que os repórteres usam, em defesa da petista. Como dizia o preconceituoso do Paulo Francis, uau...! Micarla, leio aqui e ali, diz que Dilma está sendo "injustiçada" e que o povo vai lhe fazer justiça. Eu lendo isso me lembro do tipo de campanha que tomou certos setores do eleitorado natalense quando Micarla estava nas ruas contra o que dizia representar Fátima Bezerra, na disputa pela prefeitura. E todo mundo ainda está lembrado de que o que se propagava na surdina sobre a adversária petista era alguma coisa bem próxima desse "debate" sobre o aborto que tivemos recentemente.

O certo é que Micarla pode berrar seu apoio a Dilma de Natal a Parelhas, das Quintas a Nova Parnamirim, que não tem jeito. Nada mais desemelhante do projeto de Lula e Dilma - em uma palavra, do projeto "petista", para usar aquele que pra muitos virou o mais nefasto adjetivo da vida brasileira - do que jeitinho mimado de Micarla exercer a política. Micarla é deslumbramento, competição, negligência com os movimentos sociais organizados ou não, maquiagem do que vem a ser a representatividade política, populismo no sentido mais clássico, sem falar no poder mais arbitrário de quem detém um canal de televisão para usar como bem entender - quer dizer, em benefício próprio embora, claro, com um falso discurso que tenta dizer justamente o contrário. Em resumo, à sombra da figura política de Micarla rasteja um cordão de posturas contrárias a tudo o que Dilma/Lula buscam representar, ainda que nem sempre com sucesso, o amigo pode dizer. Mas buscam - e isso não é pouco.

Enquanto os blogueiros, cronistas e notistas políticos não nos dão a explicação devida, a gente tem de se contentar com algo ainda mais inesperado do que o apoio de Micarla a Dilma. Que é o fato, incrível, de estarem cobrando de Fátima Bezerra a explicação para esse apoio. Cobrando só, não. Estão praticamente responsabilizando Fátima por isso, como se a deputada é que estivesse rasgando sua biografia e se expondo ao ridículo em praça pública devido ao apoio de Micarla a Dilma. Assim: Micarla apoiando Dilma? Então é Fátima - e não Micarla - quem tem de se explicar!

É realmente uma distração enquanto a questão principal não vem. Mas o que ninguém respondeu ainda - e, a depender da coragem e das conveniências da crônica política potiguar, suponho que não terá resposta - é: que mistério tem Micarla para tomar tal decisão, contrariando inclusive aquele que, independente de sua "nova" postura, o senador José Agripino, permanecerá sempre como seu padrinho eleitoral? Tantos blogues de política, tanto colunista de jornal, quem terá o senso de responsabilidade de analisar a origem deste posicionamento. Quem analisa isso? Á guisa de análise, aqui no meu canto me contento com a informação, colhida em tais blogues, de que a Prefeitura de Natal decretou ponto facultativo naquele feriado que coincide com o segundo turno de votação. Ah, bom.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Fala, Kotscho


Imprensa e Igreja, os grandes derrotados da eleição de 2010

Ganhe quem ganhar a Presidência da República no próximo dia 31, já dá para saber quais foram os grandes derrotados desta inacreditável campanha eleitoral de 2010: a imprensa da velha mídia, mais engajada e sem pudor do que nunca, e as igrejas em geral, com amplos setores medievais de evangélicos e católicos transformando templos em palanques e colocando a religião a soldo da política. Por acaso, são as mesmas instituições que se uniram em 1964 para derrubar o governo de João Goulart e jogar o Brasil nas profundezas da ditadura militar por mais de duas décadas. Como naquela época, os celerados e ensandecidos combatentes das redações e dos púlpitos acenam com novas ameaças às liberdades democráticas, outra vez o perigo vermelho, de novo a degradação dos costumes. Só falta uma nova “Marcha da Família, com Deus pela Liberdade”.

Há um mês, um mês e pouco, escrevi no Novo Jornal um artigo que tinha como título "A Imprensa perdeu a eleição". Depois do resultado do primeiro turno da eleição presidencial, até pensei que tivesse me precipitado, que meu título e minhas idiossincrasias fossem chute emocional de patrulheiro petista. Hoje, na minha ronda diária pelos blogues que importam, encontrei o texto acima no Balaio de Ricardo Kotscho. Até com um título quase idêntico àquele que eu cometera no jornal potiguar.

Para ler a postagem completa do homem, clique aqui.

Fala, Marília Gabriela


LIgo a tevê na noite de segunda-feira, o aparelho está sintonizada na TV Brasil (a quem gostam de chamar de "TV do Lula"). O canal está em cadeia com a TV Cultura (que não tem, mas poderia ter, um apelido correspondente), exibindo o Roda Viva. Todo mundo que lê este blogue certamente conhece o Roda Viva, mas não sei se já assistiram ao programa na nova roupagem, com apresentação de Marília "Gabi" Gabriela. Um doce para quem advinhar quem era o entrevistado desta semana: Aloysio Nunes Ferreira, o tucano campeão de votos para o Senado.

Até aí, nada a registrar além do esperado. A surpresa feio por meio da apresentadora, um segundinho ante de o programa terminar. Neste momento, no novo formato, entrevistadores e entrevistado avaliam a própria entrevista que acabou de acontecer. Tipo autocrítica. E vem a despedida do senador eleito, quando ele diz que espera honrar com o mandato no Senado a votação expressiva que obteve.

Aí Marília Gabriela quase salta da cadeira, num pulo de entusiasmo distraído, e completa, com dedo em riste:

- Se não for para a Casa Civil!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Altos e baixos


O que o caso dos mineiros do Chile pode sugerir sobre o vai-e-vem do sucesso e do fracasso na política eleitoral, por exemplo

Assim é a vida: hoje no buraco, amanhã no topo. Quem parece nos dizer isso com a informalidade frugal de um bate-papo de café de livraria são os mineiros do Chile. O caso dos 33 homens que passaram mais de dois meses – 69 dias – presos a 622 metros da superfície, em condições mais propícias a ratos e baratas do que a seres humanos contém, naturalmente, uma carga de significados que vai muito além do júbilo que o salvamento deles inspira.

Os mineiros do Chile são a própria encarnação daquilo que a gente chama sem dar muita importância de “altos e baixos” da vida. O fato de eles terem sido resgatados das profundezas da terra para cair imediatamente nos trampolins fáceis da fama, como indicam as notícias sobre cruzeiros marítimos de presente e livros e filmes em vista, mostra como podem ser voláteis as rotações do planeta vida.

A capacidade de resistência que eles tiveram enquanto estavam no que a gente, muitas vezes sem se dar conta da gravidade, chama de “fundo do poço”, é motivo de reflexão para muita gente que, de tanta soberba, jamais admitiu descer a um mero metro que seja do chão onde pisa – porque não pode levitar, claro.

A cena dos mineiros içados à superfície é marcante demais para a gente não transformar em metáfora. Quem é que não lembra de um caso que seja de... hum... um político, por exemplo, jogado às profundezas do desprezo, por questões tão sérias quanto o desmoronamento de um canal de mineração? O primeiro que me vem à cabeça é José Dirceu, transformado pela imprensa (sim, ela mesma, que não venha bancar agora a santinha vitimada pelo patrulhamento ideológico) e, ultimamente pela propaganda de José Serra, em exemplo de escória política da pior qualidade.

Penso na biografia de José Dirceu, meço com a trajetória de Serra, comparo com os feitos de Lula que, sem Dirceu, talvez não tivesse conseguido se eleger em 2002 com o meu, o seu, o nosso voto e, conclusão: ele pode ter sua megalomania e sua empáfia de político competitivo, mas não merece esse tratamento. Dirceu é o cordeiro imolado dos maus hábitos da política brasileira – e se ele é um petista, tanto melhor para quem construiu esta mesma política e sai ileso do processo. Nesta condição, o ex-ministro está tal e qual um mineiro aprisionado nas profundezas do processo político. Somente lá ele pode agir, se movimentar, exercer o que lhe restou de cidadania política.

Ele é vaiado em aeroporto e agredido aos gritos em restaurantes, como se fora o que de pior a espécie política produziu nos 500 e tantos anos de Brasil. E por ser assim, parece que ele sempre estará contido por esse desmoronamento de outra natureza, condenado a perecer na sombra do buraco de onde nunca poderá sair. Parece que não há futuro para figuras como José Dirceu. Parecia que não haveria Fênix para os mineiros do Chile. E no entanto.

Outro exemplo que pipoca nas minhas anotações mentais: a deputada potiguar Fátima Bezerra, tão petista quanto este que vos escreve. Havia, até o resultado da eleição de 3 de outubro passado, figura mais apequenada na política potiguar do que Fátima Bezerra? Derrotada para a Prefeitura de Natal há dois anos, numa eleição vencida por Micarla de Souza em primeiro turno – portanto, da maneira mais humilhante –, Fátima parecia condenada a ser, quando muito, a eterna deputada federal da esquerda potiguar, a única a figurar nos mapas de votação, como uma espécie de concessão democrática que os mandões da política local davam aos bárbaros petistas. E no entanto.

Aí está Fátima Bezerra reeleita com uma votação tão expressiva que se tornou destaque nacional entre as parlamentares mais votadas. Fátima à frente de Henrique Alves, a figura que até pouco tempo parecia imbatível neste tipo de disputa. E quanto à gestão de Micarla na prefeitura, as notícias que chegam não são das mais animadoras.

Tenho um terceiro exemplo, este do Distrito Federal: Cristovam Buarque. Não cabe em palavras a tradução do que foi ver Cristovam, depois de um governo aprovadíssimo, com destaque para políticas sociais como o Saúde em Casa e o Bolsa Escola, perder em primeiro turno para a própria representação do atraso que era (e ainda é) Joaquim Roriz. Só quem viveu esse trauma sabe o que é a dor de ver um projeto feliz sendo derrotado pela pior demagogia.

Se Serra vencer a eleição presidencial, vamos experimentar de novo algo parecido, em escala nacional. Não que Serra seja um Roriz, mas bem que ele tem se aproximado do padrão de demonizar o adversário para vencer a todo custo. E o projeto de Lula, tão eficiente, democrático e aprovado quanto o de Cristovam, terá ido para o espaço assim como aconteceu naquela eleição no Distrito Federal. Aliás, até hoje Brasília tenta se recuperar do desastre que começou com aquela eleição de Roriz, redundou num segundo mandato sofrível e foi desaguar, onde?, em José Roberto Arruda, ele mesmo. Mas tantos anos depois, Cristovam foi reeleito para o Senado, derrotando agora sim de maneira humilhante figuras pouco mais do que nefastas ligadas a Roriz. Esse mesmo que agora se vê obrigado ao constrangimento de colocar sua senhora no muro de lamentações e achincalhes de uma disputa eleitoral renhida.

Mas a história já está ficando longa demais, muito distante do buraco de onde os mineiros do Chile foram resgatados na semana passada. O que deve ficar claro é que a matéria com que lidamos aqui é profundidade, resistência, sobrevivência e volta por cima. E não precisamos descer muito para constatar que o caso dos mineiros tem algo mais a dizer sobre todos esses fenômenos da vida, inclusive política, do que sugerem os plantões espetaculares do Jornal Nacional.

Fala, Chico


"Venho aqui reiterar meu apoio entusiasmado à campanha da Dilma. A forma de governar de Lula é diferente.Ele não fala fino com Washington, nem fala grosso com Bolívia e Paraguai. Por isso, é ouvido e respeitado no mundo todo.Nunca houve na História do país algo assim."

Palavras de Chico Buarque, no ato dos artistas em apoio a Dilma, ontem à noite no Rio de Janeiro.

Leia a notícia completa no Globo mesmo. Pegue o atalho clicando aqui.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Por que me afastei do Novo Jornal


Devo uma explicação para o leitor que eventualmente me frequentava os textos de todas as terças-feiras no Novo Jornal. A partir desta terça, amanhã, não estarei mais lá. A iniciativa de interromper a colaboração foi minha e o motivo é simples: vinha me sentindo incomodado com a postura editorial do jornal.

O Novo Jornal mantém um discurso de pluralismo editorial sustentado no leque opinativo que oferece por meio de seus colaboradores. Neste ponto, está correto. Escrevi no Novo Jornal críticas à própria publicação sem qualquer tipo de constrangimento de minha parte ou dos editores e donos do jornal. Mas, na minha opinião, a postura pluralista termina aí. Porque no noticiário, na manchete, na abordagem da vida política do estado, a atuação parcial do Novo Jornal contrariou tanto quanto pode esse mesmo pluralismo manifestado.

Acompanhando de longe a recente campanha eleitoral no RN por meio do Novo Jornal, o que li foi uma cobertura francamente hostil ao candidato Iberê Ferreira – uma figura pela qual eu não nutro a menor simpatia, quem me conhece sabe disso. E, por conseqüência, uma cobertura absolutamente simpática à candidata Rosalba Ciarlini, afinal eleita.

É de se dizer que a imprensa potiguar é isso mesmo, sempre foi assim. Os Alves têm seu jornal, sua tevê, suas rádios. Os Maias idem. Mas acontece que o Novo Jornal, até pelo nome com que se apresentou ao leitor, prometia ser algo ligeiramente diferente. Mas ao acompanhar a cobertura eleitoral – sua primeira cobertura eleitoral sob o signo proclamado de um novo jornalismo – o Novo Jornal foi, sim, ligeiramente diferente, só que para pior. Porque se a Tribuna ou o velho Dois Pontos sempre traíram o lado que, ao fim e ao cabo, defendiam, nenhum dos dois optou por um tratamento da notícia em tom agressivo como o que vi no Novo Jornal aqui de longe.

O jornal tem um bom slogan para justificar essa nova postura: sem medo de ter opinião. A mim, à distância, a frase soa como uma bela desculpa, digamos assim, conceitual, para praticar um tipo de jornalismo que eu imaginava ter ficado para trás na história potiguar e do Brasil. Neste período em que colaborei com o Novo Jornal, deparei com certas acusações, determinados adjetivos empregados contra pessoas contrárias às posições do jornal que julgava estarem em feliz desuso. Ainda mais num veículo que se anuncia como novo.

De maneira que ficou impossível manter a colaboração que, de outra maneira, pretendo manter viva aqui no espaço do Sopão. Inclusive na mesma data, sempre às terças-feiras, se possível até no mesmo tamanho dos textos que lá publicava. De forma que quem quiser continuar me freqüentando as idéias, vai encontrar aqui no blogue a mesma manifestação periódica de observações que lá fazia.

Agradeço a Carlos Magno Araújo pela compreensão e a Adriano de Sousa pelo convite que muito me animou quando foi feito, quase um ano atrás. Adriano, aliás, é quem estará agora às terças-feiras no Novo Jornal, o que significa garantia de idéias muito mais redundantes e corajosas dos que as que eu externava lá. Com ele, o pluralismo estará salvaguardado – ao menos, imagino, no campo dos colaboradores.

Acabou a brincadeira


Figuras como Tiririca e Romário precisam saber que, no palco do Congresso, o deputado-celebridade tem muito mais a perder do que a ganhar

Pra muita gente, mais do que um exercício de decisão sobre o futuro, a eleição de 3 de outubro foi uma diversão e tanto. Os eleitores de Tiritica, por exemplo, devem ter se divertido um bocado enquanto teclavam os números da travessura na urna eletrônica. Uma brincadeira de mau gosto, como aquela outra, mais antiga, dos deputados da oposição a Lula que elegeram Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara dos Deputados. Claro que depois essa diversão gera conseqüências, como sabem os eleitores mais pobres da atual prefeita de Natal.

Eleja uma celebridade (nacional ou local), sinta-se como uma delas ao fazer isso, e depois pague o preço. Pena que, fechadas as urnas e encerrada a apuração que proclama, para o escândalo hipócrita de muitos, o resultado coalhado de “surpresas”, a brincadeira acabe. Assim, num estalar de dedos, como uma piada que deixou de fazer efeito e já deu o que tinha de dar. Mas, para além de tomar o lugar de um representante que poderia ser mais útil à democracia, o candidato inusitado quase sempre passa a sofrer de uma inesperada invisibilidade logo depois da posse.

No dia da posse, aliás, ele ainda tem seus últimos minutos de glória, pelo fato de ser um dos personagens mais esperados em meio às solenidades nos corredores do Congresso Nacional. Mas fica nisso. Como o candidato inusitado que vence de forma arrebatadora uma eleição para deputado ou senador quase sempre já era uma celebridade mundana na área do espetáculo, ele encontra na Câmara ou no Senado, mais que uma nova tribuna a projetá-lo, uma espécie de máquina de anonimato onde, enfim, desaparece.

Quem circula pelo Congresso entende isso: é um conjunto de corredores, salas e salões, plenários e passarelas onde transita diariamente uma multidão apressada e opaca. Mesmo deputados conhecidos por aparecer no jornal da noite na tevê somem nas sombras desses corredores.

Ao contrário do que sugere a imagem impactante da arquitetura externa do Palácio do Congresso Nacional, com suas torres e suas cúpulas, por dentro a sede dessa instituição da democracia representativa brasileira não tem o menor charme. Um turista que freqüente a Câmara mais de uma vez logo vai notar até certos “puxadinhos” que a administração improvisa para que o espaço – afinal, restrito e disputado – acabe sendo suficiente para todos (gabinetes de deputados, lideranças, burocracia, rádio e TV e por aí vai).

Então chega a celebridade eleita por essa mistura de exposição na mídia e protesto incubado e vê-se neste palco sem luz, essa plataforma traiçoeira que é o Congresso. Mesmo uma figura chamativa como Clodovil parecia, com seus ternos brancos a caminho do Plenário, uma sombra do que projetava na televisão, tendo-se ou não admiração pela sua pessoa. A não ser em episódios lamentáveis como aquela agressão verbal que cometeu contra a deputada carioca Cida Diogo, e por um a lei sobre direitos de filhos adotados que conseguiu aprovar, não pontuou nada. Nem mesmo os gracejos de caso pensado, como o do gabinete de decoração exótica, sustentam a atenção por muito tempo. No final, a avaliação mostra que a celebridade tem muito mais a perder do que a ganhar ao ficar preso a um mandato parlamentar. Simplesmente não é a área dele. A votação absurdamente alta é apenas um aplauso passageiro.

Dito isso, fico imaginando como será encontrar Tiririca nos corredores da Câmara – se ele passar no ditado, claro, já que escrevo antes de a Justiça Eleitoral aplicar sua provinha ao candidato. Que cores terá o figurino do palhaço-cantor nas sombras deste buraco de tatu revestido por mosaicos de Athos Bulcão que são as instalações da Câmara? Fico imaginando quanto tempo precisaremos esperar para que a presença dele deixe de ser algo que chama a atenção para se tornar uma piada sem efeito. Três meses, seis? Vai depender de quanto tempo Tiririca levar para fazer seu primeiro e esperado discurso no Plenário Ulisses Guimarães. Sim, porque não será no dia seguinte à posse, já que ele ou qualquer outro, celebridade ou não, terá que se inscrever, entrar na fila prevista pelo regimento e esperar quietinho sua vez – essas formalidades rituais que realmente não combinam com as facilidades do mundo do espetáculo.

É verdade que tudo isso que está escrito aqui pode não valer nada, se afinal a Justiça Eleitoral invalidar a impressionante votação de Tiririca. Mas ainda assim teremos o pentacampeão Romário, o goleiro Danrlei e o big brother Jean Wyllys. Todos vencedores e agora todos candidatos a trocar o resto de luz de holofotes que conseguiram lá fora pelas penumbras regimentais do interior do Congresso. E o que parece uma nova ascensão para quem estava perigando sumir da memória do público acaba se revelando um fim de carreira bem melancólico sob os poentes de Brasília.

*Publicado no Novo Jornal (Natal - RN)

domingo, 17 de outubro de 2010

Papo de colega (4)


Pois eu me emociono com ela, a democracia

Aguardo a definição de Marina Silva, que me pareceu uma nova força em tempos morgados. Mas acho que a própria indefinição dela já é um mal. Vinte milhões de votos foram conquistados por um sonho. Dizer simplesmente que não vai apoiar ninguém é jogar fora muitas coisas lindas. Ela sabe para onde caminha seu sonho. Se não diz, está jogando fora uma grande força política, e perderá muito. Ficará conhecida apenas como “a candidata que possibilitou o segundo turno”. Só isso. Se acontecer isso, não votarei nela nem para vereadora. Uma pena. Eu queria dizer que me emociono muito com a Democracia em nosso país, mas hoje estou enrolado pacas. Voto em Dilma e peço votos para ela. Não posso dizer que “Seja o que Deus quiser”, porque Deus está sendo muito manipulado nesta campanha.


Não tem jeito: quanto mais a gente navega, mas encontra essas declarações impressionantes e seus autores libertários. Agora, quem fala é Samarone Lima, que caiu meio de paraquedas no segundo turno depois de estar ausente do país no primeiro. Samarone é muito útil pra mim neste momento (muito útil no bom sentido, entendam), porque, com sua ternura textual permite que seja dito o mesmo que eu, com minha fúria verbal de sertanejo indignado, quase sempre digo soltando fogo pelas ventas. Recomendo a leitura do texto de Samarone especialmente para minha amiga Ana Nossa Mana que, como o Sérgio Buarque citado no texto, está do outro lado da barricada neste momento, tendo decidido votar em Serra. Este texto é minha bandeira branca, Nossa Mana. Vai junto com ele um beijo de um petista tapuaia do sertão seridoense. E, por divergências anteriores, digo o mesmo para Marcya Reis, sem a qual nem a estampa bonita deste blogue existiria, quanto mais todo o resto.

Para pegar o atalho, clique aqui.

Papo de colega (3)

E não é que Ciro estava certo?

A atuação das empresas de Otávio Frias, dos Mesquita, dos Marinho e dos Civita só parece ter pego de surpresa o comando da campanha de Dilma. Era óbvio que essa turma faria o jogo sujo, enquanto o candidato deles pudesse posar de bom moço. Com Ciro no jogo, o PSDB seria atacado por um sujeito muito bom de briga e aqueles eleitores simpáticos a Lula, mas assustados pela mídia, teriam em quem descarregar seus votos. Sou capaz de apostar que, dificilmente, a laranja Marina assumiria tanto protagonismo na campanha. Seria muito complicado para os empresários de comunicação abrirem fogo contra dois alvos simultaneamente. Além de só existir espaço nos jornais para uma manchete ou um tempo na TV para um escândalo por vez, a eficácia do ataque midiático seria bem menor.


O novo Papo de Colega vem do pernambucano Inácio França, no seu Caótico que, não poderia deixar de ser, abriu espaço entre sua pauta literária para discutir a campanha eleitoral em curso. Clique aqui para ler o texto completo.

Os Clowns, Acari e Ricardo III no Estadão


Shakespeare chega ao Brasil profundo

Dib Carneiro Neto - O Estado de S. Paulo

Manhã de segunda-feira, temperatura já acima dos 30 graus em Natal, capital do Rio Grande do Norte. Três carros saem lotados de atores, técnicos, garrafões de água mineral, pacotes de pão integral, colchões, embalagens com os adereços mais delicados do espetáculo, malas e sacolas, rumo ao sertão do Seridó, região do Estado que foi rota do cangaço e que, além de pedras e cactos, abarca pequenas cidades do nosso Brasil profundo, entre elas, o ponto final da viagem da trupe: o município de Acari, com seus 12 mil habitantes e a 260 km da capital. No dia anterior, um caminhão-baú foi na frente, completamente abarrotado com os instrumentos musicais, figurinos e cenários do que virá a ser, em breve, o espetáculo Sua Incelença, Ricardo III, com o grupo local Clowns de Shakespeare. A estreia está prevista para 18de novembro, em Natal.


Este é o parágrafo inicial da reportagem publicada na edição de hoje do jornal O Estado de São Paulo sobre a encenação, pelos Clowns de Shakepeare, de Ricardo III (reinventado como "Sua incelença Ricardo III") no sertão seridoense de Acari. Há um outro parágrafo tocante, quando o repórter do Estado narra a emoção de uma professora diante do espetáculo, comovendo a população local que assistiu à estréia nacional da montagem e também todo o grupo. E há, naturalmente, já que se trata de uma visão tipicamente paulistana (e por isso mesmo, às vezes bem provinciana), um esforço equivocado do jornalista em usar expressões regionais. Ele chega a dizer que na linguagem dos "nativos" (o termo empregado é este mesmo, como se os habitantes do sertão potiguar fossem aqueles índios polinésios das histórias do Pato Donald nos quadrinhos dos anos 70) usam o termo "vaza" quando o açude transborda. Pelo que eu, nativo até o pescoço, sei, a gente fala é "sagra".

Mas leia você mesmo, pegando o atalho aqui. Aproveite para, uma vez na página, pegar outro atalho e ver a galeria de fotos da montagem.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Papo de colega (2)


"Disse hoje lá no Twitter que Serra não conta mais como o meu respeito. Perdeu-o quando assumiu o discurso e a prática do que há de pior, mais medieval e hodiento na política brasileira. Lastimável que ele tenha jogado na lata do lixo o seu passado de militante de esquerda e líder da UNE.

Independente de quem vencer, o mal já está feito e a laicidade do estado brasileiro terrivelmente comprometida. Pressionada pelas igrejas, Dilma assinou hoje uma carta onde dá satisfações de suas posições sobre temas delicados, como o aborto. Um retrocesso lamentável.

Mas, com Serra será ainda muito pior. Porque além dessa submissão religiosa referida acima (reforçada pela Opus Dei, do governador Alckmin), teremos o fim das políticas sociais (Bolsa Família etc), a criminalização das demandas sociais, o retorno das privatizações e sucateamento da educação, entre outras bandeiras caras aos programas do DEM e PSDB.

É o pior cenário possível para o Brasil. Se você pode fazer algo para impedir isso faça. Se não pode ou não quer não venha reclamar depois. Lembre-se que a fatura será cobrada de todos e omissão não isenta ninguém de responsabilidade."


Quem diz tudo isso, corajosamente como tem que ser no seu Substantivo Plural, é o jornalista Tácito Costa. Para ler o texto inteiro, corte o caminho e clique aqui.

Papo de colega


"O jornalista parece ser o profissional de classe média que melhor incorporou a agenda neo-liberal dos anos 90, e que mais se identifica com os patrões, tendo dificuldade enorme de se enxergar como trabalhador."

Esse trecho de um texto completo foi, claro, colocado aqui pelo Sopão, propositadamente fora de contexto, para chamar a atenção mesmo. Para ler a análise completa, vá ao blogue "Escrevinhador", do jornalista Rodrigo Vianna, uma das novas indicações ali ao lado na lista dos Outros Cardápios.

Para cortar caminho, clique aqui e leia tudo.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Música para escovar os dentes


Está nos novos links do Sopão, mas é tão bom que resolvi destacar com uma postagem à parte. É o programa "Música para escovar os dentes", atração da Rádio Batuta, uma emissora virtual mantida pelo site do Instituto Moreira Salles. O destaque é um programa inteiro dedicado somente às canções do acervo do IMS que versam sobre o bairro carioca de Copacabana. Mas é de uma singeleza essa cancioneiro, de um certo espírito musical remoto brasileiro que comove o ouvinte, além de naturalmente embalar nossa audição como se a gente estivesse balançando numa rede entre coqueiros à beira de um mar de pescador de jangada. Como se trata de um acervo histórico, o que se tem é aquela música de um certo passado musical radiofônico, como se você tivesse acabado de acordar e estivesse lavando o rosto e calçando as meias para ir à escola. Um negócio bem música para escovar os dentes, com o próprio nome do programa já adianta. São uns quatro blocos, mas dispostos de maneira que você bota um pra tocar e deixa lá, aquele fundo musical que vem de longe fazer cócegas nos seus ouvidos, com vozes de antigamente, arranjos de outrora e andamento de nostalgia. Boa audição pra você também. Basta clicar aqui e ir em frente.

E para mais atrativos do site do IMS, é só clicar no link correspondente na lista ali ao lado, "Outros cardápios".

Chuva de links no país do Sopão


Quem olhar com atenção para a lista de links ali ao lado vai notar um punhado de novidades. Descarreguei no cardápio dos "outros pratos" umas boas iguais virtuais para alimentar a fome de quem ainda frequenta este boteco. Nos entrechoques inevitáveis e necessários desta campanha eleitoral, não será pouca coisa, para que o ativista do lado daqui - eu mesmo - e do lado de lá - quem segue lendo o Sopão - possa fazer umas pausas antes das refregas.

Tem a gravadora Trama, com um site fermentando de novidades para quem aprecia as mais ouriçadas aventuras musicais - e a gente, de pronto, já vai recomendando a audição do cd do Maquinado / Homem Binário, projeto paralelo do pernambucano irrequieto Lúcio Maia, guitarrista da Nação Zumbi. Pode parecer, à primeira vista, um tipo de masturbação sonora de quem quer se diferenciar do grupo consagrado de que faz parte, mas não é não. É ouvível e instigante como uma lorota de nordestino gaiato. Com dizia aquele velho sucesso da Blitz carioca, "recomendo". Especialmente uma faixa que, não tem jeito, a gente ouvindo é levado de novo para o cenário da disputa presidencial em curso: "Não queira se aproximar", com um refrão danadinho de bom, na voz sampleada de Gonzagão: "Sai pra lá, peste!"

Mas os novos links não ficam no nível do popular envernizado pela garotada pop, não. Tem coisa muito séria nas novas sugestões. Uma delas é o Instituto Moreira Salles, recomendado por quem entende do riscado como um bom sítio de fotografias, graças a um acervo de 5 mil imagens digitalizadas. Tem ainda o Porta Curtas, aquela central de curta metragens que o Uol mantém há tempos e onde você pode assistir a clássicos como "Ilha das Flores", aquela parábola quase bíblica e tão mundana realizada pelo padroeiro Jorte Furtado. E quer mais? Incluí também o Domínio Público, cujo nome já diz tudo: 130 mil obras livres de direitos autorais. É linkar e fazer a farra, enquanto lá fora estão colando cartazes nas ruas da Ceilândia chamando dona Dilma de sapatão. Tá bom pra vocês?

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Dilma diz a que veio


E Dilma, como que atendendo ao chamamento do editorial da Carta Capital (veja postagem anterior), mostrou que é de briga. Foi no debate da Band, o primeiro do segundo turno, que acabou agora há pouco. Aproveito o calor do acontecimento para anotar aqui as minhas impressões que, por precipitadas que sejam, foram o que ficou. Comecei a assistir ao debate com o desânimo que se abateu sobre nós desde a noite do último domingo - e é no mínimo honesto que se reconheça tal desapontamento. Mas, qual não foi a minha surpresa quando me vi, de um bloco para o outro, diante de uma outra Dilma - mais verdadeira até que aquela versão paz e amor dos primeiros momentos da propaganda eleitoral do segundo turno - com argumentos na ponta da língua, disposição para o enfrentamento e coragem para reagir com dignidade à onda de boatos covardes levantados contra ela por uma turma que até outro dia se considerava o porta-estandarte da modernidade.

Quando vimos, Dilma estava atacando - não de maneira grosseira ou agressiva, como tenta fazer crer Serra, mas no sentido legítimo de elencar posições e argumentos - um adversário que, neste tipo de ocasião que é o debate, naturalmente lhe é superior. Superior no sentido de ter mais facilidade de apresentar uma performance melhor, pelo próprio fato de estar mais acostumado a este formato de enfrentamento, por ter disputado inúmeras eleições e pelo talento óbvio de lidar com as palavras, coisa que não se pode exigir de quem está se iniciando de fato na arena da disputa do voto. Serra, neste sentido, é superior, reconhece-se. Mas Dilma, esta caloura injustiçada e difamada das refregas eleitorais brasileiras, venceu a inibição meio constrangida que havia mostrado no último debate do primeiro turno, na Globo, e vestiu sua mais autêntica roupagem de mulher que vai à luta.

E não teve tema - do aborto à privatização - em que não manejasse seu repertório de ideias, cobranças, comparações e perspectivas. A outra surpresa da noite, por consequência, foi o fato de em muitos momentos, com Dilma na dianteira, termos visto Serra na mais que inesperada posição defensiva. Dilma conseguiu até fazer Serra sorrir "amarelo", como se diz popularmente. Alguma coisa aconteceu no decorrer do debate que fez o candidato tucano, sempre tão confiante com sua máscara de competência vampiresca, murchar as bochechas. Estou usando essas imagens porque, pelo menos pra mim, foi algo visível - aquele tipo de coisa que a televisão amplifica, tanto quanto amplificou o cansaço de Dilma no debate da Globo. Hoje, foi a vez de Serra baixar a bola. Não sei se esta postura de Dilma traz votos, que afinal é o objetivo último. Mas gosto que não seja esse o objetivo em si: prefiro vê-la assim, altiva e afirmativa - ainda que para muitos soe arrogante - do que humilhada diante de supostas comunidades cristãs e evangélicas que trocam o voto pela garantia de certo atraso político-institucional.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Dilma, mostre que é de briga


A primeira contribuição de hoje vem de Mino Carta, mais uma voz a anzalisar com equilíbrio e decência o resultado do primeiro turno e essas primeiras e lamentáveis escaramuças manipulatórias do segundo. É o editorial conclamatório da Carta Capital, que, bem de acordo com o pensamento deste pobre Sopão, acredita mais no confronto intelectualmente honesto (ainda que resulte em derrota na urna) do que no recuo tático. Segue:

Dilma, mostre que é de briga

As reações de milhares de navegantes da internet envolvidos na celebração dos resultados do primeiro turno como se significassem a derrota de Dilma Rousseff exibem toda a ferocidade – dos súditos de José Serra. Sem contar que a pressa de suas conclusões rima sinistramente com ilusões.

Escrevi ferocidade, e não me arrependo. Trata-se de um festival imponente de preconceitos e recalques, de raiva e ódio, de calúnias e mentiras, indigno de um país civilizado e democrático. É o destampatório de vetustos lugares-comuns cultivados por quem se atribui uma primazia de marca sulista em relação a regiões- entendidas como fundões do Brasil. É o coro da arrogância, da prepotência, da ignorância, da vulgaridade.

É razoável supor que essa manifestação de intolerância goze da orquestração tucana, excitada pelo apoio maciço da mídia e pelos motes da campanha serrista. Entre eles, não custa acentuar, a fatídica intervenção da mulher do candidato do PSDB, Mônica, pronta a enxergar na opositora uma assassina de criancinhas. A onda violeta (cor do luto dos ritos católicos) contra a descriminalização do aborto contou com essa notável contribuição.

Ocorre recordar as pregações dos púlpitos italianos e espanhóis: verifica-se que a Igreja Católica não hesita em interferir na vida política de Estados laicos. Não são assassinos de criancinhas, no entanto, os parlamentares portugueses que aprovaram a descriminalização do aborto, em um país de larguíssima maioria católica. É uma lição para todos nós. Dilma Rousseff deixou claro ser contra o aborto “pessoalmente”. Não bastou. Os ricos têm todas as chances de praticar o crime sem correr risco algum. E os pobres? Que se moam.

A propaganda petista houve por bem retirar o assunto de sua pauta. É o que manda o figurino clássico, recuar em tempo hábil. Fernando Henrique Cardoso declarava-se ateu em 1986. Mudou de ideia depois de perder a Prefeitura de São Paulo para Jânio Quadros e imagino que a esta altura não se abstenha aos domingos de uma única, escassa missa. Se não for o caso de comungar.

A política exige certos, teatrais fingimentos. Não creio, porém, que os marqueteiros nativos sejam os melhores mestres em matéria. Esta moda do marqueteiro herdamos dos Estados Unidos, onde os professores são de outro nível, às vezes entre eles surgem psiquiatras de fama mundial e atores consagrados. Em relação ao pleito presidencial, as pesquisas falharam e os marqueteiros do PT também.
Leio nesses dias que Dilma foi explicitamente convidada por autoridades do seu partido a descer do salto alto. Se subiu, de quem a responsabilidade? De todo modo, se salto alto corresponde a uma campanha bem mais séria e correta do que a tucana, reconhecemos nela o mérito da candidata.

Acaba de chegar o momento do confronto direto, dos debates olhos nos olhos. Ao reiterar nosso apoio à candidatura de Dilma Rousseff, acreditamos, isto sim, que ela deva partir firmemente para a briga, o que, aliás, não discreparia do temperamento que lhe atribuem. Não para aderir ao tom leviano e brutalmente difamatório dos adversários, mas para desnudar, sem meias palavras, as diferenças entre o governo Lula e o de FHC. Profundas e concretas, dizem respeito a visões de vida e de mundo, e aos genuínos interesses do País, e a eles somente. Em busca da distribuição da riqueza e da inclusão de porções cada vez maiores da nação, para aproveitar eficazmente o nosso crescimento de emergente vitorioso.

CartaCapital está com Dilma Rousseff porque é a chance da continuidade e do aprofundamento das políticas benéficas promovidas pelo presidente Lula. E também porque o adágio virulento das reações tucanas soletra o desastre que o Brasil viveria ao cair em mãos tão ferozes.

P.S. Bem a propósito: a demissão de Maria Rita Kehl por ter defendido na sua coluna do Estado de S. Paulo a ascensão social das classes mais pobres prova que quem constantemente declara ameaçada a liberdade de imprensa não a pratica no seu rincão.

P.S DO SOPÃO: Titina, que deve estar muito submersa nos ensaios de Ricardo III com Gabriel Vilela em Natal, finalmente saiu das coxias e deixou seu recado aqui. Recomendo a leitura: é o segunto comentário à postagem "Vivenciando o processo".

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Maria Rita Kehl cortada do Estadão


O artigo da psicanalista Maria Rita Kehl que fez tanto sucesso na internet e aqui no Sopão onde também foi republicado acabou mesmo provocando a saída dela do time de colaboradores do jornal O Estado de São Paulo. A princípio, foi dito que tudo não teria passado de um boato. Mas não foi, não: leia a entrevista abaixo da própria Maria Rita, em que ela confirma tudo. É o estilo Serra de tratar a imprensa. Quem é do meio conhece muito bem. Quem não é ainda se deixa enrolar por essa lorota de "ameaça à liberdade de expressão". Segue a entrevista ao portal Terra:

Maria Rita Kehl: "Fui demitida por um 'delito' de opinião

"Bob Fernandes



A psicanalista Maria Rita Kehl foi demitida pelo Jornal O Estado de S. Paulo depois de ter escrito, no último sábado (2), artigo sobre a "desqualificação" dos votos dos pobres. O texto, intitulado "Dois pesos...", gerou grande repercussão na internet e mídias sociais nos últimos dias.

Nesta quinta-feira (7), ela falou a Terra Magazine sobre as consequências do seu artigo:
- Fui demitida pelo jornal o Estado de S. Paulo pelo que consideraram um "delito" de opinião (...) Como é que um jornal que anuncia estar sob censura, pode demitir alguém só porque a opinião da pessoa é diferente da sua?

Leia abaixo a entrevista.

Terra Magazine - Maria Rita, você escreveu um artigo no jornal O Estado de S.Paulo que levou a uma grande polêmica, em especial na internet, nas mídias sociais nos últimos dias. Em resumo, sobre a desqualificação dos votos dos pobres. Ao que se diz, o artigo teria provocado conseqüências para você...
Maria Rita Kehl - E provocou, sim...

- Quais?
- Fui demitida pelo jornal O Estado de S.Paulo pelo que consideraram um "delito" de opinião.

- Quando?
- Fui comunicada ontem (quarta-feira, 6).

- E por qual motivo?
- O argumento é que eles estavam examinando o comportamento, as reações ao que escrevi e escrevia, e que, por causa da repercussão (na internet), a situação se tornou intolerável, insustentável, não me lembro bem que expressão usaram.

- Você chegou a argumentar algo?
- Eu disse que a repercussão mostrava, revelava que, se tinha quem não gostasse do que escrevo, tinha também quem goste. Se tem leitores que são desfavoráveis, tem leitores que são a favor, o que é bom, saudável...

- Que sentimento fica para você?
- É tudo tão absurdo... A imprensa que reclama, que alega ter o governo intenções de censura, de autoritarismo...

- Você concorda com essa tese?
- Não, acho que o presidente Lula e seus ministros cometem um erro estratégico quando criticam, quando se queixam da imprensa, da mídia, um erro porque isso, nesse ambiente eleitoral pode soar autoritário, mas eu não conheço nenhuma medida, nenhuma ação concreta, nunca ouvi falar de nenhuma ação concreta para cercear a imprensa. Não me refiro a debates, frases soltas, falo em ação concreta, concretizada. Não conheço nenhuma, e, por outro lado...

- ...Por outro lado...?
- Por outro lado a imprensa que tem seus interesses econômicos, partidários, demite alguém, demite a mim, pelo que considera um "delito" de opinião. Acho absurdo, não concordo, que o dono do Maranhão (senador José Sarney) consiga impor a medida que impôs ao jornal O Estado de S.Paulo, mas como pode esse mesmo jornal demitir alguém apenas porque expôs uma opinião? Como é que um jornal que está, que anuncia estar sob censura, pode demitir alguém só porque a opinião da pessoa é diferente da sua?

- Você imagina que isso tenha algo a ver com as eleições?
- Acho que sim. Isso se agravou com a eleição, pois, pelo que eles me alegaram agora, já havia descontentamento com minhas análises, minhas opiniões políticas.

Nem tudo está perdido

O inconformismo deste blogue com o voto em Marina Silva no primeiro turno continua rendendo. Depois do puxão de orelha de Valéria e do esporro de Marcya, agora eu recebi a maior bronca, advinhe de quem? Da minha doce sogrinha, dona Maria Isabel. Pelo menos o motivo me absolve, em parte. É que o motivo da bronca é um erro meu - um erro da família, deixe eu generalizar. Mas pense num erro, digamos, "do bem". Acontece que, ao contrário do que eu disse naquela postagem "Vivenciando o processo", não estou tão isolado assim na crítica ao voto em Marina quanto imaginava. Claro que Rejane está comigo - e Titina, a grande ausente naquele texto, também. Mas o que há de novo é que minha sogra, dona Isabel, NÃO VOTOU EM MARINA. Foi tudo um engano, leitores! Um engano típico dessa família que iria lhe divertir muito se você a conhecesse inteira, viu, Marcya?

Marcya, Valéria, leitores em geral: eu errei. E não foi por fazer mau juízo do voto em Marina, mas por embarcar numa conclusão precipitada sobre o voto da minha sogra. Somente ontem à noite fiquei sabendo que ela NÃO VOTOU EM MARINA, MAS EM DILMA. Foi quando minha cunhada Sandra levou o texto impresso pra ela ler, em Natal, que dona Isabel ficou sabendo das coisas infames que eu disse sobre ela. Nâo é nada daquilo. Foi tudo um engano típico das Torrinhas (ao final, explico esse Torrinhas aí para quem não é do clã). Sandra comentou no telefone com Rejane que dona Isabel tinha votado igualzinho a ela - e motivada também por "protesto". Rejane me contou essa história e eu desabei nas críticas à família toda, começando pela sogra tão pouco merecedora deste tipo de comentário.

Só ontem à noite, depois de ler meus absurdos, levados por Sandra - que certamente também se divertiu muito com todo esse episódio - foi que dona Isabel tomou conhecimento de mais essa postagem maldita do Sopão e... correu pro telefone pra reclamar comigo. Disse que JAMAIS DEIXARIA DE VOTAR EM DILMA, QUE FAZ CAMPANHA PARA DILMA O TEMPO TODO, QUE TAMBÉM TAMBÉM NÃO GOSTOU NADA DESSA HISTÓRIA DE SEGUNDO TURMO. Dona Isabel, coitada, está aflita porque acha que o feriado que coincide com o dia de votação vai provocar mais abstenção e ser um fato a mais contra Dilma. Enfim, a postagem aqui é para corrigir o erro e mostrar que a paz voltou a reinar nas relações entre eu e minha sogra. Entre eu e minha família, tá bem. Quem sabe, breve, também voltará entre eu e os amigos marineiros (como Ana Nossa Mana, leitora número um do blogue e que também verdejou, segundo me confidenciou num e-mail à parte).

*"As Torrinhas" é como chamamos o trio Rejane-Sandra-Titina, herdeiras do sempre astuto Chico Torres, meu sogro que muita falta faz nesta hora de guerra seguida de pacificação em família.

Oração necessária


O texto abaixo deve estar sendo, neste momento, um dos mais lídos na internet brasileira, ao lado de outro, similar, escrito por Leonardo Boff. Tem a forma de um apelo a Marina Silva para que declare apoio a Dilma Roussef no segundo turno. Mas, nas entrelinhas, é uma espécie de oração necessária em forma de apelo para que o eleitor que votou em Marina no primeiro turno pense bem sobre o que fará agora no segundo. Vamos ler com atenção.


Carta para Marina


por Maurício Abdalla

“Marina, morena Marina, você se pintou” – diz a canção de Caymmi. Mas é provável, Marina, que pintaram você. Era a candidata ideal: mulher, militante, ecológica e socialmente comprometida com o “grito da Terra e o grito dos pobres”, como diz Leonardo Boff. Dizem que escolheu o partido errado. Pode ser. Mas, por outro lado, o que é certo neste confuso tempo de partidos gelatinosos, de alianças surreais e de pragmatismo hiperbólico? Quem pode atirar a primeira pedra no que diz respeito a escolhas partidárias? Mas ainda assim, Marina, sua candidatura estava fadada a não decolar. Não pela causa que defende, não pela grandeza de sua figura. Mas pelo fato de que as verdadeiras causas que afetam a população do Brasil não interessam aos financiadores de campanha, às elites e aos seus meios de comunicação.

A batalha não era para ser sua. Era de Dilma contra Serra. Do governo Lula contra o governo do PSDB/DEM. Assim decidiram as “famiglias” que controlam a informação no país. E elas não só decidiram quem iria duelar, mas também quiseram definir o vencedor. O Estadão dixit: Serra deve ser eleito. Mas a estratégia de reconduzir ao poder a velha aliança PSDB/DEM estava fazendo água. O povo insistia em confirmar não a sua preferência por Dilma, mas seu apreço pelo Lula. O que, é claro, se revertia em intenção de voto em sua candidata. Mas “os filhos das trevas são mais espertos do que os filhos da luz”. Sacaram da manga um ás escondido. Usar a Marina como trampolim para levar o tucano para o segundo turno e ganhar tempo para a guerra suja. Marina, você, cujo coração é vermelho e verde, foi pintada de azul. “Azul tucano”.

Deram-lhe o espaço que sua causa nunca teve, que sua luta junto aos seringueiros e contra as elites rurais jamais alcançaria nos grandes meios de comunicação. A Globo nunca esteve ao seu lado. A Veja, a FSP, o Estadão jamais se preocuparam com a ecologia profunda. Eles sempre foram, e ainda são, seus e nossos inimigos viscerais. Mas a estratégia deu certo. Serra foi para o segundo turno, e a mídia não cansa de propagar a “vitória da Marina”. Não aceite esse presente de grego. Hão de descartá-la assim que você falar qual é exatamente a sua luta e contra quem ela se dirige. “Marina, você faça tudo, mas faça o favor”: não deixe que a pintem de azul tucano. Sua história não permite isso. E não deixe que seus eleitores se iludam acreditando que você está mais perto de Serra do que de Dilma. Que não pensem que sua luta pode torná-la neutra ou que pensem que para você “tanto faz”. Que os percalços e dificuldades que você teve no Governo Lula não a façam esquecer os 8 anos de FHC e os 500 anos de domínio absoluto da Casagrande no país cuja maioria vive na senzala.

Não deixe que pintem “esse rosto que o povo gosta, que gosta e é só dele”. Dilma, admitamos, não é a candidata de nossos sonhos. Mas Serra o é de nossos mais terríveis pesadelos. Ajude-nos a enfrentá-lo. Você não precisa dos paparicos da elite brasileira e de seus meios de comunicação. “Marina, você já é bonita com o que Deus lhe deu”.

Maurício Abdalla é professor de filosofia da UFES, assessor do Movimento Fé e Política, de Comunidades Eclesiais de Base.

Os mais-mais da eleição


Passado o domingo eleitoral – e seja qual tenha sido o resultado das urnas – a política brasileira sai de mais esta festa democrática com uma nova e variada galeria de personalidades. É uma gente curiosa, uma turma que, se não é muito animadora para a evolução política do país, não deixa de ser um espelho do estágio em que, bem ou mal, estamos. Você pode até se envergonhar de se ver refletido neste espelho distorcido. Mas não adianta olhar pro lado, disfarçar, fazer biquinho. Porque eleição – e os vários eventos que se dão em torno ou ao mesmo tempo em que elas – são assim como cortes temporais a revelar a imagem em negativo de uma sociedade. Mais ou menos como aquela foto três por quatro que você precisou tirar para um documento e que achou péssima, mas acabou usando. Pode até não parecer, mas é você – e não adianta botar a culpa no fotógrafo. Dito isso, vamos ao álbum das novas figurinhas premiadas da vida (não só política) brasileira:


TIRIRICA

Mais do que uma ficção, uma vergonha e uma denúncia sobre nossa indigência política, Tiririca é um recado. Ao fazer do palhaço-cantor (cantor?) um dos candidatos mais votados no país, o brasileiro está mostrando o quanto de importância dá ao poder Legislativo. Tiririca é a expressão viva da impressão corrente entre os brasileiros de que, no final das contas, é o Executivo que faz a diferença. A cantora (cantora?) Gretchen foi candidata, alguns anos atrás, a prefeita da Itamaracá, em Pernambuco. Perdeu espetacularmente. Se fosse candidata à Câmara federal, a história poderia ter sido diferente. Além disso, Tiririca é a ressurreição de outras almas penadas da política como espetáculo, como Clodovil e aquele cujo nome era Enéas. Um fantasma colorido nos corredores do poder político.

OSMARINA

Aquela figura brejeira, ligeiramente arredia e de aparência quase santa, como se fora uma Madre Teresa da política brasileira, ficou definitivamente para trás. Marina, com o crescimento que teve nas últimas semanas da campanha eleitoral, matou Osmarina – sua encarnação anterior, seu nome de batismo. Osmarina era crente e paciente, parecia admitir as idas-e-vindas do processo político; Marina é apressada, não quer perder tempo com acordos que, contra sua aprovação, vem fazendo aos trancos e barrancos a melhoria da vida da população. Osmarina era popular, Marina é refinada. Osmarina era pobre, Marina é cult. Osmarina era evangélica, Marina tem o ecumenismo oportuno dos astros da MPB.

NEYMAR
Não disputou nenhum cargo, não apareceu na propaganda eleitoral, não depende, com o dinheiro e fama que conseguiu, de nenhuma política pública do tipo Bolsa Família e afins. Mas demitiu um técnico de futebol na bronca, reafirmando certa tradição recente do mundo das estrelas do futebol e com isso garantiu seu lugar no panorama pós-eleições. Com a banca que botou, está pronto para disputar a governadoria de qualquer estado e usar a caneta à vontade para dispensar auxiliares que não se curvarem aos seus brados de celebridade mal saída do ovo.

ERENICE

Com esse nome de personagem adúltera de Nelson Rodrigues, queriam o quê? Está certo que nome não condena ninguém, mas às vezes as circunstâncias coincidem demais com o que está escrito na carteira de identidade. Mamãe Erenice botou sob suas asas filhos, parentes e aderentes e com essa fúria maternal nem um pouco republicana – e bem típica de certos segmentos em Brasília – acabou como uma indigente infecta que afasta todos de quem se aproxima. E ainda ficou indignada, enquanto na vida real lá fora quase coloca a perder a continuidade de um projeto de governo e de país que conta com quase 80 por cento de aprovação popular.

WESLIAN

Peço licença para abrigar aqui na galeria uma figura felizmente restrita ao cenário político do Distrito Federal. Mas acho que não preciso: numa cidade que projetou figuras como Arruda e seus panetones, é lícito que se comente para além de seus limites a aparição de dona Weslian (pronuncia-se Uéslian, com ênfase na primeira sílaba). Trata-se, para quem ainda não sabe, da esposa do ex-governador Joaquim Roriz, aquele que renunciou ao Senado para não ser cassado. Pois bem: Roriz empurrou sua senhora para a ribalta da eleição a uma semana do pleito, a propósito de substituí-lo diante da novela da ficha limpa em que se viu envolvido até o último fio de cabelo. É um caso clássico de casuísmo do mal contra o casuísmo do bem. E dona Weslian surgiu assim no programa eleitoral e nos debates como uma dona de casa incapaz de preparar sequer uma lista de feira sem confundir xuxu com queijo coalho.Uma rainha do lar sem a menor chance de distinguir um orçamento público de uma receita de bolo. E tome meu marido pra cá, meu marido pra lá. Podia até ser divertido, mas nunca deixava de ser uma ameaça de tragédia – mais uma – para a capital do país.

SARGENTO REGINA

A pedagogia não precisa ser uma ciência exata. Quer dizer, não precisa ser necessariamente praticada em sala de aula, com mestre e alunos, livros e manuais, provas e avaliações. Há uma pedagogia que se espalha por aí e de vez em quanto surpreende a gente, pela maneira errática – mas estranhamente eficaz – com que se faz presente. Os vídeos da Sargento Regina são um exemplo: daquele jeito meio constrangedor para quem assiste (descontada a hipocrisia eventual), emergiu uma aula invertida do que é a política na prática e do que ela deveria ser na teoria. Ou já me confundo, mas isso é apenas um efeito colateral do choque que tais vídeos provocam. De qualquer maneira, acertando ao errar ou errando ao acertar, a Sargento Regina merece um lugar no pódio das novas celebridades que a campanha eleitoral terminou por consagrar.

*Publicado no Novo Jornal (Natal - RN)

A "bola dividida" da eleição


A gemte tenta fugir do assunto, mas nem assim tem jeito. Enquanto estava procurando os videos da postagem anterior com o sambista Luiz Ayrão, encontrei esta outra leitura de "Bola dividida" (olha só o nome da música... tem como não fazer a ligação com a indecisão de Marina Silva?), intepretada aqui por Zeca Baleiro.

Aí, à medida que a gente vai vendo o video, cantarolando a música, a mensagem subliminar se insinua na cabeça já viciada em eleição. E é como diz aquele ditado: eu perco o voto do eleitor indecido mas não perco a piada. Nâo é que a letra de "Bola dividida" parece um discurso de Serra pra Marina neste pós-primeiro turno?

Repare: "Será que essa gente percebeu / que essa morena de um amigo meu (Lula?) / tá me dando bola tão descontraída / só que eu não vou em bola dividida...." E por aí vai. Confira no vídeo clicando aqui. E divirta-se comigo enquanto Marina se decide entre os dois amigos à beira de um crime passional pelos seus carinhos.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Um sambinha pra descontrair


Como este blogue não tem mais nada a perder mesmo depois de se ver roeado por leitores marinistas, posso tranquilamente dar hoje uma - como é que se dizia mesmo? - dica cultural das menos refinadas segundo os critérios gerais da arquibancada. É isso: enquanto Marina não se decide entre Dilma e Serra - e sabe como ninguém ir embromando os dois lados, reconheça-se - eu tento fugir da ansiedade ouvindo... o grande Luia Ayrão, sambista da geração Silvio Santos na TV Colorado em preto e branco. Pode não parecer muito avançado, mas nesta agonia elietoral que estamos vivendo não se pode fazer muita questão de fineza não.

Comprei a bolachinha reeditada em CD noites dessas, num passeio no Conjunto Nacional, e foi botar pra tocar e lembrar de muita coisa que ouvia no rádio AM quando era criança. Um tipo de música que me lembrou das provas da quinta série, este tipo de coisa. É uma coletânea que só não tem mesmo o clássico do samba-garapa-de-açúcar que foi "Aquele lençinho" - porque esta música, acho eu, só foi gravada num disco posterior à edição em vinil, claro, desta seleção. O disco abre com um outro clássico, "Porta aberta", bela mistura de dor de cotovelo com saudação à Portela. Você pode até me censurar, dizer que Luiz Ayrão não é Paulinho da Viola, mas pra mim a diferença entre os dois está muito mais no registro sentimental da forma como os dois entraram na minha vida de ouvinte do que no quesito puramente estético - embora a estética também conte, lógico.

Sim, entre os dois só Paulinho é visto como o músico sofisticado que de fato é, tem a aprovação superior de quem sempre morou no asfalto. Mas Ayrão tem um quê de Seu Jorge, uma camada anterior de alma do povão que também me interessa e com a qual também me identifico. Nessas horas, me lembro de Titina, que tem veneração por outra dessas figuras do samba povão dos anos 70, Leci Brandão. A mesma Leci que, por um desses artifícios da releitura do que já foi menosprezado por quem dita a moda musical no país, é autora de uma música que vem virando um negócio muito cultuado na voz de Mariana Aydar, uma das estrelas do novo samba da Lapa carioca. Confira isso clicando aqui e ouvindo a história de "Zé do Caroço" - uma composição que, por tabela, lembra o negão Melodia, numa junção final que faz a música se afirmar somente pelo fato de ser música e não por ser de gosto superior ou inferior.

Pra encerrar, confira você mesmo o sambão de Luiz Ayrão vendo dois vídeos que arranjei lá no YouTube. O primeiro (clique aqui), mostra o cantor já mais recentemente, cantando "Porta Aberta' e outra pérola do seu repertório, a provocativa e divertida "Bola dividida". O segundo vídeo (clique aqui), é uma atualização disso tudo, com Diogo Nogueira, filho do magnífico João Nogueira, reinterpretando esta mesma "Bola dividida". Bom divertimento.

* P.S: a respeito da série de postagens sobre a eleição, fica pra amanhã uma correção num erro gravíssimo que cometi num dos últimos textos apresentados aqui no Sopão. Coisa séria, de dividir a família. Aguardem.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Vivenciando o processo


Dois dias depois da eleição, ainda estamos todos, assim como Marina, “vivenciando o processo”. Nisso, eu fico sabendo, qual um marido traído, que estou cercado de “marinistas” por todos os lados. É isso mesmo, pode rir. Descobri que sou uma ilha governista perdida num oceano de críticos insatisfeitos e afiados. Primeiro foram os protestos de Valéria Oliveira, depois levei aquele esporro de Marcya Reis. Tudo bem, na boa. Respeito o lado delas mas mantenho minhas posições.

Mas, qual o quê? O pior ainda estava por vir – ou o melhor, dependendo da perspectiva de quem me lê agora (e se minha desconfiança estiver certa, ai de mim, 90% dos leitores do Sopão também votaram em Marina). Enfim, pra encerrar o assunto: minha sogra, dona Isabel, aquela doce figura (é sério: se tem uma sofra que destoa do estereótipo da velha chata e importuna é a minha), também votou em... Marina! Por que, perguntei boquiaberto a Rejane quanto ela me deu a notícia. “Por protesto!”, me respondeu Rejane, trinta vezes mais governista do que eu, com um ar de riso na boca. “Protesto contra o quê...?”, insisti, completamente surpreso pela resposta.

Ora, dona Isabel é dona de uma próspera lavanderia de bairro de periferia, naquela abençoada rua onde mora, sob o luar do Pitimbu. Quando mais a tal nova classe C prospera, melhor pra ela que arregimenta mais cliente – obviamente contra a vontade da família toda, que preferia vê-la aproveitando mais a vida e trabalhando menos. Mas vocês que lêem agora, com exceção de algumas pessoas que já-já será citadas aqui, não conhecem dona Isabel. Vocês já ouviram falar em teimosia? Pois a teimosia tem outro nome para quem a conhece bem – chama-se Maria Isabel, minha doce sogrinha.

E minha sogra foi com a cara de Marina, deve ter se identificado num processo semelhante ao que faz o grosso do brasileiro se ver espelhado em Lula – e, diante da urna, tcham: Marina nele, quer dizer, Marina em mim. O tal “protesto” alegado é uma entidade assim meio vaga, que certamente evoca o noticiário do JN, com o caso Erenice e a fama de ladrão que a mídia inteira vem tentando jogar nos ombros do PT. Claro que dona Isabel não lê a Folha de S. Paulo, mas essas coisas funcionam em cadeia, vão-se espalhando, de maneira que até um boato típico de internet pode ter chegado a ela – e não será surpresa se chegou mesmo a “onda do aborto” já que, de uns tempos pra cá, a religiosidade da minha sogrinha aflorou mais sensivelmente. Mas dona Isabel, criatura, pensasse um pouco no que mudou na economia...

A postagem está fugindo ao controle e ficando grande demais, de maneira que tenho que resumir o resto da ópera familiar. Pois bem: descubro que Sandra, minha cunhada, Novo, meu concunhado, e Raísa e Rafael, meus sobrinhos, votaram todos, a família todinha, em Marina. Novo não foi surpresa – e é um caso à parte, não dá pra esgotar num resto de postagem como esse aqui. Agora os outros, sobretudo Sandra... “Só aqui foram quatro votos”, contou minha cunhada a Rejane, depois de ler – talvez boquiaberta e revoltada também – o post mais maldito que o Sopão já publicou, aquele do “Voto em Marina”. Eu fiquei assim: mas se Raísa fez uns trinta vestibulares para entrar na universidade, conseguiu, o que é sempre louvável, e já até concluiu um dos cursos, um desses novos cursos meio superiores meio técnicos, e já está iniciando outro, todos criados durante o governo Lula, contra o quê mesmo ela e Sandra estão protestando ao votar em Marina? Deixa pra lá, se não vira briga de família e aí a coisa é mais séria.

O que me conforta um pouco é saber que, já na noite da apuração, essas e outras pessoas ligaram preocupadas pra Rejane, pra saber se, com a votação expressiva de Marina e a ocorrência do segundo turno, haveria o “risco”, palavras delas, de Dilma não se eleger - ou, concluído de outra maneira, de Serra se tornar o novo presidente do Brasil, o que sempre traz a possibilidade de descontinuidade das ações e das políticas do governo Lula. Pois é, votaram, expressaram seu “protesto”, brincaram de eleição no primeiro turno somente para, poucas horas depois, se dar conta da extensão das conseqüências do voto que deram.