sábado, 5 de novembro de 2011

Novo endereço

O SOPÃO mudou para www.novosopaodotiao.blogspot.com. Pegue o atalho clicando aqui.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Considerações em torno do "Palhaço"

Meu Holden Caufield foi Pedro Bala. Meu "Apanhador no campo de centeio" foi "Capitães da Areia". Meu Chaplin, Renato Aragão. Meu Lennon, Zé Ramalho. Porque no interior nordestino dos anos 70, tudo era mais lento. Mas não se engane, tudo era mais sólido. Tudo rendia mais, possibilitava muito - e desse tudo não se costumava desprezar nada. Era como a metáfora escolar preferida pelas professoras primárias da época, a da carnaubeira, palmeira da qual nada se perdia, dos frutos às fibras. Essas notas me chegam a reboque de filmes vistos recentemente, como a adaptação do "Capitães da Areia" pela neta de Jorge Amado, que traz de volta um livro fundamental e iniciático; e o segundo Selton Mello, "O Palhaço", onde a atmosfera é de um certa urbanidade de hora do ângelus no interior do Brasil que transpira anos 70 por todos os frames. . Leia o post completo no NOVO SOPÃO DO TIÃO: http://novosopaodotiao.blogspot.com/ Pegue o atalho clicando aqui.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Nas cercanias da Ribeira

Da ultima temporada em Natal, no país do elefante manso. Clique numa das fotos para ampliar e ver todas no slide show.

Leia na Hamaca

"Preenchido por essa mistura de sensações, ninguém deixa a missa da manhã de domingo aos tropeções: é uma saída mansa, algo etérea, quase em câmera lenta, como se as almas redesenhadas pela purgação ritualística dos pecados voltasse à vida normal com cuidado e calma, ciosa de não cometer novas infrações pelo menos nas primeiras horas da semana que se reinicia. Todo mundo sai um pouco santificado da missa matinal do domingo, quase da mesma maneira indecisa e trôpega como o bebum oficial da cidade deixa o último bar ao alvorecer do dia – e era isso que aquela visão mostrava. Um instante do tipo que não vai figurar jamais nos roteiros consagrados dos guias turísticos, da qualidade daquelas atrações que não tem preço, da modalidade de fruição que depende muito mais da disponibilidade do viajante do que da ansiedade do turista." Do post "Nas Brumas de Pirenópolis". Leia o texto completo clicando aqui.

Valsa desesperada



Esta é a Sinfonia de Praga, a música que enche as paredes do refúgio de Luca Rossini nas cercanias da cidade do Vaticano quando ele quer distância do mundo e a proximidade de si mesmo que aquele mundo nem sempre permite. É ao som dessa valsa atormentada que ora envolve e nina o ouvinte e ora o arremessa na parede com a força de suas cordas que o cardeal Rossini mitiga suas danações pessoais em mais um daquelas típicas narrativas dramáticas do autor de best seller Morris West.

O livro é "A Eminência", mais um da série vaticaniana que contém também o bom "As Sandálias do Pescador" e o excelente e subestimado "O Advogado do Diabo", primeiro a cair nas mãos do projeto de leitor que eu fui e continuo tentanto melhorar. Luca Rossini é um cardeal ítalo-argentino torturado da maneira mais escandalosa e que, acolhido no Estado da igreja católica, lambe lá suas feridas incicatrizáveis, abanando-se com uma folha corrida que envolve, além da perseguição política sob a ditadura militar argentina, um caso de amor e uma filha não autorizada. E, mesmo assim, o homem vê-se na iminência de ser eleito papa - o sucessor mais heterodoxo possível de um morto com todas as caracteríticas de João Paulo II.

Um virtual e possível papa do terceiro mundo, marcado polticamente pelas sangrias desse pedaço do planeta e demarcado pessoalmente por uma crise de fé na igreja e nas pessoas que não encontra qualquer pararelo no Bento XVI em vigor. Morris West, que apontou para a emergência de Karol Wojtyla antes do João Paulo II que não veio da Itália ocupar o trono de Pedro, escreveu de olho em mais uma previsão. Ainda não foi desta vez, mas a dramaticidade - descontados os jorros contidos nos diálogos que são tão a cara da prosa bestsélica de West - está toda lá, neste "A Eminência" onde a citação da Sinfonia de Praga é parte do pacote de circunstâncias, crises e possibilidades exploradas pelo livro. A música na íntegra você encontra grátis no YouTube e livro completo está disponível nos sebos da esquina.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Linchamento e chantagem em série



"Como era de se esperar, o ministro do Esporte, Orlando Silva, foi para o chuveiro antes do término da partida. Pesou demais contra ele o fato de o Supremo Tribunal Federal ter autorizado abertura de inquérito para investigar seu estilo administrativo.

Como sempre, a partir de agora o noticiário deve ficar mais ameno, até os fatos denunciados cairem no esquecimento das notas de pé de página. A rotina do noticiário permite até mesmo fazer um gráfico de intensidade: como na Sinfonia número 1 de Gustav Mahler, em que a música começa com instrumentos de sopro que só se tornam perceptíveis no crescendo quando entram em cena os violinos, o enredo dos escândalos tem uma lógica.

Flautas, fagotes, oboés e clarinetas servem para envolver o ouvinte no ambiente intencional da composição. Quando ele se dá conta, a sinfonia se torna a realidade dominante.

No noticiário sobre “malfeitos” no governo, alguém sopra uma suspeita, que vai se reforçando num crescendo até o ataque maciço com todos os instrumentos. Então, como numa avalancha, o acusado é arrastado para fora de sua cadeira. Nesse processo, tem-se a certeza de que o acusado, em algum momento, será expelido do cargo. Mas não há garantias de que haja justiça. Como existe o pressuposto de que em todo cargo público sempre haverá uma irregularidade a ser descoberta – mesmo porque as auditorias são permanentes –, a safra de escândalos é garantida.

Mas talvez seja hora de se questionar o efeito dessas denúncias no varejo: caem ministros mas não se altera o esquema que parece dominar toda a política, em todas as instâncias.

O jornal O Estado de S.Paulo, por exemplo, já criou o selo “troca na Esplanada” para acompanhar o rodízio de ministros em Brasília e o selo “emendas secretas”, para acompanhar o caso das propinas na Assembléia Legislativa paulista. A Folha de S.Paulo já olha para o retrato oficial do Ministério, abrindo apostas sobre quem será o próximo acusado.

O Ministério do Trabalho é tido como a bola da vez.

Como o processo de “fritura” de ministros sempre envolve, além do barulho da imprensa, intensas movimentações de bastidores na eterna competição partidária por bons cargos, torna-se impossível afirmar quanto do que se publica representa a verdade e quanto é denúncia vazia, a ser confirmada por investigações oficiais.

O pote cheio de mágoa

O fato concreto é que o sistema funciona como uma teia de aranha: apanhado na armadilha, quanto mais se debate a presa, mais enredada fica. Assim, ao responder no varejo a acusações que lhe são despejadas no atacado, o acusado apenas dá mais instrumentos aos seus adversários de fora e de dentro do governo.

Tem essa natureza o noticiário escandaloso: como há uma convicção generalizada na imprensa de que todos os indicados pelos partidos aliados para cargos no governo – em qualquer governo – estão ali para desviar dinheiro, o trabalho jornalístico consiste apenas em confirmar o pressuposto de culpabilidade. Por mais que esperneie e repita seus argumentos, o acusado acaba soterrado nos escombros de sua própria reputação.

Há bandidos notórios, é claro, mas no tribunal de rua estabelecido pela imprensa não se faz justiça – faz-se primeiro o linchamento. Acontece que depois da execução moral não se pode enterrar o cadáver simbólico em algum ponto perdido no deserto. Eventuais injustiçados em geral se isolam no anonimato, distantes do poder, e a imprensa os esquece. Mas alguns retornam à cena, como fantasmas a clamar por justiça.

O ex-diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, Luiz Antonio Pagot, por exemplo, tenta se fazer ouvir para dizer que está magoado com a presidente Dilma Rousseff. Ironicamente, o primeiro veículo que lhe deu ouvidos foi a revista Veja, ao reproduzir, no começo de agosto, informações de deputados do Partido da República dando conta de que ele estaria se queixando publicamente pela forma como foi demitido.

Posteriormente, em setembro, a mesma informação voltou a circular em blogs de jornais, como se fosse um recado querendo chegar aoPlanalto. Nesta semana, o mesmo texto, com a mesma declaração, chega ao Estadão, sem maiores explicações, em reportagem curta publicada na terça-feira, dia 25..

Há claramente uma articulação por trás da repetição dessa mesma notícia.

Ora, se os jornais acham que ele foi injustiçado, seria o caso de rever as denúncias que a própria imprensa publicou contra o ex-diretor do DNIT e limpar sua reputação, em vez de dar curso a comentários que cheiram a chantagem.

Simples assim."

O texto acima é a análise desta quinta-feira sobre todo o processo que levou à derrubada do ministro Orlando Silva. O clipping do Sopão destaca e recomenda: leia, emoldure, pregue na parede e espere sentado a confirmação do que está dito aí. Se enjoar, bote um filme que acaba de sair no DVD player: Militância Dispensada. Direção: Dilma Roussef. Produção: PIG. Lançamento: Abril Vídeo.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Orlando no lixo


A paciência de Orlando, a expressão do ministro, o olhar deixa-estar do homem do PCdoB, a caneta que ele tamborila entre os dedos, o suspiro que vem quando nada mais – nem o olhar, nem o tamborilar e tampouco a paciência – dão conta de oferecer qualquer resposta possível. Toda vez que a câmera da TV Câmara mostrava o ministro Orlando Silva no depoimento dessa terça-feira numa das comissões da casa era como se Ingmar Bergman tivesse voltado à vida, desistindo das angústias internas do seu país de origem e ressuscitado só para rodar um último curta-metragem em Brasília.

Um rosto marcado, um Orlando cansado, vencido, derrubado mas com uma gota de dignidade negada ali diante de netinhos dos ditadores brazucas, mostrando involuntariamente o que é ser atacado por todos os lados – a visão do ser humano acuado no país de Tiradentes, antes do político da “Veja”.

O leitor pode me jogar na cara a reclamação da ética, da honestidade, do brio com a coisa pública, pode me cobrar a falta de suposta imparcialidade, pode devolver pra mim a mesma queixa que alimento em relação aos analistas políticos dos jornais quanto a torcer mais do que analisar, que eu não me entrego, não mudo de opinião. Não perco por nada a louvação daquela visão do cachorro morto pisado com lascívia e reagindo com a menor porção de integridade a que um cidadão – qualquer um, e não ria porque em outra circunstância você que me lê agora pode ser o próximo a se ver cercado e indefeso a não ser pela própria expressão do seu rosto no banco dos réus – tem direito.

Um monge, aquele Orlando Silva no paredón da comissão. Um São Sebastião flechado até o último músculo, inocente ou não, sujo ou injustiçado, num caso que tipifica tanto o grau das coisas que faz a gente pensar: e por que os deputados que mamaram nas tetas do dinheiro fácil da ditadura brasileira (mamaram mesmo, eram bebês beneficiados pela ordem arbitrária das coisas, a imagem aqui é mais que uma metáfora) não declaram logo este João Dias, o novo e festejado Cabo Anselmo, um deputado com mandato de lisura igual a eles? Ou por outra: por que não substituem de uma vez por todas o Judiciário pela velha imprensa? Para ministro do Supremo, o editor-chefe da “Veja”. Para compor o STJ, a cúpula do aquário da “Época”, essa que, fazendo  coro à manchete do “Estado de São Paulo” – “Comunistas crescem à sombra do poder”, e você não está numa bolha paranóica pré-Estado Novo – demoniza com a covardia dos poderosos um partido político sem estrelas no peito nem anunciantes na carteira?

De uma hora para outra, tudo que se refere ao PCdoB virou suspeito, ilegítimo, praticamente clandestino como gostariam, de fato, os setores que alimentam este estado de coisas. Se o partido se construiu por meio do domínio do movimento estudantil, é condenável. Se aliou-se na história recente ao PT dando sustentação a mais de um governo de esquerda, idem. Mas se nasceu de uma cisão com o antigo PCB, o partidão, é uma nota final no último parágrafo de uma matéria de meia página – que importância tem a circunstância histórica diante do interesse imediato dos donos do veículo de comunicação envelhecidos pelo tempo e pelas posturas? Com a colaboração dos novos jornalistas, quase todos produtos de uma classe média igualmente velha e anestesiada pelo tédio da própria desimportância, a história só poderia mesmo ir para o lixo.

Orlando Silva, com seu rosto de ator político e humano repleto de expressões do abandono e do sacrifício em praça pública, bem pode ser a máscara feita sob medida pra um país de papel com data de validade vencida. O olhar pesado que ele joga sobre sua platéia de denunciantes seria só o reflexo involuntário do que esta porção do Brasil consegue dirigir ao espelho. É um olhar de despedida – de um longo e dolorido mas efetivo adeus que vamos dando ao que fomos. O cargo vai para o lixo, mas alguma coisa mais também terá o mesmo destino. É este refugo o que dá pra ver no fundo do olhar do ministro decepado.

Rompimentos



Casais rompem. Amigos também. Políticos, quase sempre. O que seria da política se não fossem os rompimentos? Os grandes, os pequenos, os autênticos, do tipo que tiram tudo do lugar, ou os de oportunidade, que apenas fingem uma mobilidade inexistente? A partir daqui, vai cada um para o seu lado, num rearranjo do estado das coisas, as definitivas ou as impermanentes, num movimento que deixa rastros, abre feridas e depois joga variáveis porções de sal no interior de cada uma delas só pelo prazer de parecer prevalecer intacto sobre o outro com quem se rompeu, embora seja de impressão geral que as cisões são democráticas em questões de perdas e danos. Pelo menos quando há cisões de fato – e não as intempéries de zum-zum-zum que quem vive delas semeia para festejar nas colheitas vãs dos antifatos da vida.





Vem da pequena, imutável, circular e impermeável política local do país do elefante a notícia espetacular de mais um rompimento tão drástico quanto o parto de uma formiga. Ouriços, fogos, perplexidades autofabricadas, um vasto e novo veio de fofoca disfarçada de jornalismo que se abre no falso minério dessa terra tão infértil no terreno do avanço cidadão.  Um vice corta os laços, uma titular atira-lhe de volta as tesouras do rompimento escandaloso, uma eminência parda subitamente ganha cores – e a vida cá embaixo continua, com os súditos da prefeita de fantasia tratando de ganhar a vida longe dos alvoroços dos colunistas remunerados.


O rompimento, aqui neste estágio, é apenas ingrediente de conversa no balcão do comércio, na mesa de bar, na calçada enluarada do Vale do Pitimbu, na orla onde os ambulantes estão preocupados mesmo é com a nova variação do forró-padrão capaz de interessar à clientela em férias. Há, claro, subscrições – algumas extremadas – a um lado ou ao outro, mas tudo não passa de uma simulação de conflito que de fato não existe, de um exercício pessoal em que cada projeto de cidadão não realizado precisa ter a sensação de importância. Desconhecem que os verdadeiros rompimentos são outros, muito mais distantes da terra dos elefantes acomodados.



O rompimento real e necessário refaz os conceitos, apara arestas onde muita gente se feriu sem perceber, assim como quem passa correndo pela sala e enfia o joelho na quina da mesa. Constrói novas pontes e explode outras. Desmente noções estabelecidas e injeta verdade nova em algo que só  os visionários enxergavam e, coitados, sozinhos anunciavam. Os  rompimentos têm essa capacidade de construir com as mesmas peças um novo quebra-cabeças, durável até o ponto em que este, por sua vez, esteja já gasto de tanto ter sido jogado pelos adversários e aliados. Os rompimentos também são traiçoeiros, e muitas vezes mostram mais as semelhanças das partes que se apartam do que as diferenças que elas querem fazer crer que levaram a tal arrebentação.

Em torno dos rompimentos, também estão os coadjuvantes. Aqueles que, na ansiedade de tirar proveito da briga de casal, produzindo novos e impensados casamentos, terminam por inocentar a violência de um cônjuge que até bem pouco tempo era visto como intolerável. É preciso paciência, tempo, uma certa periodicidade muito própria dos rompimentos para que se mostre a reação apropriada a eles: caso contrário, o suposto beneficiado entra na festa e, perdendo a chance de mostrar a vulgaridade do casamento desfeito, termina por legitimar o falso – e temporário – divórcio. Calma: os rearranjos não se fazem de uma eleição para a outra; mesmo quando os rompimentos se dão menos de um ano após a vitória de algo que parecia tão sedimentado.

Os rompimentos também podem ser estágios, parte de uma escadaria de etapas que a vida vai colocando sob seus pés sem que você se dê conta, como num desenho animado surreal e imperceptível a não ser no nível do sonho. Você vai subindo – ou descendo, conforme o tempo, a idade ou a pessoa – e nada pode permanecer exatamente como estava. Falhas no corrimão de repente ameaçam a segurança de uma subida – ou descida – antes vista como tão normal. Um pedestal que parecia sóbrio como mármore imperial começa a parecer manchado. Mesmo assim você ainda aprecia aquela escadaria e reconhece a importância de cada degrau. Mas vê se romper o ritmo daquela escalada antiga, a elegância de lorde da ascensão, e acha por bem caminhar em passos mais pausados, que a idade traz o cansaço, a maturação, as memórias e o bom senso – tudo junto, como essa massa caótica de mágoas que produz um rompimentos. Você não quer julgar ninguém e muito menos se declarar puro e superior ao final da subida, mas os rompimentos sem espetáculo desnecessário fazem parte do processo e por isso mesmo não precisam ser definitivos. Há uma etapa em curso.

Mas tudo isso é uma imagem vaga demais para quem vive dos rompimentos políticos, precisa deles, tira deles o tostão publicitário de suas notas, alimenta com eles as bolas de cristal de suas previsões batidas, faz cara de portador de muitas fontes e conhecimentos secretos que lhe garante, se não o acerto jornalístico sobre a cena do próximo capítulo, ao menos a tranqüilidade de saber que optou pelo lado certo na hora da decisão: depois tudo volta ao normal, mas no instante do cisma, isso é muito importante e precisa ser muito bem pensado. Com quem você vai romper para ser coerente sem perder o trânsito com a parte preterida?   

Lennon rompeu com MacCartney, Sarney rompeu com os militares, João Bosco rompeu com Aldir Blac – ou terá sido o contrário, a mesma ilustração na ordem inversa. Ou talvez não existam rompimentos unilaterais: assim como dois bicudos não se beijam, tanto quanto se um não quer o outro não se aproxima, é possível que os rompimentos reais só se dêem quando por acordo mútuo. E ainda assim são variáveis como o multiculturalismo brasileiro. Convém nunca generalizar, mesmo que a dissolução Rosa-Robson pareça um exemplo tão estandartizado dos falsos cismas. E além do mais, Aldir Blanc e João Bosco já voltaram a se entender – sinal de que o rearranjo se completou, por mais que tenha demorado para acontecer. Na política, costuma ser bem mais rápido – e intelectualmente desonesto. Na vida real, leva o tempo que uma pedra em formato idêntico a um elefante gasta para, triturada pelos ventos e pela chuva, reduzir a pedregulho o que parecia montanha.

Falando nisso, será que um dia Dilma vai romper com Lula, como querem, torcem e cada vez menos analisam os articulistas políticos do ex-país do Carnaval?

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Fala, PCdoB



Pois é, o SOPÃO também tem horário eleitoral - gratuito, mas não obrigatório: aqui só passa o programa de quem tem realmente o que dizer. E o PCdoB, o alvo da vez da velha imprensa, tem muito a falar neste momento. Além do mais, o partido tem a inteligência de não ficar somente na defesa e partir para o ataque que politicamente muito mais válido: mira direto nas eleições municipais do ano que vem. Nisso, o programa tem Olinda, tem Porto Alegre (da bela foto acima), tem Manuela (essa força de beleza e renovação política que atua dentro do sistema sem perder de perspectiva o que está fora dele), tem Jorge Amado, tem a São Paulo dividida do Netinho Classe C. São dez minutos dignos de se ver, bem menos tempo que se gasta lendo páginas e páginas de acusações todos os dias na internet, no jornal ou na tevê.

Assista ao programa que está sendo antecipado pelo portal Vermelho clicando  bem  aqui.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Filmes que você ainda ver ver em 2011








Do alto para baixo: 1) "Inquietos", o novo Gus Van Sant que explora inusitado casal - ele com fixação em funerais, ela com doença terminal -; 2) "A dangerous method", em que David Croneberg filma os embates entre Freud e Jung; 3) "Tudo pelo poder", com George Clooney investigando agora os bastidores de uma campanha eleitoral e finalmente 4) "O palhaço", o segundo filme dirigido por Selton Mello. Até dezembro, entra tudo isso em cartaz; alguns já nas próximas semanas.



Muito além do laboratório



"Diretas Já, Diretas Já, Diretas Já! Se você, caro leitor, nunca teve a oportunidade de participar de um coral formado por 1 milhãos de vozes, eu certamente recomendo a experiência. Nada pode nos preparar para o som penetrante que nasce dessa sinfonia de anseios e desejos e nada desse lado da Via Láctea fará você esquecer essa música, esse quase pranto, pois ela, com ele, carrega o tipo de som que entalha memórias para toda uma vida. Para enquanto durar o sempre de uma vida mortal."

"Neste livro, eu proponho que, assim como o universo que tanto nos fascina, o cérebro humano também é um escultor relativístico; um habilidoso artesão que delicadamente funde espaço e tempo num continuum orgânico capaz de criar tudo que somos capazes de ver e sentir, como realidade, incluindo noso próprio senso de ser e existir."

Os trechos acima são da lavra do cientista Miguel Nicolelis, no seu "Muito além do nosso eu", um livro que de tratato científico hermético não tem nada. Nicolelis vai de um comício das Diretas, o movimento popular que marcou o ano de 1984, às intricandas conexões do cérebro humano como quem dá um passeio na praia - a praia da curiosidade científica, da especulação em busca do  conhecimento. Como já dava para desconfiar, o Nicolelis escritor que surge no livro é assim como um Steve Jobs: um cara que, tanto quanto se decida à pesquisa e à interrogação científica pura e ao mesmo tempo aplicada, também se faz um comunicador de primeira das descobertas que consegue. 


A narrativa ensaística que ele faz neste livro é de uma leitura não menos do que saborosa, ainda que o tema seja mais propício à dificuldade do que à fruição: mas justamente isso é que multiplica ainda mais o valor da aventura escrita para quem, do lado de cá, submerge nas páginas do lançamento da Companhia das Letras.

Mas é cedo para deixar aqui no Sopão uma impressão geral, embora a inicial seja a melhor possível. Enquanto a leitura não finda - oba! - vamos com aquele trecho acima e com a transcrição, em video, da não menos instigante entrevista que Miguel Nicolelis deu ao programa Canal Livre, da rede Bandeirantes. Vale cada minuto que você passar diante desta tela aqui assistindo a esta conversa.


domingo, 16 de outubro de 2011

Pirenópolis em sépia

Para melhor apreciar a jornada fotográfica abaixo (mais informações no pé das imagens), clique aqui, dê play e ouça Royal Cinema, a mais bela valsa jamais composta pelo bicho homem, feita pelo seridoense Tonheca Dantas.
O Sopão acaba de chegar de um fim de semana em Pirenópolis, no velho e bom sertão goiano, para onde foi numa excursão em parceria com o não menos afamado blogue "Fragata Suprise", pilotado por Cínthia Campos, com seu fino senso de avaliação cultivado em sem número de viagens de trabalho ou a pretexto de mera curtição. Se você ficou curioso, visite a Fragata clicando aqui. Se você quer saber o que tanto o Sopão vê em Pirenópolis - além da óbvia localização próxima a Brasília, um lugar, ademais, que parece sempre longe de tudo - passe a vista na galeria acima assim a título de teaser do que vem po aí. Em breve, um post completo sobre as nossas andanças pelos domínios pirenopolinos, um lugar onde sempre se encontra um jeito novo de apreciar aquela velharia que a gente estima tanto.

Bastidores

Com dona Sebastiana e dona Izabel na plateia do show de Roberto Carlos no ginásio Nilson Nelson, em BSB citi.

Novo diário de férias

Desde as 21h da última terça-feira e até o presente momento, num processo que em algum momento chegará à sua plenitude, o autor deste Sopão encontra-se em férias de dez dias. Digo que dá-se um processo em curso porque, ao contrário de muita gente, não me coloco, me sinto ou me reconheço em férias no exato momento em que acabo de dar minha última gota suada de trabalho no período regulamentar e anterior à validação jurídica do dito período. Pra mim, as férias vão chegando devagar - e aí já se imagina o problema quando se trata de férias curtas, como essas, de dez dias, dou-me o direito de repetir e reafirmar. Até a poeira elétrica e persistente do estresse da rotina profissional flutuar, preguiçosa, até a base do chão, é tempo, viu? De maneiras que é nesse intervalo em que estou: nem de férias nem batendo meu ponto (o que, no meu caso, não vão fazer pouco da minha condição de meio servidor público/ meio jornalista, significar trabalhar pesado).

Dá-se então, com a solenidade das próclises menos usuais, uma espécie de pico de estresse movido a puro deleite. Assim, ó: durante uns dois ou três dias logo que as férias oficiais se iniciam, ativa-se o vulcão interno da minha pessoa, este liquidificador embutido nas entranhas do corpo e da mente que não está nem aí para a urgente e necessária placidez a que deve corresponder qualquer descanso digno dessa palavra, e no lugar de me acalmar, acabo me danando, como diz aquele bolero de Angela Ro Rô. O início das férias, mesmo das férias de curtíssima duração, é esse pequeno inferno de querer fazer tudo, ver todos os filmes, ler todos os livros, assistir a todos os programas de televisão, tuitar com todos os amigos, blogar até acabarem os itens todos anotados na cadernetinha, ouvir todos aqueles CDs que relembram essa ou aquela fase do passado, além dos novos recém-comprados e cujos plásticos sequer foram abertos, ver tudo quanto é filme gravado no HD da televisão etc etc etc etc etc etc.

E ainda ter que administrar os filhos que, como os de William Bonner e Fátima Bernardes, estão de folga o resto da semana (cadê a ética das escolas? se fosse o Congresso já tava na porrada), além de dar conta de uma série de pequenas demandas que a gente adora deixar para fazer... nas férias! Cortar o cabelo, mandar lavar o carro, pagar aquela conta, mandar consertar aquele aparelho enguiçado etc etc etc etc etc. De maneira que esta postagem completamente inútil - tanto quanto costumam ser os meus primeiros dias de férias, mesmo que sejam férias breves como essas - é só pra dizer que, bem, a gente parece ter mesmo uma índole de trabalhador que demora pra se acostumar com a idéia de parar tudo por uns dias. Diante dessa situação, a gente entra em estado de alerta - quando deveria ingressar em situação de desleixo.



De terça à noite para cá, assisti a um filme no cinema - "Meu País", esse que fez certo sucesso no recém-encerrado Festival de Cinema de Brasília -, terminei de ler o "Solar da Fossa", a "biografia sentimental" de um prédio feita por Toninho Vaz (com certo desleixo mais recomendável a quem está de férias e não escrevendo um livro, devo dizer), levei as crianças ao clube da Câmara somente para suportar a barulheira de uma comemoração dispensável do Dia das Crianças (além da maior chuva, mas chuva aqui é sempre coisa boa), ganhei um bônus para piruetar por duas longas horas na livraria Fnac e adjacências, o que me permitiu ouvir um tantão de músicas e ao final comprar uns poucos CDs, dei umas caminhadas (ao longo das quais encontrei, aqui nas cercas e muros do Sudeste mesmo, esses belos paineis que ilustram a postagem) cortei o cabelo, mandei lavar o carro e li a introdução do livro de Miguel Nicolelis, o "Muito além do nosso eu" que, bênçãos e aleluias científicos, é de uma redação capturante se vocês me permitem usar um adjetivo menos usual.

E se mais nenhum outro desnecessário motivo houver, a postagem se jusfitifica pelo mero hábito sopalino de registrar em posts vagos como redação de isopor as férias do autor. Câmbio, desligo, prometendo voltar em brave com novidades vencidas sobre essas férias picotadas.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Droga e misticismo, segundo Frei Betto


O Sopão reproduz abaixo trechos de artigo que estabelece uma bem pouco registrada conexão entre consumo de drogas e impulso místico. O autor do artigo e da conexão é Frei Betto e a íntegra está publicada no Correio Braziliense desta sexta-feira. O artigo começa por discutir as propostas de descriminalização, mas avança decidido no rumo do questionamento sobre as causas do consumo, para Frei Betto um elemento muito mais decisivo para acabar com o problema do que a pura e simples legalização. Segue o trecho:


DO FUNDO DO POÇO


"Sou de uma geração que, na década de 1960, tinha 20 anos. Geração que injetava utopia na veia e, portanto, não se ligava em drogas. Penso que quanto mais utopia, menos drogas. O que não é possível é viver sem sonho. Quem não sonha em mudar a realidade, anseia por modificar ao menos seu próprio estado de consciência diante da ralidade que lhe parece pesada e absurda.

Do fundo do poço, todo drogado clama por transceder a realidade e a normalidade nas quais se encontra. Todo drogado é um místico em potencial. Todo drogado busca o que a sabedoria das mais antigas filosofias e religiões tanto apregoa (sem que possa ser escutada nessa sociedade de hedonismo consumista): a felicidade é um estado de espírito, e reside no sendido que se imprime à própria vida. O viciado é tão consciente de que a felicidade se enraíza na mudança do estado de consciência que, não a alcançando pela via do absoluto, se envereda pela do absurdo. Ele sabe que sua felicidade, ainda que momentânea, depende de algo que altere a química do cérebro. Por isso, troca tudo por esse momento de 'nirvana', ainda que infrinja a lei e corra risco de morte."

Três vezes Zé Dumont







Alguém já disse nesses comentários de internet que costumam ser muito divertidos mas muitas vezes acertam no alvo que José Dumont é o grande ator brasileiro, o melhor entre os melhores. A concorrência é grande, mas é bem possível que os mil tipos de brasileiros em que ele se desdobra na televisão e no cinema confirmem essa condição única, em que pese a presença no páreo de adversários da estatuta de um Lima Duarte, pra ficar num exemplo só. O colega Klecius Henrique foi escarafunchar isso aí e saiu-se com uma tese de mestrado defendida na Universidade de Brasília que mostra exatamente isso: o poder que tem Zé Dumont de representar o brasileiro - este brasileiro sintético e transversal em forma de ator e personagem - na iconografia dramática do país. Acima, o cinemão do Sopão separou três links para três momentos de José Dumont exercitando esse seu mais do que nobre ofício. Começando por Morte e Vida Severina, continuando com A Hora da Estrela e, ao final, a cereja mais pop desse bolo audiovisual, a íntegra do filme Árido Movie, completinho e na mais perfeita definição. Reserve umas duas horas para o divertimento e boa fuição.

O grande sertão de Zé Bebelo



Estrategista das guerras de jagunços e clown dos grotões, José Dumont é personagem e ator injetando outra qualidade de sutileza na minissérie relançada em pacote de DVD

Depois de matar os 16 discos de “Roque Santeiro”, este blogue se perdeu com alforjes, trabucos e cartucheiras nos descampados pedregosos e quase intransponíveis do Liso do Sussuarão de “Grande Sertão: Veredas”, a série de TV que Walter Avancini dirigiu ali por meados dos anos 80 e que o império global, sabe-se lá por quais motivos, jamais reprisou. Com a chegada da era das caixas de DVD, é mais um problema resolvido: são 4 discos com todas as peripécias vivenciais e existenciais de Riobaldo “Tatarana”, Reinaldo “Diadorim”, Tarcísio “Hermógenes” Meira, Joca Ramiro e... Zé Bebelo.

Para além da mais do que conhecida agonia de Riobaldo se remoendo de desconfiança e de amores pela Diadorim que ele pensa ser apenas um Reinaldo, há a figura impagável daquele Zé Bebelo de que eu nem lembrava da exibição original da minissérie e muito menos do livro. Um livro tão pleno de literatura à flor da página que a gente até esquece de certos personagens, absorvido que estamos diante da prosa de João Guimarães.

Pois foi botar os DVDs pra rodar e dar de cara com aquele José Dumont incorporado hora em homem “do governo”, ora em refém dos jagunços, daqui a pouco feito jagunço ele mesmo e logo elevado à condição de chefe falastrão de um punhado de brutos jagunços. Um ator e um personagem, assim como Diadorim, no limite da desconfiança – embora aqui no terreno das guerras sertanejas e não das pelejas do sexo. Zé Dumont, escorregadio e gaiato, clown das artimanhas militares e pensador das coisas dos grotões, é Zé Bebelo e pronto. Como Gloria Pires foi Ana Terra e Lima Duarte foi Sinhozinho Malta. Mais um caso da mais completa fusão de ator e personagem.

Mais impagável do que Zé Bebelo no cavalo de Zé Dumont é Tony Ramos, no cavalo de Riobaldo, imitando o chefe, na cena que está no terceiro disco do pacote: riem os jagunços-atores em cena e rimos nós aqui fora. Nada como a metalinguagem quando bem empregada. Nada como o advento da caixa de DVD para trazer de volta esse diamante bruto da teledramaturgia brasileira.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Tom, segundo Nelson


Vem aí documentário que é um sopão de imagens musicais de Antônio Brasileiro, do Rio e da bossa em edição e direção de Nelson Pereira dos Santos com Dora Jobim. Leia na reportagem de "O Globo"

NOVA YORK - A música segundo Tom Jobim" faz jus ao título com exatidão. O documentário de Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim, cuja estreia foi anteontem, no Festival de Cinema de Nova York, não oferece uma fala sequer entre a sucessão de imagens - algumas jamais vistas na tela grande - preenchidas pelo som de Antônio Carlos Brasileiro (1927 - 1994).

Não há informação sobre quem está cantando qual música em tal ano. Pois a ausência de referências acabou criando um jogo lúdico para uma plateia curiosa, que ficou até o fim dos créditos se deliciando com comentários como "eu não te disse que aquele era o Oscar Peterson?" e "olha lá o Henri Salvador!". O filme estreia no Brasil em janeiro.

A ausência de informação básica foi um antídoto usado pelo diretor de "Vidas Secas" para se afastar do modelo documental televisivo, mais comum nas salas de cinema. Deu certo. O filme começa com uma sequência de imagens raras do Rio pré-Aterro, da segunda metade dos anos 1950, com o Museu de Arte Moderna (MAM) sendo erguido, e a câmera conduzindo o espectador pelo aeroporto Santos Dumont, passando pela Candelária, a Enseada de Botafogo, o Túnel Novo sem o Rio Sul nas imediações e uma Copacabana com bonde, pronta para abrigar o surgimento da bossa nova. Só pelo embarque no túnel do tempo, com a melodia de "Garota de Ipanema" ao fundo, já valia a projeção. Mas há mais.

Dentre as imagens de "A música segundo Tom Jobim" - um dos dois documentários sobre o músico a ser concluído neste ano pelo diretor de "Como era gostoso o meu francês" - estão a da Elizeth Cardoso cantando "Eu não existo sem você", acompanhada por um jovem João Gilberto, na época de "Canção do amor demais", considerado o marco inicial da Bossa Nova. Dizzy Gillespie explode suas bochechas em "Chega de saudade". Sammy Davis Jr. improvisa "Desafinado". Frank Sinatra, cigarro em mãos, canta "Corcovado" com Tom. Há ainda uma sequência kitsch de versões de "Garota de Ipanema", passando por um programa de auditório japonês, o surfe da Califórnia e a Itália. Também há uma Maysa de muito perto, já marcada pela vida, quase atravessando a câmera, imperando silêncio pela primeira vez na plateia com "Por causa de você". E até Judy Garland - em imagem encontrada por Dora Jobim (neta de Tom), no YouTube - surge, cantando "Insensatez".

Essencialmente um exercício de edição, o filme transformou os diretores e a roteirista Miúcha Buarque de Holanda (que aparece ao lado do compositor, entoando o "Samba do avião", no antológico show do Canecão) em VJs de um YouTube imaginário, garimpando imagens raras seguindo uma ordem mais ou menos cronológica, permeada pelas capas dos discos mais importantes de Tom e passagens emblemáticas de sua vida e carreira (como na montagem de "Orfeu da conceição", ao lado de Niemeyer na Brasília em construção, no Carnegie Hall na noite de gala da bossa nova), até o fim apoteótico, com "Saudade do Brasil" sobreposta às imagens do desfile da Mangueira de 1992, cujo samba-enredo pedia: "Quero me perder na fantasia/que invade os poemas de Jobim".

"Estou muito feliz e orgulhoso de apresentar o filme em Nova York, a cidade que acolheu tão bem Tom e onde ele pôde mostrar sua arte com todo esplendor", disse Nelson Pereira, antes da projeção. Emocionado, não ficou até o fim da segunda sessão. Não viu, portanto, a saída do público, que assoviava tons jobinianos. Teria ficado feliz.

Roberto, o show e o portão


Se alguém ainda tinha dúvida do altíssimo grau de maracatuísse da minha pessoa, tenho uma informação que desmancha qualquer vã esperança: final de semana passado fui ao ginásio Nilson Nelson assistir, pela primeira vez, a um show de Roberto Carlos. Eu devia ser o último brasileiro a não ter visto um show do “rei” – pensando bem, uma colega de trabalho viajadíssima, que quando não está na casa da irmã no Chile está escolhendo se fala inglês ou francês em qualquer país da Europa Central, também nunca tinha visto Roberto cantar assim, em carne e osso num palco em frente. E também fez sua estréia no último sábado na mesma ocasião em que eu. A diferença é que ela preferiu comprar um ingresso baratinho, distante do palco, “já que pra ver Roberto Carlos qualquer lugar serve”. Meu lugar na platéia, ao contrário, teve mais a ver com o preço cobrado – bem alto, estamos em BSB citi – do que com qualquer qualidade de desdém globalizado. Resumindo: ter assistido agora, quando o cara já tá na última virada da esquina da vida, a um show de Roberto Carlos, mais do que confirma minha matutice atávica. Reforça, bate com prego, sacramenta essa condição.

E o fato de eu ter ficado embasbacado com o show aí é que esculhamba logo tudo. Achei um belo espetáculo (veja as fotos do site oficial aqui), com aqueles ataques dos músicos capaz de derrubar os ouvidos do público, com uns arranjos diferentões deliciosos de se acompanhar, aquela luz caprichada e espetaculosa que fica sutil quando é pra ser e torna-se rimbombante quando o ritmo da canção pede. Também apreciei a mais que natural espontaneidade de Roberto Carlos, à vontade naquele canto tão dele, gigante mesmo tendo a mesma dimensão dos músicos quando medida pela pura geometria do palco, um roquenrol man quando o momento pedia, um brasileiro gente boa quase sempre, um performer do romantismo em outros sets do show.

Mas se é pra destacar um momento, uma canção, fico com a hora em que Bob Carlos canta “O Portão”, porque esta é uma música que me intriga há tempos: ela tem uma certa e muito particular melancolia que marca uma grande fase de Roberto Carlos nos anos 70. E não é exatamente a chamada “fase soul” que certa gente lembra assim como se arranjasse uma desculpa pra admitir que gosta de Roberto Carlos mas não pode ser considerado matuto, brega ou coisa semelhante só por isso.

“O Portão” é o resumo de uma tristeza presente em grande parte do cancioneiro de Roberto e Erasmo daqueles anos 70 que, se muitos guardam como memória de uma juventude menos tumultuada do que a dos tempos atuais, também foi uma era vivida sob as botas de um regime repressor não só do ponto de vista político mas também comportamental. E Roberto e Erasmo, como bem sabe quem leu seu biógrafo Paulo César de Araújo, foi, por sob a imagem de ídolo comportadinho para o bem dos generais, um transgressor como foram Odair José e Agnaldo Timóteo (quer saber mais? Leia “Eu não sou cachorro não” do autor citado). Neste panorama aí, “O Portão” sempre me pareceu um paradigma das sutilezas do período, como se Roberto legitimasse o “bom comportamento” da juventude amestrada pelos militares ao mesmo tempo em que, muito de leve, lamentasse esse conformismo.



Explico: “O Portão” narra muito claramente a volta para casa de um jovem que não deu certo na sua aventura no mundo lá fora. Ora, isso num período em que a juventude do mundo inteiro queria mais era reinventar este mesmo mundo à sua maneira nova, e quanto mais longe da casa dos pais melhor este objetivo podia ser alcançado. Só que a canção fala de uma desistência, um give up, um cara jogando a toalha, um fraco que romantiza o retorno falando sobre o reeencontro com o portão de casa, a antiga namorada, o velho cachorro de estimação. Não consigo ouvir “O Portão” sem sentir um pontinha de ironia na embalagem idealizada desse retorno.

É como se Roberto e Erasmo não estivessem louvando a valorização da casa dos pais, de onde cada um de nós nunca deveria ter se afastado, mas mostrando a ilusão que isso representa num momento em que o importante não é voltar ao portão da casa paterna, mas continuar avançando num rumo da estrada que cada um escolhe na transição da adolescência para a juventude. O próprio Roberto Carlos é um exemplo disso: quando foi que ele voltou a Cachoeiro de Itapemirim uma vez que foi embora construir sua vida de artista no Rio de Janeiro sem garantia alguma? Nunca. Se ele voltou, foi no plano do simbólico, como ademais tanta coisa que qualquer ser humano vivo faz ao longo da vida, experimentando em forma de representação algo que a realidade não permite que se faça na prática. “O Portão” é o retrato desse retorno impossível – e, se você pensar bem, incoerente com a trajetória da vida de um ser humano.

Fica bem na canção, justo porque a música (como o cinema ou a literatura) é uma boa forma de exercitar em forma de projeção tanto uma rebeldia que o sujeito não consegue abraçar de fato quando um conformismo que o rebelde, no fundo, chega a desejar ter em meio às batalhas mais acirradas da vida.

A crise da meleca


Brasília está em crise – e não é por causa da corrupção. A culpa é da chuva, que voltou por esses dias depois de 106 da mais límpida estiagem. Ocorre que, dada à extensão da seca deste ano, empresários atentos às demandas do mercado atual tocaram o projeto de geração de energia alternativa à base de meleca seca – matéria-prima abundante neste quadrado metido no lado esquerdo do mapa goiano e que vinha sendo desperdiçado (a matéria, não o quadrado) a olhos vistos, descendo pelos ralos caseiros quando tinha potencial para fornecer energia para o quadrado inteiro e mais algumas cidades do não menos célebre entorno da capital federal.

Cientistas muito bem pagos pelos conglomerados do setor energético descobriram que a meleca seca que o brasiliense produz em abundância nas narinas durante a seca contém um forte e valente propulsor atomizado de alta combustão capaz de, empregado na atual rede elétrica, gerar tensionamento suficiente para iluminar as cidades, acionar motores e eletrizar tudo quando é tipo de tomada. Animados, os novos empreendedores da meleca seca espalharam coletores públicos nas esquinas da capital federal, mediante os quais o cidadão comum trocaria os resíduos da noite mal dormida estocados no nariz por notas de real conforme a cotação do dia da meleca seca. Variava também o rendimento conforme a qualidade da meleca, visto que determinado tipo de gente mais assim-assim produz um pigmento nasal desidratado de natureza mais potencialmente energética do que outros. O BNDES foi chamado para injetar recursos no negócio, mas recuou, acusado de querer beneficiar um dos gigantes do setor. Foi o bastante para o Congresso Nacional abrir a CPI da Meleca, durante cujas sessões, como a conjugar teoria, crítica e prática, muitos senhores deputados e senadores teriam conseguido rios de dinheiro doando suas melecas superfaturadas por debaixo dos panos.

Mas no último domingo, a chuva voltou a Brasília – e desta vez, parece, tomara, de forma definitiva, enterrando tão rentável negócio brasiliense. A produção de meleca seca caiu consideravelmente, na mesma proporção em que vem aumentando a geração de meleca molhada, decorrente do primeiro surto de gripe que costuma demarcar a volta da estação chuvosa local. Mas a meleca molhada não tem o mesmo potencial energético de sua prima desidratada, de maneira que morreu a fonte de renda, desandou a CPI e os coletores espalhados pelo Plano Piloto hoje estão todos pichados pelos movimentos em defesa da ética na vida pública que andam por aí desorientados em busca de um novo escândalo para repreender.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Lá se vai Brogodó



Ligue a tevê e veja os atores se despedindo entre si e dos seus personagens – para não dizer do próprio público – enquanto vai sumindo do ar o artesanato industrial da melhor teledramaturgia dos últimos anos

Cordel Encantado, a novela, parece transferir para o campo da ficção aquela máxima da biologia segundo a qual na natureza nada se cria e tudo se transforma. Desde a sua surpreendente aparição nos finais de tardes e inícios de noites da televisão, esta dramaturgia que vem comprovando o quanto o popular pode ser sofisticado sem soar esnobe. Operação que realiza valendo-se de um punhado de arquétipos dos mais batidos que vão dos ícones da cultura ibero-brasileira fundidos na estética do cordel até os símbolos dos contos de fadas mais manjados.

Na enciclopédia de entretenimento com uma boa mão de pintura cultural que tem sido essa novela, começamos com a figura recorrente e mundializada dos reinados distantes em fusão com a não menos ancestral, mas brasileiríssima, iconografia dramática do cangaço nordestino. Do casamento absolutamente lúdico do reinado imaginário das Seráfias com o bando do capitão Herculano nasceu o tecido inicial dessa história, movido pela busca de uma princesa prometida – e dada como perdida. Nada mais gasto, e no entanto, nada mais instigante segundo a maneira como a novela manuseou esses temas e por meio deles se deixou ser conduzida.

No entrecho, tivemos diversas outras citações de situações clássicas das formas narrativas mais cultivadas pelo bicho homem: a Doralice-Diadorim que intrigou o filho do cangaceiro; o homem da máscara de ferro na figura de Petrus; o homem de mil disfarces que se revelou Belarmino; a jornalista que reedita e recompõe a saga do cinegrafista que gravou imagens do bando de Lampião; a reencarnação de Antonio Conselheiro na pele do profeta de Miguelzim-Nachetergaele; o Seu Quequé da literatura brasileira mais uma vez às voltas com três casamentos; a Maria Cesária da culinária mágica similar à do filme Como Água para Chocolate; inúmeras outras pequenas alusões espalhadas ao longo dos capítulos até o beijo de Cinderela que despertou a heroína Açucena – e ainda faltam uns dias para o desfecho da história, o que abre espaço para novas recriações.



O Cordel é um daqueles casos de novela de televisão que dão uma nova qualificação ao gênero tão desprezado – muitas e muitas vezes não sem razão. É como foi Roque Santeiro em meados dos anos 80: aquele caso feliz em que tudo parece funcionar ao ponto da perfeição, atores justinhos nos seus papeis, ganchos nos cascos, fios narrativos principais e acessórios muito bem sintonizados, desempenhos, cenografia, abordagem, trilha sonora, direção de arte desenvolvidas com esmero. Este último foi um quesito à parte: se por um acidente imaginário digno do que tem sido essa novela sumissem de um determinado capítulo todos os personagens, intrigas, diálogos e sons e restassem apenas os fundos das cenas – interiores e exteriores, adereços visuais como os muitos que compõem aquele acampamento dos cangaceiros, pra ficar num exemplo só de tantos – mesmo assim a novela já se bastaria por um dia que fosse de tão bonita, simplesmente assim, bela como uma renda nordestina feita no capricho que ela exatamente é. Nunca uma direção de arte de um programa de televisão foi tão feliz – e o sinal em alta definição tem um apuro especial em lamber, visualmente lamber como dizem que faz a câmera de cinema, cada detalhe dessa direção.

Foi tão divertido, interessante e contemplativamente válido assistir ao Cordel Encantado que ficamos todos, seus admiradores, vivendo da vã ilusão de que esse seria um daqueles casos de programa de televisão que jamais acabaria. Ou então de que, de tão boa que tem sido, nada mais poderíamos esperar de sua reta final, essa que se dá na semana que transcorre agora. Qual nada: os derradeiros capítulos do Cordel, muito antes do último, têm surgido na tela como uma antecipação do mais aguardado – no sentido de esperado e não de desejado, por ser o final. Os nós da dramaturgia vão sendo desatados e temos o privilégio, em casa, de assistir a um fenômeno raro até na teledramaturgia de alta qualidade feita pelo império global: os atores se despedindo dos seus colegas em cena. Sim, numa metalinguagem que nada tem de teoricamente soberba e hermética, mas tudo tem da mais genuína emoção que uma obra de arte – Cordel, perdoem-me os apocalípticos, é uma obra de arte como dificilmente o homem, ou um coletivo de homens, é capaz de fazer – é capaz de transmitir. Nos emocionamos juntos com intérpretes e personagens que, ao se despedir em cenas da ficção, claramente também o estão fazendo no plano dos bastidores.



E isso tem se dado em grosso, se a gente lembrar que num mesmo e único capítulo – um desses da reta final – vimos o menino Eronildes dar adeus à casa do padre que o criou, numa cena que juntou um ator maduro e uma criança precoce em um abraço de atuação que nem todo teatro terá sido capaz de realizar – sem prejuízo para o teatro, lógico, mas sem desprezar os poderes da novela. Essa cena, no entanto, seria superada logo a seguir, com a despedida do cangaceiro-ator Belarmino do seu capitão Herculano, em mais um momento que transcendeu a pura ficção. Ali estavam dois atores tarimbados deixando para trás o trabalho de interação dramática que realizaram juntos durante meses – sintomaticamente, dois estreantes em novela de tevê, Domingos Montagner e João Miguel, que tiveram a felicidade de se apresentar neste formado dentro da moldura encantada desse eletrônico e artesanal Cordel.

Mamute, o filme



Gael García Bernal é um jovem que ganhou dinheiro e se estabeleceu na vida ao construir uma espécie de rede social de jogos. Michele Williams, com quem é casado e tem uma filha, é a médica plantonista que faz cirurgias de última hora no hospital onde vão parar as vítimas do mundo cão do qual ela se protege quando descansa, embora insone, no belo apartamento onde vive com a família e a babá filipina. Um dia, Gael precisa viajar ao sudeste asiático apenas para assinar um contrato. Este é o impulso dramático inicial de um desses filmes que costumam passar completamente em branco na grade de programação dos canais pagos. Ao assisti-lo, intrigado, até o final, termino me perguntando: não será este o tipo de filme que a indústria do cinema, embora realize, uma vez finalizado tende a perceber o alcance de sua ambição e o despeja num nicho onde não despertará maiores curiosidades?

O desprezo com que o filme é embalado, no caso do mercado brasileiro, começa pelo título nacional: Corações em Conflito (direção de Lukas Moodysson). Nada menos sugestivo e mais gasto – nada menos correspondente ao que vemos ao longo de sua exibição. O título original, além de marcante, é muito mais fiel na metáfora que contém: Mammoth. Tivesse diso apenas traduzido pura e simplesmente pra Mamute, o filme já começaria a escapar da pausterização geral da programação; além de remeter ao contexto em que o valor comercial dos restos desse animal pré-histórico é citado. Desconfio ainda que é o tipo do filme que nem chegou aos cinemas – posso ter passado batido e não reparado, admito – de tão desencontrado está do que esperam as atuais platéias, e onde resta muito pouco espaço entre um Lanterna Verde e um Capitão América.

O fato é que este Mamuth, em exibição do canal Telecine Pipoca (!), faz a partir daquele plot simples descrito no primeiro parágrafo da postagem um estudo sobre as ansiedades do mundo atual como raramente se vê. Lembra muito uma direção do mexicano Alejandro González Iñarritu, embora soe menos agressivo visualmente. Mas, descontado o caráter menos desagradável das imagens, não o despreze porque, de fato, não é menos incisivo. Talvez desça mais fácil – e só.

O panorama resultante é mais ou menos este: o jovem empresário, transladado de lugar e de realidade, passa a enxergar as inutilidades que o seu mundo original está a espalhar pelo mundo restante, por mais diverso que seja se estamos falando do contraste entre a vida escalonada de uma grande cidade americana e a escaldante calma dos litorais asiáticos. A esposa entra em crise ao perceber, simultaneamente, que não pode garantir a vida de uma criança agredida pelos próprios pais tanto quanto não consegue manter uma comunicação com a própria filha que, por sua vez, só tem olhos para a babá filipina que, para ter renda capaz de garantir o futuro dos filhos vive longe deles sem chances de retorno.

É mais que um caso de duplo desamparo materno (ou triplo, como se vê mais à frente no filme) – é um sintoma coletivo de tudo o que vai mal no mundo atual e da busca feita por multidões dispersas e desorientadas de encontrar um novo rumo diferente do padrão de vida humano meramente fabril e economicamente produtivo que, com esta ou aquela variação, vai tomando conta de todos os continentes. Claro que os fatos desencadeados no filme vão empurrando essas angústias para as resoluções possíveis, de maneira que a babá, por exemplo, é forçada a repensar o que seria aquele futuro idealizado que deseja garantir aos filhos – aquele progresso tipo um ponto zero que só agora começamos, na ficção e na realidade, a relativizar.

E se o post está tropegamente soando filosófico demais e metafísico de muletas, é apenas porque o filme em questão assim pede. Um filme, como se vê, pouco recomendável à parcela – grande parcela, infelizmente – do público que confunde a bonança material dos dias que correm com qualquer tipo de realização. Um filme inconveniente, talvez mais do que aquele outro em que o americano derrotado na eleição presidencial tenta chamar atenção para o meio ambiente. Aqui, a ecologia humana já é o bastante para nos tirar o sono, caso a gente insista em viver como quem trabalha, come e dorme de olhos fechados.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Os discos mais aguardados do verão pernambucano



A agência SOPÃO de notícias inteligentes, bem humoradas, instigantes, realistas e divertidas separou para os leitores deste blogue o petardo abaixo, direto do Diário de Pernambuco. Segue:

Os próximos meses, até o fim deste ano, vão ser intensos para a música pernambucana. Pelo menos três dezenas de álbuns devem chegar às lojas até lá. Entre os artistas que vão apresentar seus novos trabalhos estão Nação Zumbi, Mundo Livre S/A, Otto, Siba, Junio Barreto e Mombojó. A quantidade de discos só não é ainda maior por conta do atraso na divulgação do resultado do Funcultura, o principal edital de estímulo à produção artística pernambucana, que deve sair até outubro. A Orchestra Santa Massa, por exemplo, foi um dos grupos que adiou para 2012 a produção de seu novo disco. Confira a seguir alguns dos álbuns que prometem ser a trilha sonora do verão pernambucano:


Mundo Livre S/A

As lendas da tribo Toshi Babaa é o nome do novo trabalho da banda Mundo Livre S/A, que deve chegar às lojas até novembro. A produção é assinada por Dudu Marotti, Pupillo (baterista da Nação Zumbi) e Léo D (novo tecladista da banda).

Otto
Enquanto ainda divulgava Certa noite acordei de sonhos intranquilos, Otto já falava do seu projeto The Moon 1111. E, desde então, já tinha data de lançamento: 11 de novembro de 2011. Parte do álbum está sendo gravada no Nascedouro de Peixinhos. Dengue, Fernando Catatau e Toca Ogam participam do disco.

Vitor Araújo
Com o título de Angústia, o jovem pianista Vitor Araujo lança em novembro seu novo trabalho solo. O concerto para piano, escrito e composto pelo pernambucano, já está sendo apresentado em São Paulo, integrando música, poesia, cinema e teatro.


Johnny Hooker

O nome do disco que Johnny Hooker coloca nas lojas e na íntegra na internet no dia 5 de outubro é Roquestar.


Junio Barreto

O novo trabalho de Junio Barreto chega às lojas na primeira semana de outubro, mas já está disponível no site www.juniobarreto.com. O videoclipe do single Setembro - que também dá nome ao disco - foi dirigido por Pedro Severien e Rodrigo Campos e pose ser visto aqui.


Lula Queiroga

Ainda não tem data certa para Todo dia é o fim do mundo, novo trabalho de Lula Queiroga, chegar às lojas. Mas o trabalho já está em fase de masterização e o lançamento deve acontecer entre outubro e novembro. A capa do disco já foi divulgada.


Tibério Azul

Produzido pelo Sunga Trio (Chiquinho, da Mombojó, Homero Basílio e China), Bandarra é a estreia solo de Tibério Azul, vocalista da banda Seu Chico. O disco sai pela Joinha Records e a festa de lançamento será em 6 de outubro, no Espaço Muda. O primeiro clipe já está na internet, com direção de Gabriel Mascaro.


Nação Zumbi

O próximo lançamento da banda pernambucana é cercado de mistérios. As participações ainda não foram divulgadas, nem o nome do álbum. De certeza mesmo, é que ele deve chegar nas lojas até novembro.


Volver

Desde que a banda pernambucana Volver se mudou para São Paulo, seus fãs - muitos e bastante apaixonados - esperam pelo sucessor de Acima da chuva. A próxima estação chega até o fim do ano e já tem single (Mangue beatle) no site..


Mombojó

Está sendo gravado no estúdio da Trama - que transmite as sessões ao vivo, pelo site TramaVirtual.com (aqui)-, o primeiro álbum gravado todo ao vivo - sem ser instrumento por instrumento - pela banda Mombojó. O lançamento celebra os dez anos do grupo. Deve sair em dezembro.

China
Moto contínuo já está disponível para download desde o dia 31 de agosto, pelo site da TramaVirtual (aqui), mas o CD chega às lojas em meados de outubro, com lançamento no festival No ar: Coquetel Molotov. Produzido pelo próprio China, traz participações de Tiê, Pitty, Lenine. Também vai sair em vinil, em edição limitada.

Cassio Sette
O medo da dor, primeiro disco de Cassio Sette, tem produção de Areia, baixista da Mundo Livre S/A. Conta com dez faixas, sendo uma delas composta pelo próprio
Cassio (O destino). Chega às lojas nesta semana.

Eddie
Veraneio é o nome do novo álbum da banda Eddie, que deve ser lançado até o final de outubro. São nove faixas, e pelo menos duas já são tocadas nos shows da banda: Nossa cor, parceria com Lirinha, e Parque de diversões, com Fabio Trummer com Erasto Vasconcelos.

Karina Buhr
É no próximo mês que chega às lojas o novo trabalho da cantora Karina Buhr. Na semana passada, foi lançado o videoclipe do primeiro single, Cara palavra, dirigido por Jorge Bispo, e gravado em uma passagem da cantora pelo Marrocos.


Siba

O músico pernambucano Siba Veloso já está fazendo shows em São Paulo do seu novo projeto, batizado de Avante!, mas o disco só sai no próximo mês. O álbum traz uma sonoridade mais elétrica e urbana, em formato de quarteto, com a colaboração de Fernando Catatau, do Cidadão Instigado.

Por Carolina Santos, do Diario de Pernambuco.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Pina, por Wenders

Vale a pena parar tudo o que se estiver fazendo para apreciar o trailler de "Pina", o filme em 3D que Wim Wenders rodou sobre a dança da coreógrafa Pina Bausch. Mesmo em duas dimensões, a amostra que está disponível no YuoTube já dá uma idéia do que será este espetáculo no novo formato que o cinema vem adotando:


Dez teses sobre Natal



O SOPÃO também republica aqui, como fez com a Lurdinha de Caetano no post anterior, o instigante texto de Alyson Freire sobre o complexo de provincianismo que alimenta os intelectos natalenses, ao mesmo tempo em que o absolve de qualquer porção de mediocridade. Raramente alguém conseguiu analisar Natal com o desprendimento com que este texto o faz: e é no soltar as pedras das mãos carregadas de razão que o autor consegue abrir os olhos para a cidade real, defeitos incluídos, claro. Frases como "Natal vive da insatisfação de ser Natal" são tão lapidares que deveriam estar inscritas no portal que Wilma mandou fazer na entrada da cidade e outras gestões trataram de demolir - dois movimentos que, embora antagônicos, acabam tendo o mesmo signifiado, mas isso já é outra história. Ao texto:

Por Alyson Freire
NA CARTA POTIGUAR

Não há melhor maneira de descrever Natal do que segundo as coisas que seus próprios habitantes não param de repetir sobre sua cidade. Assim como em outros lugares, também em Natal, cristalizaram-se e generalizaram-se algumas atitudes emocionais poderosas. Os natalenses reprovam, com convicção, traços e hábitos que seriam inerentes a este pequeno pedaço de terra espremido na esquina do atlântico; o provincianismo arraigado, a mesquinhez camuflada de extravagância de suas classes abastadas, o gosto cultivado pelas classes médias locais por tudo o que é capaz de aparentar e enganar, o comodismo e a insensibilidade de seu povo, entre outros traços mais. O que distingue Natal de todas as outras capitais consiste na afinidade e na naturalidade com que seus habitantes convivem com a insatisfação de estarem onde estão; isto é, a intimidade com as poderosas associações negativas sobre as quais construíram e fundaram a autoimagem de sua cidade e população.

*

Natal é uma cidade melancólica, e não a cidade do prazer, como um dia quiseram nos fazer acreditar. Só conhece a melancolia de Natal que cresceu em seu regaço. Seus futuros tão prometidos por publicitários, empresários e políticos, como ramos secos, nunca se realizam. Cidade da falta. Natal é apontada por seus próprios filhos como desprovida de cultura e identidade próprias. Cidade da ausência, de filhos ilegítimos e órfãos de verdadeira cultura, assim a concebem seus próprios moradores. O existir para os natalenses é sempre uma questão de ausência; é da falta que irrompe todo sentido sobre o seu ser: a falta de cultura, a falta de identidade, a falta de alternativas, a falta de um senso urbano metropolitano, de civilidade e cosmopolitismo verdadeiros. Os outros – pernambucanos, paraibanos e cearenses – lhes são como espelhos negativos nos quais os natalenses vêem menos o que não são e mais o que lhes falta. O espelho, impiedoso, não lhes devolve com claridade os traços e contornos que seriam seus. Sua identidade é como uma imagem refletida num espelho desfocado. A inautenticidade é o que reluz mais radiante no olhar dos natalenses.

*

Nenhuma outra cidade é tão ferozmente ressentida consigo mesma quanto Natal. Esta só existe através da fala de seus habitantes, em suas queixas e frustrações. Por isso, Natal é mais a cidade que se descreve, do que a cidade que se vê; ela é, antes de qualquer coisa, o seu discurso, ou pelo menos, vive do seu próprio discurso ressentido. Natal vive da insatisfação de ser Natal. Ela é uma cidade que tem medo de se realizar, e, por isso mesmo, deseja ser menor do que realmente é, mais provinciana e menos moderna do que realmente é. Suas muralhas são os seus próprios medos. Seus obstáculos são os seus autoenganos acerca de si mesma.

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Por aqui, moderno e província coexistem, se interpenetram, lutam e se repelem conflituosamente e sem síntese. Estranho paradoxo esse, mas que diz algo de fundamental com respeito à autoimagem dessa cidade. É sua ambigüidade, a violência do contraste observada no jogo entre o frívolo e o ressentimento, a alternância dos contrários, a tensão espiritual entre a extravagância e a excitação alienada de seus cidadãos-blasés com o permanente estado de mal-estar e deslocamento com o qual convivem diariamente parte de seus cidadãos descontentes, que conferem, por assim dizer, a dinâmica da qual nasce o “espírito” da capital do Rio Grande do Norte.

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De sorte que Natal é simultaneamente a Natal das cadeiras e fofocas nas calçadas e do apreço por padres, médicos e advogados de renome, e a Natal das passarelas e travessias por onde os passantes inquietos escoam apertados e encolhidos e os olhares se cruzam sem quase nunca se fixar. É a cidade que se diz hospitaleira, calma e pacata, mas é também a cidade do automóvel, regida, como qualquer outra metrópole, em sua orquestra diária pelos sinais de trânsito, muito embora seu tamanho real afirme sua vocação pra bicicletas. É o provincinismo compartilhado de Natal que impede que se veja o quanto há de moderno nessa cidade, sacudida e revirada de fio à pavio desde os empreendimentos mobiliários aos fluxos transnacionais de modas, corpos, perversões e desejos; uma cidade globalizada pelos sites pornográficos e pela prostituição. Nosso provincinismo é essa atitude emocional habitual de envergonhar-se e encolher a si mesmo para negar nossa modernidade.

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A cidade de Câmara Cascudo, deste que se definia como um “provinciano incurável”, também conheceu Mario de Andrade e Jorge Fernandes, esse último o nosso poeta modernista. Cidade das contradições e contra-sensos, das dubiedades e incongruências, de “vaqueiros motorizados” e “dandis jecas”.

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Esta é também a cidade dos modismos. Nela nada dura o suficiente, e quase tudo é irritantemente passageiro e efêmero. Tudo se consome num prazo de dois verões. Ninguém cultua tanto o novo como o natalense; os novos bares e boates, os novos restaurantes, casas-de-show e teatros em shopping’s centers. Tal é, em geral, que cada novidade é veementemente celebrada, agitada, propalado às raias da comoção pública, pois significa mais uma ocasião para a ostentação e para o esporte predileto dos natalenses, a exibição, pois não se sabe ao certo o quanto essa mais nova novidade irá durar.

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Aqui a aparência tem que ter sempre razão. Nesta cidade quase todos são vigiados pelo colunismo social. Por toda parte se estar cercado por um sem número de colunistas sociais ordinários que, por cima dos ombros, espiam sorrateiros de quais roupas, marcas, amigos e objetos seus vigiados se cercam. Aqui, nutrimos um gosto pelo acusatório, uma predileção por gestos reativos e pelo ressentimento semi-esclarecido. O ressentimento é o elemento intelectual desta cidade. Não se enganem, Natal é a mais pequeno-burguesa das cidades brasileiras, pois seus conterrâneos não cessam de atribuir à culpa e o mal aos outros – políticos, imprensa, o povo etc. – sem perceber como absurdo sua própria autoexclusão do contexto que denunciam.

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Grande parte dos natalenses sente-se mal em sua própria casa, mas porque, de alguma maneira, se concebem como maiores, melhores e mais verdadeiros do que o restante da cidade. Os natalenses, em sua porção média, são estrangeiros em sua própria terra; dizem estar de passagem, de partida pra não sei onde – talvez para alguma cidade no Canadá. Porque Natal, em seu provincianismo e artificialidade, não os cabe, nem os merece e tão pouco os aquilata em sua singularidade e autenticidade.

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Nossa vocação política é fabricar cartões-postais artificiais. Esta é uma cidade que não sonha porque nunca desperta. Natal não é nada do que fez crer – e desejou crer – de si. E, assim, aprendeu a conhecer somente medos e dúvidas, frustrações e fracassos. Uma cidade impossível…