domingo, 26 de abril de 2009

Diretas, vaias, festivais e antiguidades


Um discurso gravado e registrado em LP me proporcionaram ontem à noite, depois que os meninos foram dormir e a casa ficou silensiosa, uma viagem a um passado que só conheço de leituras, filmes, memórias alheias e anotações históricas. Acabei de dar uma geral nos livros daqui de casa - esses portadores de pensamentos que não param de se reproduzir e não cabem mais em lugar nenhum - e pra relaxar fui direto às minhas pilhas de discos. Botei pra tocar aquele famoso disco de Geraldo Vandré que ficou proibido durante anos e só no início da década de 80 foi liberado, mas ainda com a censura impedindo a execução pública do hino violado "Pra não dizer que não falei das flores".
Já conhecia o disco, de ouvir ainda em Parelhas, emprestado por amigos ou com as principais faixas gravadas em fita k7. Mas não tinha o LP na minha coleção. Só aqui em Brasília acabei comprando um, numa loja especializada nessas antiguidades. Mas também nunca havia ouvido esse "Vandré" comprado aqui. Então fui: e descobri melodias familiares que me levaram de volta ao início da década de 80, quando muito ouvi o mesmo disco e depois o esqueci pra nunca mais, e ainda fui surpreendido por duas versões da música que mais incomodou os militares durante a ditadura que durante 20 anos sufocou o país. Há uma versão de estúdio, mais limpa, com Vandré e seu violão. Acho que, não tendo o LP, tive um compacto com essa versão no lado A. No lado B, vinha "Fica mal com Deus". Acho que quem lê esse blogue sabe o que é compacto, o que é lado A e o que é lado B, por isso não vou nem explicar. A outra versão da mais famosa composição de Vandré - e justamente aquela de que eu não lembrava - foi gravada ao vivo durante a final do Festival em que a música concorreu, e perdeu para "Sabiá", de Tom e Chico - uma pérola que também tem a cara dos embates da época, mas com uma dose de lirismo que o hino geraldiano não alcança.
Foi a versão ao vivo que me emocionou - e com aquele tipo de emoção inesperada que pega a gente de jeito, desprevenido e entregue. A faixa começa com as vaias - não para "Pra não dizer...", mas para o fato de a preferida do público mais engajado ter perdido para a lírica "Sabiá", igualmente política mas muito menos explícita. No discurso, entre vaias, Vandré, com uma voz grave e emocionada, tenta acalmar a platéia. É quando ele diz (e à medida em que o discurso saía do toca-discos, eu ia repetindo ele entredentes, percebendo que tinha aquele discurso decorado no fundo da memória, de tanto tê-lo ouvido): "Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque de Holanda merecem todo o nosso respeito", implora várias vezes "gente, gente..." antes de encerrar com uma frase que a gente pode aplicar para vários outros fins: "A vida não se resume a festivais".

Nesse sábado, não fui a nenhuma comemoração, não revi amigos com quem convivi em 1984, apenas vi uma reportagem lá na TV Câmara mesmo sobre os 25 anos, completados ontem, da derrota da emenda que poderia trazer de volta as eleições diretas para a Presidência da República. Mesmo assim, por meio da audição de um disco em vinil, as duas datas históricas, os dois anos significativos da trajetória política brasileira recente, acabaram se encontrando na minha pobre crônica: O 1968 do "Pra não dizer que não falei das flores" de Vandré, ao vivo no Maracananzinho, e o 1984 da frustração nacional das Diretas Já. Comemorei sozinho e secretamente a vitória tardia daquela derrota histórica de 84 ouvindo, numa noite quieta, uma canção que fala de 68 sobre o que é viver tendo "a certeza na frente e a história na mão".
E me senti feliz propriedade de um tempo que a cada dia que passa vai ficando mais e mais para trás: um tempo em que, com 19 anos de idade, a gente podia ser completamente tomado pela emoção de uma causa coletiva. E fazer dela ponto de referência para o exercício de viver a experiência de pertencer a um país incompleto, que dependia das nossas crenças, amizades, gestos e pensamentos, projetos um milímetro além do mero interesse pessoal.
(Esse texto é dedicado ao nosso amigo Kildare Rodrigues, pernambucano, jornalista e cidadão brasileiro que, tenho certeza, partilhou desses sentimentos enquanto com a gente dividiu o desafio de estar vivo.)

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Os mais lidos

Uma coisa boba, mas que considero bonita e sempre me comove, é um livro que visivelmente já foi lido por muita gente. Não estou falando de um "título" muito lido, como esses que frequentam as listas de best sellers publicadas em jornais e revistas. Eu me refiro mesmo ao livro fisicamente falando - esse objeto que contém a literatura, o ensaio, a poesia, a memória, a crônica, a piada, o chiste, a ilustração, a bobagem ou o sublime. O livro, a matéria, a encadernação - esse fetiche que só quem o coleciona, bem ou mal, cuidadosa ou desorganizadamente, sabe cultuar. Pois bem: sempre fico um pouco parado, meio extasiado, diante de um livro que, está na cara, na capa meio rasgada, na encadernação já meio dobrada para o lado, no volume meio cheio de tão folheado, foi lido por muita gente.
É ficar parado com o livro na mão e se deixar levar pela evocação de quanta gente embarcou no conteúdo daquele livro. Quantas pessoas navegaram naquela narrativa, quandos olhos percorreram ansiosas cada parágrafo, quandos leitores foram se formando e se consolidando por meio daquele volume. Por isso sempre fico fascinado quando vou a qualquer biblioteca, que é, entre várias outras coisas, aquele lugar onde está concentrada uma grande quantidade de livros lidos por uma grande quantidade de pessoas - às vezes, um exemplar só, disputadíssimo, e que beleza é saber disso, ter nas mãos, num instante morto, um livro que já foi devorado por levas de leitores curiosos.

Esta semana fui à biblioteca da UnB, como faço regularmente, e fiquei parado, impressionado, diante de prateleiras onde estão, folheadíssimos, encadernações quase paraplégicas de tão tortas, capas que parecem mendigos felizes em seus trapos, ou, dispensando as metáforas, livros e mais livros daquele tipo que vende aos milhares e milhões nas livrarias e faz a festa dos que não podem ou não querem comprá-los mas desejam lê-los e por isso recorrem às bibliotecas. Havia lá uns seis ou sete exemplares de "O Código Da Vinci" - esse mesmo, desprezado, renegado ou cultuado, não importa, antes de tudo um livro que muitos quiseram ler. Eu mesmo me curvei à curiosiade geral - ou ao marketing, admito, embora acredite que onde há fumaça de marketing quase sempre há uma brasinha de fogo - e li em dois tempos o exemplar que Rejane ganhou de um amigo quando fez aniversário. Achei muito divertido e, neste sentido, bastante inteligente em suas conexões narrativas. Recomendo para quem não espera mais do que isso.
Mas o meu exemplar que está esquecido aqui em casa não é nada, de tão aprumadinho que se conserva, tão pouco lido, capa ainda reluzente, páginas sem poeira. Bonito, bonito mesmo são os exemplares da biblioteca da UnB, lambidos por não sei quantos olhos, consumidos avidamente por sei lá quantas pessoas que economizaram suas moedas e mesmo assim tiveram o prazer de passear por uma história incrível feita só de palavras, pontos, vírgulas, metáforas, interjeições, diálogos e outras matérias de natureza puramente verbal.

Mas agora tenho de dizer que entrei nesse assunto com um objetivo subliminar: lembrar a quem ainda não notou que o escritor Marcelo Rubens Paiva está escrevendo um blogue no portal do jornal "O Estado de São Paulo" - o mesmo onde se abriga o blogue do crítico de cinema Luiz Carlos Merten. O link, portanto, é o mesmo aí na coluna ao lado, dos "Outros Cardápios", aquele que leva à página do jornal, de onde se tem acesso aos blogues. Vocês aproveitem e voltem a conviver semanalmente com os textos do escritor que, a partir de 1983, trouxe uma prosa nova e revigorada para as nossas ainda incipientes estantes, se é que estou me dirigindo a gente da minha faixa etária. Naquele ano chegou às livrarias um título cheio de memórias ultracoloquais que misturava a situação de um jovem que se viu paraplégico com suas lembranças de estudante na Unicamp, acrescidas de sua denúncia emocionada sobre o desaparecimento do pai, o ex-deputado Rubens Paiva, morto pela ditadura militar. Era "Feliz Ano Velho", edição da Brasiliense, compridinho, que você lia de um estirão que dava pena quando acabava.

O exemplar que comprei numa livraria no centro do Recife deve ter sido lido por umas onze pessoas - amigos de Parelhas, onde, como canta Caetano a propósito de Santo Amaro (naquela canção que diz tanto sobre o culto aos livros) "não havia livrarias". Também não tínhamos, assim como lá em dona Canô, "livros em casa". De maneira que "Feliz Ano Velho" foi, informalmente pra mim, uma espécie de livro fundador da minha precária biblioteca pessoal. Antes dele, só fui dono de livros paradidáticos da editora Ática e da Ediouro. "Feliz Ano Velho" era diferente - um autêntico, novinho e muito badalado best seller, um livro da moda naquele momento mas que, como tantos outros nessa condição, também abrem as portas para outras leituras, não se esgota, mas também não coloca salto alto no pé do leitor principiante. Meu exemplar original foi tão utilizado que um dia perdeu a capa. Algumas mudanças depois e o miolo também sumiu.

Um dia, num sebo, encontrei uma edição original bem usadinha, cheia de dobras, páginas já bem amareladas - mas em perfeito estado de nostalgia, que era o que me convinha. Fiz de conta que era o meu livro original perdido e comprei. Está até hoje aqui comigo, feito a moedinha número um do Tio Patinhas.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Entreblogues - O filho rebelde do Sopão

Está no ar desde esta tarde o blogue "Hamaca de Poti", um subproduto do Sopão, com apontamentos esparços e conclusões imperfeitas. O novo hedomadário virto-individual surge da necessidade inglória de se perpetrar frases, cometer listas, profanar comentários e entornar pensamentos da maneira mais provisória e imediata, a uma medida que este Sopão, já meio ressentido pelo peso dos anos no ar não mais suporta estampar. Ficou metido o Sopão, recusa espaço para sentenças impensadas, devolve ao seu autor artigos que ele julgava valorosos, rasga diante de seus olhos peças que, se não levaram horas para serem paridas, de nada valem aos olhos da bloguagem estabelecida. Então, era preciso um espaço para respiração, onde à velocidade da idéia correspondesse a ambição do datilógrafo. Se a tal associação vai-se juntar a cumplicidade de um corpo de leitores é outra história. Que eles são sempre muito bem-vindos, disso não se duvida - mas que, ainda que sem eles, o blogue irresponsável estará se autoreproduzindo em textos e notas mil, é igualmente certeza.

Feitas as ressalvas, estende-se o convite. O endereço é: http://www.hamaca.zip.net/ - e as explicações para denominação e tudo o mais lhe esperam no referido sítio.

P.S. 1: para facilitar a navegação de quem porventura cair no vício da frequência, o link estará permanentemente postado nos outros cardápios, ali ao lado.

P.S. 2: A chegada de "Hamaca de Poti" não significa, em absoluto, a desativação do Sopão. Pai e filho brigam muito, mas podem muito bem ser exemplo de tolerância e convivência.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

BR 226 (4)

a adutora molha
a olaria queima

a prefeitura calça
a olaria queima

o governo asfalta
a olaria queima

o sol tritura
a olaria queima

o pneu esmaga
a olaria queima

o Jardinense passa
a olaria queima

a bicicleta derrapa
a olaria queima

o pedregulho respira
a olaria queima

o carro vira
a olaria queima

a procissão estanca
a olaria queima

a alpercata pisa
a olaria queima

a formiga perfura
a olaria queima

o esterco perfuma
a olaria queima

a olaria queima
a olaria queima
a olaria quei
a ola

BR 226 (3)

Riacho Fechado
deve ser curso d'água
suspenso por decreto
de interventor
malassombrado.

Torrefação e moagem
refere-se a engrenagens,
bitolas e arames
onde se coa, a furos
de tétano batido,
um café bem
enferrujado.

Mina Brejuí
possa ser que seja
o ofício de destruir
com astúcias de burrices
a qualidade do minério
que havia aqui.

BR 226 (2)

Escandalosa, a Metasa
levanta a saia
e mostra
(os fundos)
para o carro
(oficial?)
que passa

BR-226 (1)

Nada mais deserto do que o povoado.
Todo povoado, invariavelmente, tem no máximo dez habitantes.
Por isso mesmo, não é incomum que os povoados se chamem
Povoado Ermo, Povoado Cruz das Almas, Povoado da Passagem.
Tanto quanto as fazendas têm por orgulho se chamarem
Fazenda Invernada, Fazenda Viçosa, Fazenda Santa alguma coisa.
O fato é que, em quase todo povoado, houve um dia
uma fazenda que esqueceu de ser próspera.
E em toda fazenda modelo, dorme um povoado
prontinho para despertar para o nada.

Amostra grátis (3)


"Tive uma namorada que no dia seguinte - exatamente no dia seguinte - à estréia de Casablanca, no Rio, me apareceu com o mesmo vestido de Ingrid Bergman - falando, sorrindo, fazendo olhares e silêncios absolutamente iguais.


- E você não ficou meio enjoado dela? - perguntará o leitor ignaro.


E eu lhe direi que não. Amei as duas e fui feliz.

Juntarei que naquele tempo era mais magro e desde o dia em que alguém me achou parecido com James Stewart eu fiquei meses fazendo cara de James Stewart."


RUBEM BRAGA, na crônica "As estrelas que nós amamos", Recado de Primavera, Record, Rio de Janeiro, 1985.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Brasília pelo apóstolo Behr




A mitologia de Brasília como uma cidade marcada pela flora do cerrado, por eixos que atravessam o coração de habitantes solitários e pelo sumo de um tédio perplexo com uma urbanidade ainda por construir deve muito ao poeta Nicolas Behr. Essa semana, esperando num consultório médico, viajei pela poesia desse moço que vem dos tempos da literatura mimeografada e vendida pelo próprio autor em bares que o progresso fechou. Hoje, Nicolas Behr é um senhor com cara de poeta clássico. Mas insiste em procurar novos terrenos onde apregoar suas sentenças urbano-poéticas inspiradas na aventura cotidiana de se viver na capital do país.

Hoje, Nicolas Behr finca a raiz do seus versos numa cruzada entre a palavra e a natureza, objeto de uma metafísica ecológica bem a propósito dos novos impasses metropolitanos. Brasília mudou, mas nunca deixou de ser uma cidade com um forte panorama rural - algo que muita gente que aqui vive estupidamente rejeita e desvaloriza. O poeta em questão, não - tanto que, fundador de uma ONG ambientalista pioneira nos idos dos 80, ainda hoje lidera colunas urbanas de matropolitanos interessados em explorar os jardins das entrequadras, em aulas ao ar livre com a nomenclatura da flora e o evangelho da preservação possível.

Antes de ser esse cicerone de ipês e sibipirunas, Nicolas Behr foi uma espécie de Paulo Leminski do Planalto e até hoje é possível encontrar mini-antologias dele em balcões de locadoras de DVD ou estabelecimentos similares. É uma poesia de linguagem acessível e musicalidade pop, verde e apaixonada, muito mais para a doçura lírica de Drummond, para o coração rasgado de Vinicius, do que para a faca fria, embora genial, de João Cabral.



É até banal aproveitar o pretexto do aniversário de Brasília para postar um pouco da - por aqui - bastante conhecida poesia de Nicolas Behr, mas o Sopão é uma mesa que tem prazer em oferecer lautas refeições cujos bocados seu cozinheiro eventualmente prove, aprove e celebre. Então, segue, com a ressalva de que, como poesia ligada ao mito pop-urbano fundador da lenda contemporânea de uma cidade, os textos estão crivados por uma visão que nem sempre corresponde ao retrato atual deste lugar. Nada mais mutante do que Brasília - e, no entando, nada mais estereotipado, o leitor há de concordar. Na poesia de Nicolas Behr, há o registro dessas duas faces, a primeira e já despotada de tão repetida (a cidade dos eixos separadores) e a atual, da verdura torta do cerrado que teima, felizmente, em competir com o asfalto.





naquela noite
suzana estava
mais W3
do que nunca
toda eixosa
cheia de L2





suzana,
vai ser superquadra
assim lá na minha cama





(de L2 noves fora W3, 1980)





eu engoli brasília





em paz com a cidade
meu fusca vai por esses eixos,
balões e superquadras, burocraticamente,
carimbando o asfalto
e enviando ofícios de estima
e consideração ao sr. diretor



(de Porque Construí Braxília, 1993)





imagine brasília
não-capital
não-poder
não-brasília

assim é braxília

(de Porque Construí Braxília, 1993)





BRASÍLIA ENIGMÁTICA

brasília, faltam exatos 3.232 dias
para o nosso acerto de contas
me deves um poema
te devo um olhar terno

na beira do paranoá pego um pedaço de pau
entre um pneu velho e um peixe morto
(uma garça por testemunha)

não me reconheces
não te reconheço



(de Viver Deveria Bastar, 2001)





viver é tirar pedras do lugar
recordar é tentar colocá-las de volta



(do poema RIBEIRÃO DO OURO, em Menino Diamantino, 2003)





nas profundezas das florestas
de palavras vivem os poetas,
disfarçados de árvores
e ditongos
se alimentam do nada
e tudo o que
a imaginação
decompõe



....

entendi





o sr. não quer uma árvore
o sr. quer uma
máquina de produzir sombra



....




Flores caem
e ocupam o chão
da manhã



...





A flor do pequi
às vezes
é utilizada
na confeção de poemas

como este



....


Neva areia
sobre as sibipirunas
do setor comercial sul
(é o deserto chegando)



....





Quando eu nasci uma árvore torta
dessas que vive no cerrado
chegou pra mim
e não disse nada

.....





entre a copa e as raízes
eu
tronco, serragem, poema, pó



....



Esmaga o poema na mão
e cheira



identifica o poema
e sente



(De Iniciação à Dendrolatria, 2006)

Amostra grátis (2)

"Me costó mucho aprender a leer. No me parecía lógico que la letra m se lhamara eme, y sin embargo com la vocal siguiente no se dijera emea sino ma. Me era impossible leer así. Por fin, cuando lhegué al Montessori la maestra no me enseñó los nombres sino los sonidos de las consonantes. Así pude leer el primer libro que encontré en un arcón polvoriento del depósito de la casa. Estaba descosido e incompleto, pero me absorbió de un modo tan intenso que el novio de Sara soltó al pasar una premonición aterradora: "Carajo!, este niño va a ser escritor".

GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ, Vivir para contarla. Debosillo, Buenos Aires, 2004.

Meu caso com Brasília


No princípio, bem lá atrás mesmo, Brasília era o Eldorado onde morava o tio-herói da família da minha mãe. O vencedor, o que foi mais longe, provavelmente rico na medida que se tinha sobre o que era ser abastado, o que era ser pobre e o que era ser remediado. De tempos em tempos, mas bem de tempos em tempos mesmo, ele aparecia em viagem de visita à família. Sua chegada era algo tão raro - tão esperado, tão revestido por uma aura de acontecimento singular na vida da família - que, de fato, mesmo, só lembro de tê-lo visto uma vez. Apenas uma aparição ultravalorizada, assim como um filme de um genial cineasta bissexto que a gente cultua. Quando Duda, meu tio de Brasília, finalmente veio nos visitar eu devia ter o quê - uns nove ou dez anos de idade? Lembro que foram servidos refrigerantes em quantidade além do extraordinário, cerveja para os adultos (meu tio e meu pai), com toda certeza uma galinha caipira, tudo isso muito provavelmente bem no finalzinho da festa de São Sebastião, na data do meu aniversário. Muito se fala sobre antigas, desaparecidas ou mitológicas civilizações, como Atlântida ou os Maias. Meu tio de Brasília era algo assim, como um representante de uma dessas metrópoles extraordinárias que de repente chegava lá em casa, com aquela majestade dos membros da família que tinham ido viver no "sul". Ele representava um outro país, quase um planeta diverso, que falava diferente, não se vestia como a gente e no entanto, para nosso mais profundo orgulho, era gente nossa.

Por tudo isso, cresci com uma impressão particular sobre o que seria Brasília - aquela cidade extraordinária que meu tio ajudara a construir e onde morava, em condições inimagináveis para mim e meus vizinhos de rua sem calçamento e vizinha de um curral de boi, demarcada ainda por um conjunto de pedras pretas gigantes e um paredão de aveloz que o tempo e o homem se encarregariam de liquidar. Um dia, meu pai precisou ir a Brasília para trazer de volta minha avó, que este meu supertio havia levado para uma cirurgia de catarata - um luxo médico que somente em Brasília seria possível. A viagem do meu pai a Brasília demorou semanas, ao menos na minha precária memória infantil, ao longo das quais minha mãe chorava como uma desesperada na janela da cozinha. Não era uma viagem qualquer - era uma espécie de epopéia sujeita a toda espécie de agouros. Uma coisa que mexia com o destino das pessoas, digna de despedidas, súplicas e orações. Brasília ficava muito longe, não se viajava de avião como hoje em dia.

Meu pai voltou em segurança trazendo minha avó, mas algum tempo depois, quando eu já era maiorzinho, foi minha mãe que precisou ir a Brasília novamente para trazer minha avó de volta de outra temporada na casa do supertio. A época e minha idade de então já não abriam espaço para a embalagem dramática dos tempos da viagem do meu pai. Agora, o que Brasília inspirava, de tão longe, era outro tipo de expectativa. Minha mãe voltou falando das brigas caseiras dos meus dois primos, filhos do meu supertio, pelos canais de televisão. Um queria assistir a uma coisa, outro sempre queria outro programa. Era o tipo de escolha que não havia na minha cidade de apenas um e bem prejudicado sinal da velha Rede Tupi de Televisão, com repetidora da programação de Recife. Minha mãe também trouxe outro luxo, uma foto dessas de máquina instantânea, que mostravam ela e a cunhada posando em frente à catedral de Brasília. Havia, na modernidade do tipo de fotografia e na luz da imagem que ela trazia impressa, uma atmosfera de futuro, de uma cidade fascinante onde eu, meu pai e minha mãe jamais poderíamos ter a pretensão de morar.

Nos anos oitenta, já trabalhando como jornalista em Natal, arranjei sucessivamente dois amigos que haviam vivido experiências diferentes em Brasília. Jano Sérvio fora do quadro da Polícia Federal antes de se infiltrar de vez no jornalismo via UFRN e, como tal, havia morado em academias de polícia de treinamento especializado na capital do país. A Brasília de Jano não era muito glamourosa - nem mesmo muito citada, que meu amigo, como bom piauiense, preferia mesmo era a brisa litorânea de Natal. E o outro amigo, Carlão - nosso Carlos de Souza -, por outro lado, tinha verdadeira ojeriza a Brasília, onde passara alguns meses a dois passos do suicídio, se vocês me permitem o exagero da imagem. Brasília, definitivamente - e hoje isso é muito claro pra mim -, é uma cidade que não combina com Carlão, o que, na época, gerou os péssimos comentários habituais sobre a cidade - do tédio, da falta de bares, da inexistência de esquinas, da tristeza, da burocracia, dos políticos, tudo coisa que Brasília de fato tem e não tem, dependendo apenas da perspectiva de quem adota a cidade como lugar pra viver ou é adotado por ela, o que também é algo muito mais comum do que se imagina.

Foi preciso que um terceiro camarada - Adriano de Sousa, que também havia vivido aqui e gostava, até hoje aprecia as manias urbanas da capital - surgisse no meu caminho para que Brasília deixasse de ser tanto a cidade inacessível do tio "vi, vim e venci" da família quanto a capital do tédio e da impessoalidade de que me falavam outros amigos. Foi a partir de meados de 1995 que Brasília se tornou ora um poema concreto na minha vida, ora a crônica de uma cidade muito mais comum do que se imagina e onde, pelos intrincados itinerários que a gente percorre na vida, eu acabei me estabelecendo já lá se vão 14 anos a se completarem agora em junho. Hoje, precisamente na data desta terça-feira, 21 de abril, é Brasília que comemora os 49 anos. Tem festa na Esplanada, um clima de gratidão nos gramados da Torre de Tevê, céu bem azul de início de seca e muita gente na rua. E esta é a minha modesta, dispersa e praticamente anônima contribuição ao aniversário da cidade. Mas é de coração.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Amostra grátis (1)

"Sempre acreditei no cinema como janela aberta para a realidade e instrumento do humanismo. Fui profundamente marcado por Hollywood mas espero ter me afastado da cinematografia hegemônica, que domina hoje, como um rolo compressor, os corações e mentes do público de todo o mundo, sem abdicar de algumas preferências que continuam. (...) Espero, com o tempo, haver me aproximado cada vez mais do cinema brasileiro. Nunca imaginei que chegaria tão perto de Paulo Emílio Salles Gomes, embora ainda tenha dificuldade para aceitar sua regra número 1 - a que diz que o melhor filme estrangeiro não vale o pior brasileiro. Tento não ser xiita. O pior filme brasileiro é ruim, o melhor filme estrangeiro é bom e eu gosto de cinema (mais do que de filmes) acima de nacionalidade, por mais que me sinta comprometido com o nosso. (...) Quero acreditar que o cinema, mesmo mudando de suporte - como alguns dizem que vai ocorrer -, permanecerá sempre como um testemunho das nossas grandezas e misérias. Uma mostra superior de arte e (auto) conhecimento. É como o vejo e amo."

LUIZ CARLOS MERTEN, Um sonho de cinema, Edunisc, Porto Alegre, 2004.

domingo, 19 de abril de 2009

Brejeiros e sertanejos


Há muitos e muitos anos, nas profundezas de um país mitológico chamado Paraíba, iniciou-se uma guerra. De um lado, combatia o sertanejo; de outro, o brejeiro. Os embates maiores se davam quando derramava-se sobre o solo do sertão um período de seca brava, daquelas que aspiram o couro do gado e empurram a manada humana no rumo de paragem menos caatingosa. Era quando o sertanejo, sem alimento, sem água e sem saída, descia para o brejo, a região daquele país de geografia diversa, onde sempre havia chuva, frio, verde, cor, fruta e pão. Desde então, passou a dar-se o confronto eivado de preconceitos entre o sertanejo retirante e o brejeito abençoado. Para o primeiro, o segundo é um perigo à espreita, estuprador de suas mulheres, explorador de sua força de trabalho, criatura guarnecida de confortos mas desprovida de confiança. Para o segundo, o primeiro é uma subespécie que a miséria envia como notícias de paragens menos viçosas, elemento que se pode utilizar sem maiores reverências, pau pra toda obra, burro de carga rinchando de sede.


Esse conflito é uma das coisas que mais chama atenção no filme "Soledade", que o cineasta Paulo Thiago rodou em meados dos anos 70, com a acariense Rejane Medeiros estrelando no papel-título, de uma sertajena às voltas com as maravilhas e ciladas do brejo. O filme é uma adaptação livre do clássico paraibano "A Bagaceira", de José Américo de Almeida, onde, imagino - nunca li o livro, o que só agora, empurrado pelo filme, pretendo fazer - o tema do conflito entre o homem do sertão e o habitante do brejo é mais explorado. No filme, é um pano de fundo, presente o tempo todo, distribuído na postura dos personagens, na cenografia, na fotografia e mais explicitamente nos diálogos. "Mentira de brejeiro", diz um. "Aqui é o brejo, país estrangeiro. Vamos embora, filho", pregueja outro. "Vamos esperar até a noite. Brejeito tem medo de assombração", analisa um terceiro.


O brejo - e basta a própria sonoridade da palavra, com esse erre de corda de violão que torna o vocábulo ainda mais sonoro, bonito e sugestivo - me lembra meu pai que, como feirante e mangaieiro profissional (e dos melhores, pode perguntar por "Seu Bil" no Ceasa de Campina Grande!) muito visitava aquela região da Paraíba - e dela também muito falava. Assim, mesmo sem nunca ter ido ao brejo até hoje, quando ouço falar dele parece que se está falando assim de algum lugar bem conhecido. Por isso mesmo, fartei-me qual brejeito abençoado lendo as postagens do novo blogue da poti-paraibana Clotilde Tavares ("Umas e outras", link ao lado), em que ela conta como foi seu passeio pela cidade de Bananeiras no feriado da Semana Santa. Clotilde, com o conhecimento enciclopédico e sensível que tem das coisas da Paraíba, é a pessoa certa para nos esclarecer mais sobre o ancestral conflito entre sertanejos e brejeiros, as duas nacionalidades cindidas da Paraíba mais remota.


P.S: A foto que ilustra a postagem também é do interior paraibano, mas de outra região - pra ver como mesmo um estado pequeno territorialmente pode ser rico antropologicamente desde que se esteja no Brasil ou, mais precisamente, no Nordeste. É um trecho da estrada que leva a Campina Grande, na altura de Juazeirinho (PB), no chamado "Seridó paraibano".

Contículus brasiliensis

O GUARDADOR

A velha vai sair daqui a pouco. Não sei como ela consegue dirigir andando assim. É tanta roupa, tanto véu, é pano demais por cima dessa carcaça seca. Pois, veja, esse mundo é muito desigual, não é que dirige como ninguém? Segura, apruma o carrão e com duas manobras tá na vaga. Tem muito menino parrudo por aí que pena, e se não fosse o véio aqui, ia não. Olha aí, lá vem. Toda determinada. Mas é pano demais. Um no pescoço, outro nas costas, uma – aquilo é uma camisola? – arrastando no chão. Não sei como não se enforca com a roupa do corpo. Bom dia, o carro foi bem vigiado! Nem olha, parece que nem ouviu. Tanto pano e tanta antipatia. Deus guarde, miserável.

E ainda me distraiu do garotão. Pode olhar, doutor? Esse devia pagar em dobro, que é tanto mequetrefe na máquina que se eu não ficar de olho bem aberto a molecada passa a mão nos, nos, como é que diz, nos, nos i- it- ah é, nos item. É, menino, é assim mesmo. Esse negócio de trabalhar na rua obriga a gente a conhecer muita coisa nova. O povo é que não muda. O menino todo lustroso, lapa de tênis, calça mais enfeitada que a cachorra da moléstia, bonezão, cor de quem vive no bem bom, cada muque de bezerro bem criado mas na hora de gratificar o cidadão aqui, sei não. Olhe, veja mesmo! Um moedão de um real. Por essa não se esperava. É vivendo e aprendendo. A rua é escola de véi sem ofício certo, se é.

Deixe eu correr que a moça da academia acabou de sair, toda molhada, salpicante, roupa justinha, bundona boa, peixona. Precisa pagar não. Basta passar. E quando passa, viu, parece que vai atrás dela uma curriola de passarim preto cantando bonito. É uma alegria que só vendo. Deus guarde tanta saúde. E o melhor é que eu posso urubuservar à vontade, porque a sereia bombada nunca que me vê. Passa por mim como se eu fosse uma parede de vrido, entendeu? É, de vrido, transpassante. Se não me vê, também não me recompensa o serviço – e o carro dela é todo chamativo, carro de mulher jeitosa, pouco gasto, bem tratato, brinco de ladrão. Se eu cochilar, a rapaziada reboca. Mas eu não deixo – e como é que vou viver nessa merda de rua de sol a sol catando resto de troco sem nem ao menos ter a sereia pra apreciar? Vá com Deus, minha filha.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Visita de médico


Este final de semana fomos visitar os compadres Plácido e Marleide e checar como está o espetáculo do crescimento de Manuela. E está tudo em ordem, como vocês podem ver nas fotos acima, registros caseiros para a posteridade dessa meninada.

Coração de estudante

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Caixa de frases


Dos diálogos de "Tempestade nas Montanhas Rochosas", Tex número 360:


"Ver a cor desses dólares me faria muito bem!"


"Chegou o momento de libertarmos o mundo dessa cascavel. O ar ficará mais saudável!"


"Lembra de mim?" "Não pergundo os nomes de todos os vermes que encontro!"


"É Willer!" "Maldição! Protejam-se!"


"Feche essa maldita porta, Focinho Vermelho! Pode ter parado de nevar mas ainda faz um frio nadado!"


"Sabe, Cole, pra arrancar o dedo de um cadáver congelado, é só segurar e... plac!"


"Os figurões da ferrovia são ladrões piores do que nós! E Castleman é o pior de todos!"


"Não esqueça! São dois demônios!"

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Velhos carnavais


Nem tão velhos assim: mas o texto abaixo é um sinal de que o blogue está ficando mais calejado pelo tempo. O mesmo tempo que vem faltando para a atualização que os leitores que restaram talvez esperem. Dito isso, está justifica a reprise - ou melhor, a memória, já que o texto abaixo nunca foi postado no Sopão, embora seja um remanescente de um antigo boletim enviado aos amigos por e-mail na era pré-blogue.


As pontes musicais de Pernambuco


Lenine queria aparecer. Era sexta-feira de carnaval em Olinda e o galego cismou de fazer, diante de uma multidão no Varadouro, um show só com voz e violão. E fez. E foi muito legal. Cantou praticamente todas as faixas do CD "O dia em que faremos contato". Só ele e o violão, num palco onde cabia uma orquestra de frevo, um maracatu e ainda sobrava espaço. E mais: esse happening acústico-radical veio logo depois da energia de dona Selma do Coco e suas pastoras endiabradas. Dá pra imaginar? Não, só estando lá pra ver.

Foi um belo show, mas foi só a primeira parte. Depois, lenine chamou ao palco a orquestra de frevo do maestro Formiga. E aí atacou com um pout-porri de frevos pernambucanos. Frevos belíssimos, históricos, marcantes. Claro que incluiu o hino do carnaval de Olinda e Recife neste ano: "Madeira que cupim não rói", de Capiba, o mais cantado, o mais lembrado, o mais festejado desse carnaval. Na terceira parte do show ele chamou, além da orquestra, o maracatu Nação Pernambuco e atacou com algo como uma ciranda. Era uma lembrança às duas perdas do carnaval pernambucano do ano passado: Capiba (a tradição) e Chico Sciense (a evolução). Emocionante, de novo. E finalmente, na última parte do show, veio o que a gente pode chamar de "a experiência". Sabe aquele momento em que você assiste a alguma coisa que você sabe que ficará marcada para sempre na sua memória? Sabe quando você pressente que está presenciando um momento raro, único, que nunca mais se repetirá? Pois é, foi o meu Woodstock. Lenine, o maracatu Nação Pernambuco e a orquestra atacaram com "A ponte". O povão - povão mesmo, fedendo a suor, preto-mulato-muito-pouco-branco - ficou doido. Aí botaram uma escada do palco pro chão. Lenine grita: "Carnaval é na rua, no chão, e sem corda". Os integrantes do maracatu começam a descer do palco pro meio do povo. Desce gente, desce estandarte e "A ponte" fazendo a trilha sonora. Depois, desce o próprio Lenine. Nessa hora ( "a ponte não é pra ir nem pra voltar...") desaba sobre Olinda uma chuva de dissolver catedral feito pastilha de Sonrisal. Parecia que a chuva havia sido "produzida" com antecedência, horário marcado junto a são Pedro, cachê pros anjinhos do céu, tudo acertadinho para compor o quadro. A "experiência". Aquela escada do palco pra platéia era uma ponte. Ainda debaixo de chuva, eu e Rejane fomos procurar um "alternativo" pra voltar pro hotel lá no outro lado da cidade, em Piedade. E aquela música, como os pingos da chuva, não me saía da cabeça: "como é que faz pra lavar a roupa? / vai na fonte, vai na fonte / como é que faz pra raiar o dia? / horizonte, horizonte / e esse lugar é uma maravilha, mas como é que faz para sair da ilha /pela ponte, pela ponte..."

Voltei do recife com um pacotinho de uns seis cds, que catei cuidadosamente no domingo de carnaval, depois de encher o saco de esperar o Galo da Madrugada (aí já eram umas duas da tarde) passar no centro da cidade. Trouxe um disco que foi feito em homenagem a Capiba, no qual Alceu Valença canta "Madeira que cupim não rói" com acompanhamento levinho. Rejane tratou de garantir um cd do Bloco da Saudade, que ainda não ouvi. Também enfiei no mesmo saco o cd da banda mundo livre s/a.


Identidade


Os três shows daquela sexta-feira (antes de Lenine, como disse, teve dona Selma e ainda o Véio Mangaba, um clone atualizado do Velho Faceta) fiquei impressionado com esse espírito do povão pernambucano. Aquele povo tem uma profunda capacidade de auto-identificação. A impressão que dá é que não estão nem aí pra copiar ninguém. São eles mesmo quer isso esteja na moda ou não. Durante o show do Véio Mangaba, um grupo formado por uns seis adolescentes que estavam bem na frente da gente se organizou assim, do nada (a única coisa "produzida" que todos tinham era uma sombrinha de frevo na mão) e deu um show à parte ali mesmo no chão, imprensado entre aquele monte de gente. Dançavam frevo de uma maneira que eu nunca havia visto: mal tiravam os pés do chão, os movimentos eram bem sutis e no entando o resultado era muito interessante. Uma garota comandava o grupo todo e, no que ela mudava de passo, a gente via aquelas sobrinhas fazendo um desenho diferente no ar. Depois, durante o show de Lenine, outro sinal dessa profunda identificação do pernambucano com as suas coisas. Quando o artista começou a cantar "Leão do norte", um negão que tava ao lado da gente soltou um grito: "... é o hino. É o hino nacional de Pernambuco!"

Isso me fez pensar: qual é o hino nacional do Rio Grande do Norte? seria "Praieiras, dos meus amores..."? Seria alguma das baladas negras de Pedrinho Mendes ( "Linda Baby, volte sempre aqui") ou seria uma das faixas de um velho LP fora de catálogo do grupo Flor de Cactus? Ou seria ainda a música que fala da capelinha numa Serra do Seridó? Cansei de escrever, acho que vou dormir para amanhã levantar cedo e acordar os vizinhos tocando o cd da banda Alphorria.