domingo, 23 de dezembro de 2007

A graça da imperfeição


Antes de Cecília e Bernardo, sempre tivemos árvores de Natal razoáveis aqui em casa. Razoável quer dizer nem muito grande nem muito pequena, medianamente enfeitada, sem que a gente fizesse desse hábito um ritual caseiro do tipo missa do Galo. Era como se a gente fizesse, sim, em torno da obrigação silenciosa de ter e preparar a árvore de Natal, uma espécie de celebração mínima como aquelas que a igreja seridoense realizava nas manhãs de segunda-feira e a que se dava o nome de "missa do agricultor". Uma liturgia com a simpatia matinal do homem do campo, que também fazia muito sucesso na transmissão da Rádio Rural de Caicó, que levava seus cânticos e orações para todas as cidades e sítios da região. Mas essa já é outra história.

Retornemos à missa daqui de casa em torno da árvore de Natal. Este, como vocês sabem, é o segundo (apenas o segundo, vejam só) Natal de Cecília - e o primeiro em que já tem um discernimento maior do que representam essas luzes, essas festas e também esse compra-compra todo, que ninguém é de ferro. Também é o primeiro Natal de Bernardo, nosso gordinho cada dia mais simpático que não está nem aí para o fato de não entender nada - é apenas um bebê em transição para o estágio de criança que arregala os olhos maravilhado para tudo. Luzes de Natal, então, nem se fala.

Pois bem: chegou dezembro e fomos atrás da nossa última árvore de Natal. Antes dos meninos, já tivemos uma nem grande nem pequena, eu dizia, mas com certeza maior do que a atual - que foi comprada assim meio que para manter o hábito. Vocês hão de nos dar licença para superstições que não oferecem perigo nenhum a não ser a nós mesmos, não é? O fato é que, recuperada a caixa velha no armário de garagem, nos demos conta que a árvore atual é pequenininha, feinha, sem graça - e os efeites, vocês sabem, todo ano a gente guarda tudo com cuidado só pra descobrir no ano seguinte que oitenta por cento deles sumiram. ("Cadê aquela anjinho com cara de Charles Parker que no lugar de arpa tocava safoxone? E que fim levaram aqueles pacotinhos de presentes de mentirinha, que eram tantos e agora não há nenhum?")

Pensamos em comprar uma nova árvores, mais vistosa, pra agradar Cecília. Mas, assim como quem não quer nada, resolvemos mesmo assim ir montando a velha, digo, a atual. Pois não é que, além de sem graça, pequena e já um tanto quanto empenada pelo vai-e-vem da sala pra garagem a tal da árvore ainda estava incompleta? Ganha um Papai Noel inflável gigante (daqueles que matam Cecília de susto) quem advinhar qual a parte que faltava... Isso mesmo, o ganho do topo da árvore, aquele mais nobre, onde penduramos o enfeite mais consagrado, um super-anjo turbinado, um Papai Noel diferenciado (se é que isso ainda é possível) ou um laço de solteirona desiludida.

Você deve estar pensando que aí sim a gente decidiu mesmo comprar outra árvore, mais vistosa- ou ao menos completa, o que seria o mínimo. Pois errou: parece que justamente por incompleta a gente se apegou ainda mais à velha, digo, à atual árvore. Cecília nem ligou para a falta do galho nobre - pra falar a verdade, passou metade do tempo da montagem da árvore se enfeitando com uma corrente de bolinhas brilhosas que transformou em colar gigante. E nós, árvore pronta, digo, incompleta mas concluída, nos demos conta de uma coisa chamada "graça da imperfeição". É, meus amigos, nem tudo precisa ser cem por cento novo, turbinado, redimensionado, caro, última geração, de ponta ou com se chama esse tipo de coisa ultimamente. A velha, digo, atual árvore, cumpriu - vem cumprindo e assim vai continuar até o próximo dia seis - seu papel de avisar a Cecília e Bernardo que estamos num período diferente do ano, onde convém a gente prestar mais atenção a certos fatos da vida. Um tipo de atenção que nem sempre temos tempos ou disposição de alimentar.

E ademais, manter a velha, digo atual árvore, ajuda Cecília e Bernardo a perceberem, já desde pequeninhos, que o valor de uso das coisas por ser muito maior do que nos impõe a vã publicidade do nosso mundo veloz e ansioso. Pra nós, eu e Rejane, a árvore atual (já não preciso chamá-la de velha) ensina que o imperfeito também tem sua beleza, fazendo da vida de todo dia um somatório do que pode ser feito, com contabilidade final sempre positiva. Ainda que por um ponto, uma decimal, uma vírgula.

Feliz Natal perfeito ou imperfeito pra vocês também.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

As horas do sertanejo

1h - primeiro canto do galo
2h - segundo cantar do galo
3h - madrugada
4h - madrugadinha (ou amiudar do galo)
5h - quebrar da barra
6h- sol fora
7h - uma braça de sol
8h - sol alto
9h - hora do almoço
10h - almoço tarde
11h - perto do meio dia
12h - pino ou pingo do meio dia
13h - pender do sol
14h - viração da tarde
15h - tarde cedo
16h - tardinha
17h - roda do sol para se pôr
18h - pôr do sol ou ao sol se pôr
19h - aos cafus
20h - boca da noite
21h - tarde da noite
22h - hora de visagem ou noite velha
23h - perto da meia noite, frio ou frião da noite
0h - meia noite
No sertão antigo, o que faltava em tecnologia sobrava em poesia. Ao menos no que se refere à bela nomenclatura das horas. A lista acima está em Câmara Cascudo (Tradições populares da pecuário nordestina), mas a encontrei transcrita nas notas de "Velhos costumes do meu sertão", o livro do seridoense Juvenal Lamartine que o Sebo Vermelho reeditou em agosto de 2006. Aos interessados, está à venda na livraria do Midway (Natal).

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Nas sombras de Casablanca

Todo mundo já escreveu alguma coisa sobre esse filme. Dele já se falou bem, mal, bem mal. Ele já provocou tanto deslumbramento quanto um certo enjôo, já foi acuasado de ser só uma peça de propaganda, já passou nas sessões cult da madrugada na tevê aberta de antigamente, já foi colorizado (foi?), já banalizou uma música tão bonita, mas também fez jus a ela e por aí vai a cantilena eterna que mantém tinindo as imagens de "Casablanca". Um dia eu também cometi umas palavras sobre ele, que reencontrei dia desses e boto aqui à disposição da paciência de vocês.

Fumaça, ironias e simulacros

Praticamente tudo já foi dito sobre Casablanca. Fenômeno cult, este filme já foi estudado, devassado, desconstruído, analisado à exaustão. E visto e revisto muitas vezes – e em cada vez se descobre um detalhe novo, uma remissão nos diálogos ou nas imagens a outras imagens e outros diálogos. Aquelas analogias visuais e dramáticas que um bom roteiro – e um bom filme – põem para dialogar. Sem falar na acidez irônica dos diálogos propriamente ditos, com aquele primor pernóstico tão freqüente no cinema noir. A edição de Casablanca em DVD oferece mais uma chance para o espectador investigar essas conversações internas do filme. E algumas novas (inesgotáveis) constatações aparecem.

Casablanca tangencia uma rica discussão sobre jogos de aparência. Nada é o que aparenta naquela cidade-território-livre-em-plena-vigência-do-nazismo. Rick não é aquele bloco de gelo seco que aparenta enquanto desfila pelo esfumaçado café que administra. Logo se revela um sentimental de fazer corar qualquer amante latino. O capitão que zela (!) pela ordem na cidade vê tudo, entende tudo mas flutua pelo filme inteiro falando meias-verdades. A cena em que ele manda fechar o café dizendo-se chocado com a jogatina ilegal é um primor (no mesmo momento, ele recebe sua parte no butim da jogatina que malandramente condena). O líder da resistência, Lazlo, faz vista grossa para o caso de amor de sua mulher com Rick, num jogo que põe no mesmo tabuleiro as relações amorosas e as negociações políticas.

Na boa literatura, o fundamental nunca é dito. Expressa-se por outros canais. Um gesto, uma palavra fora de lugar, um deslize. Casablanca, neste sentido, é quase literatura (não chega a ser porque mais cedo ou mais tarde o encontro de Ilsa com Rick põe os pingos nos is, degelando o clima geral). Um pouco mais, um passo além, e o filme ficaria no terreno puro (supostamente neutro, como a cidade de Casablanca) do simulacro.

E como complemento (nem na milésima vez em que o filme é visto a fruição se detém em um ou dois detalhes) há a composição das imagens, num pictória inacreditável, que o espectador custa a crer se deva a equipamentos eletrônicos como câmeras e luzes. Cada plano é um painel deslumbrante e revelador. Mesmo nos closes (e principalmente quando o close é do rosto de Ingrid Bergman, concebido para ser enquadrado por uma câmera). Cada rolo de fumaça cumpre sua função. Só pra destacar algumas dessas imagens, lembre-se daquela em que se vê Sam tocando o piano em planos gerais do Rick Café. Os melhores fotógrafos dos grandes músicos de jazz não fariam melhor.

Não há palavras para descrever a beleza e o poder expressivo dessa acuidade visual de Casablanca. E olhe que quase tudo já foi sobre este filme.

Dose dupla

Em atenção ao restrito mas muito valioso grupo de leitores que este blogue formou ao longo deste primeiro ano, e levando em conta reclamações mui justas que tenho recebido, como a de Jesus e a de Ana Nossa Mana, e ainda considerando que o problema que move esse comunicado poderá ser definitivamente solucionado em breve, informo:

1) Estou ciente das dificuldades de vocês para conseguir enviar comentários ao blogue. Jesus reclamou, Nossa Mana também, eu mesmo um dia, informado do fato, tentei colocar um comentário como se não fosse cadastrado no blogger e não consegui;

2) Não me agrada nenhum tipo de exclusão: assim sendo, agrada-me sobremaneira a hospedaria antiga do blogue, que disponibilizada para o leitor o espaço para o comentário sem maiores exigências;

3) Mas também não quero desperdiçar a bela template que Marcya Reis fez com tanta atenção;

Então, juntando esses outros considerandos, informo finalmente que:

Parágrafo Único: a partir de agora, vou postar textos e fotos tanto aqui quando no blogue antigo, o sopaodotiao.zip.net. De maneira que se alguém não conseguir mandar comentário aqui, conseguirá mandar por lá. E eu estarei sempre consultando o retorno de vocês nos dois.

Parágrafo Intrometido só para contrariar: já falei com Marcia e, quando o ruge-ruge do fim de ano e do começo do ano novo passar e ela tiver tempo, realmente tiver tempo de sobra pra gastar com matéria da natureza deste Sopão, vai tentar fazer uma adaptação do leiáuti do novo Sopão para a página do antigo, abrigado no UOL. E aí, se tudo der certo, eu fecho a versão BLOGGER e mantenho só a original. Mas, fiquem tranquilos, que eu aviso antes.

Por hora, vocês ficam informados: tanto podem ler o
SOPAODOTIAO.BLOGSPOT.COM
quanto o
SOPAODOTIAO.ZIP.NET

Tá bom assim, pessoal?

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Sopão - 1 ano (meu presente)

Hoje chegou um comentário aqui no Sopão (na verdade, veio para o Sopão da "primeira temporada", abrigada no uol) que vale por um presente de Natal. Ou como um presente que o próprio Sopão recebe ainda à sombra de seu primeiro aniversário. Foi um comentário de Adriana Falcão que, não sei como, acabou sabendo de um texto antigo, escrito num jato de palavras pouco depois de eu acabar de assistir ao filme "A Máquina", feito com base no texto original dela por João Falcão, seu companheiro.

Segue o texto do comentário:

"Há muito tempo não leio o que sai sobre o filme A máquina, porque geralmente não fico feliz quando faço isso. Hoje descobri o seu texto e o dia mudou. Ficou em mim a impressão que você entende melhor o que quisemos passar para os outros até melhor do que nós mesmos. Parabéns e obrigada

Adriana Falcão"

Achei que vale a pena reprisar o texto sobre "A Máquina", que segue abaixo:

As máquinas de "A Máquina"

"A Máquina" é um liquidificador de estilos onde cozinheiros de imagens colocaram para triturar nacos generosos de tubérculos visuais do tipo "O Auto da Compadecida", "Lisbela e o Prisioneiro", "A Invenção do Brasil", "Hoje é dia de Maria", um pouco até de "Armação Ilimitada" e outras manufaturas da fábrica de Guel Arraes, dos armazéns de Luiz Fernando Carvalho e dos depósitos de outros fabricantes de um imaginário afim, como o brincante teatral Antônio Nóbrega ou a alma popular que empresaria o Bloco da Saudade no carnaval pernambucano.

"A Máquina" é o processo de liquefazer tudo isso num sumo cinematográfico que resuma todos esses sabores visuais sem a preocupação restrita de ser tv, cinema, teatro ou festa interiorana.

"A Máquina" é Paulo Autran dizendo o texto genealógico de Adriana Falcão, que vai às últimas conseqüências para contar como nasceu seu herói Antônio. Um conto que escava as mais invisíveis raízes das narrativas para lembrar que, só pelo fato de existir, um simples personagem resume em si todo o mistério e o absurdo da existência da humanidade inteira.

"A Máquina" é um ator capaz de brilhar tanto e com tal falta de esforço que consegue apagar tudo em volta – o cenário, os coadjuvantes, as luzes, as cortinas, a própria sala de exibição com suas paredes e nosotros, espectadores. Wagner Moura é essa máquina instantânea de carisma e transfiguração, que faz de uma ponta um continente. O ator que transforma, pela farsa mais bretchiana, um colunista televisivo no seu avesso.

"A Máquina" é o artifício de João e Adriana Falção, que invertem o fluxo da globalização ao levar os microfones e as canoplas do mundo até o vilarejo de Nordestina – e não o contrário.

"A Máquina" é a quintessência da nova farsa cinematográfica nordestina, o supra-sumo da pilhéria, a saturação de sons e cores que as experiências anteriores formalmente se recusavam a admitir. É a peneira elétrico-popular da feira em oposição ao filtro climatizado do shopping. É o carro de som de interior enfeitado com pinturas berrantes anunciando bugigangas no cinza discreto da metrópole. É a nova parábola do êxodo forçado na era das fronteiras invisíveis só para os computadores.

"A Máquina" é o filme de João Falcão, baseado no livro de Adriana Falcão, que deu origem também a elogiada e bem sucedida peça teatral, e que, tendo sido esnobado pelos cinemas, pode ser visto agora em DVD.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Entreblogues - É assim que eles vêem a gente


Um "Entreblogues" de leitura obrigatória para quem divide com o Sopão a indignação com o abuso em que se transformou a opinião na imprensa brasileira: é a análise atenta que nosso amigo Carlos Magno Araújo, do Diário de Natal, fez de artigo publicado na Folha de S. Paulo. O assunto do artigo é a eleição do potiguar Garibaldi Alves para a presidência do Senado e, por extensão, do Congresso Nacional. Carlos Magno jogou a rede e arrastou um cardume de preconceito em forma de palavras. Na mosca. A leitura é um pouco extensa mas vale cada palavra, cada vírgula. Vejam, vejam (primeiro a análise de Carlos Magno e depois o artigo publicado na Folha):

Garibaldi e o preconceito

Tenho a maior boa vontade em entender que é papel da imprensa investigar a vida de quem está prestes a assumir cargos públicos importantes,como acontece agora com Garibaldi Filho, alçado à presidência do Congresso ao final de um processo longo e tumultuado que transformou em esgoto a casa que alguns de seus colegas chamaram um dia, quase candidamente, de Céu. Resguardando a privacidade a que qualquer um tem direito, e zelada a ética, considero que é papel da imprensa fazer, sim, essa fiscalização, e não somente balançar a cabeça, com aquela complacência cúmplice que em muitos casos e em muitos lugares costuma marcar a cobertura política. Ou seja, respeitando a regra, vale tudo, até dançar homem com homem e mulher com mulher. Esse pouco caso com o noticiário mais profundo e detalhado, digamos assim, já nos trouxe surpresas demais – Renan foi só a mais recente delas. Em resumo: levantar a biografia daqueles que cumprirão papel importante, sim. Espezinhar, abusar, aproveitar uma situação para tentar extravasar preconceitos incontidos, não. Não defendo Garibaldi. Acho até que sua trajetória política precisa ser exposta. Afinal, ele estará ali presidindo o Congresso e, queiram ou não aqueles que não votaram nele no estado, estará representando este RN de meu deus. Mas não dá para ler o artigo da página 2 da Folha de São Paulo de hoje, de Fernando de Barros e Silva, sem notar um ranço perverso de preconceito. E daí que Garibaldi parece uma figura extraída dos programas de Chico Anísio ou se assemelha ao célebre Odorico Paraguassu, da Sucupira de Dias Gomes? Se tentou colar a imagem de Garibaldi a desses personagens que fizeram/fazem parte da ficção nacional e até se incorporaram ao anedotário e ao subconsciente político, Barros e Silva poderia ter sido menos hostil. O argumento sugerido por ele, o de que o Garibaldi que esteve à frente da CPI do Fim do Mundo é bem diferente desse agora, aliado do governo, dá até pano prá manga, mas a imagem que o articulista usou pareceu criada para exalar o futum do preconceito. O noticiário da Folha, pelo menos ontem, pareceu repetir o ranço do colunista.


E agora o artigo a que Carlos Magno se refere:


Prafrentemente, pratrasmente

(Fernando de Barros e Silva)


Sai Renan Calheiros, entra Garibaldi Alves. É o PMDB em campo, com a bola cheia, cadenciando o jogo maroto do "governo popular". Finalmente abatido em seu vôo (embora absolvido pelos pares), o neopredador das Alagoas cede espaço ao coronel potiguar, representante do velho patrimonialismo a que Lula tem rendido tantas homenagens e dado tantas condições de doce sobrevida. Quando a gente não pode fazer nada, avacalha. O célebre bordão do "Bandido da Luz Vermelha", anti-herói consagrado pelo filme de Rogério Sganzerla, tem trânsito fácil no Brasil. Por que não estendê-lo à crônica política? A mim, por exemplo, que não posso fazer nada, Garibaldi Alves sugere algum personagem cômico -qualquer um- de Chico Anysio. Escolha qual você, leitor, que também não pode fazer nada. Ou estaremos diante de um novo Odorico Paraguassu, o prefeito da eterna Sucupira de Dias Gomes, alçado ao topo do Congresso Nacional? "Prafrentemente", apenas suspeitamos no que isso vai dar, mas "pratrasmente" o currículo de Garibaldi não edifica a vida republicana. É irônico, mas esclarecedor, que nosso artista estivesse há apenas dois anos à frente da chamada CPI do Fim do Mundo, aquela que se alimentava dos restos das outras e resultou numa espécie de sopão dos detritos do governo Lula, mas também do Senado. A troca de lado e o exercício de papéis antagônicos num intervalo tão curto servem como estudo de caso sobre o caráter político do PMDB. Mas também o deste governo "popular". Geddel, o arauto da democracia, que o diga. E por falar na velha senhora, Rodrigo Maia, o jovem presidente do DEM, nos desafiava ontem em artigo na página 3 da Folha: "Democratas, sim, e daí?". Adorei o -"e daí?". Só mesmo o bom PFL faria pastiche da retórica da rebeldia e da afirmação adolescente da identidade ao defender o lugar-comum da democracia. Ficou com cara de tiozão.


Como dizia o poeta, os senhores tirem as suas conclusões. E o link para o blogue de Carlos Magno, abrigado no portal do Diário de Natal, há tempos já faz parte dos "outros pratos" do Sopão, ali ao lado. Pra ler mais, é só clicar.

Cidade verde





quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Natal em Acari




Dezembro não é só festa. Até o país descansar nos feriados de Natal e Ano Novo, roda incessante e acelerada a esteira rolante de um cotidiano mal engatilhado. Trabalhos atrasados, carreiristas compulsivos tangendo manadas de subordinados, trânsito à beira do juízo final, ritual de compras que tanto faz lembrar pessoas queridas quanto embebeda espíritos tontos de ansiedade. Por tudo isso, nada mais justo do que deixar arrebentar essas ondas numa maré de qualidade mais mansa, nos bem-vindos, esperados e merecidos feriados finais. Não jogo no time dos que levam a bola em ritmo de "o país não pode parar". País que não pode parar é terra sem freios - e há uns desses, os chamados "freios de arrumação" que se têm mostrado bem úteis em anos recentes. Pois, então, meu amigo, dê um chute na culpa mercantil e prepare-se para parar. Você merece. E nessa hora, no pequeno vácuo que o universo vai lhe dar de presente, a dádiva maior será o resgate da tranqüilidade que o humano matraquear obsessivo perdeu para a verdadeira vida. Quer uma dica? Volto a repetir, sem medo de cometer o pecado da redundância: Acari, com sua festa mínima, suas luzes sóbrias, seu antifestejo caseiro à luz telúrica de paralelepípedos de papel celofane.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Sopão - 1 ano (Entreblogues)

Sei quase nada sobre Samarone Lima. Concretamente, que é amigo de um amigo (Gustavo de Castro), que vive (e como vive) em Recife (ou seria no município vizinho do Cabo?), que, como eu, estudou na Católica (onde cursei o primeiro ano de Jornalismo), que tem o hábito interessante de fazer longas viagens a pé. Por sugestão de Rejane, cheguei, via blogue de Gustavo, ao blogue de Samarone, escolhido para a sessão "Entreblogues" comemorativa do primeiro aniversário do Sopão. Continuo sabendo pouco sobre o Samarone concreto, mas a cada leitura do blogue (chamado de "Estuário") sou informado um pouco mais sobre o lado abstrato desse escrevinhador irmão, andarilho das palavras. Agora, ele também freqüenta os "outros pratos" do Sopão, para o gáudio de todos nós. Portanto, quando vierem aqui, andem também por lá que não vão se arrepender. Eis o texto que nos serve de exemplo:

"Resulta que em mim, há uma necessidade que vem das entranhas, essa de escrever. Me agonia a distância de um caderno, uma caneta, um lugar quieto para escrever, que é meu jeito de falar com o mundo. Porque em mim, escrever é ser. Sou o que a minha expressão permite. É tão orgânico, que me faz submisso. Não escrever é como um desamor, uma solidão. É o lugar do maior abandono.Às vezes, ao dia só resta atravessá-lo. Toma-se decisões, o telefone agiliza processos, a sobrevivência vai nascendo de atos que levam a alguma coisa, talvez precária. O labirinto da existência. Quando entardece, este excesso de vida prática exige novos rumores. Uma biblioteca, um café silencioso, um lugar de armistício. É possível colher alguns louros em meio às prateleiras, repleta de autores amados.Mas falta a escrita. O momento silencioso de elaborar as perdas, ganhos, fracassos, gentilezas. Aquietar a alma e deixar a mão seguir, tateando alguma cegueira nova, desconhecida.Procuro então uma biblioteca. O silêncio das bibliotecas me lembra catedrais fechadas, igrejas sem padres. Anoitece quando esbarro na biblioteca da Universidade Católica, onde estive tantas horas de minha vida. Sou barrado, porque no período das provas, só alunos e professores podem entrar. Não esboço reação. Sou um ex de quase tudo na vida: ex-aluno, ex-chepeiro, ex-professor, ex-repórter, ex-tantos.Chego a um café no pátio, onde o vento é bom. Não há tanto silêncio, mas a mesa vazia me acolhe bem. Por deleite espiritual, uso uma caneta bico-de-pena, comprada após um longo dia de trabalho. Um prêmio para meu dia, por não ter esmorecido ante aos seus rumores.Aqui, sentado, escuto as buzinas impacientes no trânsito. Talvez os motoristas não tenham descoberto que buzina não abre espaços nos engarrafamentos. Melhor vender o carro e comprar uma ambulância. Seria lindo o Recife, num desses dias de sol, com mil ambulâncias loucas, cortando sinais e causando alarde. Há, de fato, gente que vive como se a sirene estivesse ligada, a caminho de algum hospital que sequer existe. Talvez sejam as doenças da alma.Vou por aqui, anotar outras besteiras. Mas só este tempo destinado ao rascunho dessas minhas notas esparsas, que não constarão em nenhum jornal de amanhã, me acalmam o suficiente para ver o silêncio com outros olhos. Me aquieto, me acomodo, realinho algum cômodo interno. Minha paz está em minhas mãos.Sempre soube que viveria do que escrevo. Não sabia que sobreviveria do que vejo e penso, já sem os males do pudor, do excessivo cuidado com o mundo. Só me arrumo quando coloco as palavras para a vida, soltando-as em desabalada carreira.Minha ordem é outra. Minha salvação tem outras veredas. Minha bênção é esta escravidão das letras. As palavras me abençoam, me lavam. É tão pouco o que preciso, que às vezes tenho a vertigem de ser livre.Aos meus queridos leitores, estendo as mãos. Estou de volta ao nosso diálogo."

Sopão - 1 ano

Giro fotográfico com alguns dos muitos amigos do Sopão, pra comemorar os primeiros 12 meses:





De cima pra baixo: Titina (em visita a Brasília); Sandra (idem, com Bernardo e Cecília); Renato (brincando com Cecília no parquim); Gustavo, eu, Marleide, Klecius e Plácido (no almoço poti-pernambucano que fizemos aqui em casa); e os compadres Marleide e Plácido (e Barney) no fim da festa do primeiro aniversário da afilhada Cecília. CLIQUE NAS FOTOS PARA VÊ-LAS AMPLIADAS.

Sopão - 1 ano

Agora sim, 12 meses depois, a letra completa - tão curta e tão gigante - da música citada na primeira postagem:

Urubu, Gabiru, Cachorro E Gente
(da banda olindo-pernambucana "Eddie")



É uma pena que seja dentro de uma lata de lixo que se encontre

Urubu, gabiru, cachorro e gente, estraçalha o lixo com os dentes

O lixo chega, o sorriso invade a cara do povo

O lixo chega, tem comida de novo na mesa do povo

Sopão - 1 ano

Há um ano, este blogue entrava no ar, com a seguinte postagem:

Tá na mesa, povo!

Alô, desnutridos em geral, famintos em particular, esfarrapados por opção. Provem do sopão e vitaminem-se com pílulas de contemplação rotineira, do tipo que não vende jornal nem faz o sujeito pular diante da televisão. Bem-vindo à substância da observação mais pastosa, o suco do nosso alface mais perplexo, o pão daquele anticlímax tão transcendente quanto banal. Neste caldeirão nem um pouco fervente vocês encontrarão restos de feira com prazo de validade vencido. Mas tudo perfeitamente consumível por estômagos menos ansiosos - e necessariamente seletivos, como aqueles dos moradores da canção "Gabiru, urubu, cachorro, gente", da rapaziada da banda Eddie. E chega, que já estou a adiantar a matéria - deliciosa de quase podre - que comporá o nosso banquete, digo, sopão. Bom apetite (mas, só por precaução, separe aí anti-ácido estético-intestinal).

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Lembrando Drummond (4)

Vamos ver se consigo escrever alguma coisa sobre ele sem recorrer à revistinha de intelectuais que está aqui do meu lado. Meu amigo CDA, se é que posso chamá-lo assim, bateu à minha porta pela primeira vez quando eu tinha apenas 12 anos. Para tanto, usou um livro didático. Pra vocês verem que não se deve desprezar os livros didáticos. Natural: era um tempo em que os livros a que eu tinha acesso eram quase sempre esses. Os outros eram os da biblioteca municipal de Parelhas, minha Alexandria setentista, que tanta literatura me forneceu, tanto quanto podia oferecer. Mas, salvo engano, Drummond lá não havia. Ou o aluno que eu era é que não se dava conta.

Havia, na biblioteca, Jorge Amado, esse iniciador infalível. Havia a dupla Machado-Alencar, esses focos de enganos que a gente lia sem a experiência necessária (ao menos no caso do primeiro). Havia uns clássicos impróprios que bibliotecárias pudicas e refratárias à leitura tratavam de manter longe de nossas mãos de meninos curiosos ("Vocês lêem rumances?", perguntava uma delas, disso nunca esqueci). Desde o início, é fato, Drummond chegou a mim, portanto, sem a solenidade da biblioteca. Chegou com a espontaneidade do livro didático de Português da sexta série, num daqueles textos regulares que abriam capítulos. Um daqueles textos que fatalmente iriam servir para o aluno indolente praticar concordância e regência, sintaxe e morfologia.

Meu amigo CDA chegou disfarçado: apresentou-se por meio de João Brandão, personagem de crônica, cujo trecho era apropriado pelo autor do livro didático. Tanto tempo depois, não lembro bem o que João Brandão fazia, que aventura desfiava, que aspecto de sua aparição serviu para que eu aprendesse um pouco mais de ortografia ou análise sintática. Só lembro que simpatizei com o personagem e guardei dele uma impressão de companheirismo - assim como a gente se lembra de um vizinho antigo.

Cresci, outros livros didáticos vieram, entrei para a universidade, encontrei novos amigos e, entre eles, apareceu-me, pela segunda vez, Drummond. E desta vez, quem o trouxe para perto foi um outro amigo, Jano Sérvio, colega do curso de Comunicação na UFRN, que cultuava as novas edições do poeta - por exemplo, o livro "Corpo", novinho em folha então. Foi quando decorei, de tanto ler, aquele poema das coisas findas - as tais que, muito mais que lindas, ficarão.

O poeta voltou e, como as coisas lindas, ficou. Quando encontrei Rejane, meu amigo CDA reapresentou-se uma terceira vez, como um padrinho informal da nossa união. Rejane era outra das pessoas ao meu redor que cultuava Drummond. Vez em quando eu comprava um livro do poeta que ela não tinha, na minha estratégia de manter-me indispensável à minha companheira. Assim, vieram livros de crônicas, o "Amar se aprende amando" que aproveitei para reler, e o derradeiro, o póstumo "Farwell".

Meu amigo CDA foi assim essa presença discreta e quase cotidiana, essa percepção poética que estava sempre por perto mas sem fazer barulho. Essa entidade que volta e meia desce da estante para dizer que a vida é feita de pequenas epifanias. Essa sensibilidade extemporânea que turva o mundo só para fazê-lo mais claro em seu impressionismo diário. Doce ou amargo, triste ou alegre, ocasionalmente animador ou momentaneamente deprê, é preciso saber levá-lo, com o instrumento da poesia que o velho livro didático um dia despertou.

Lembrando Drummond (3)


"O poeta não é o portador do fogo sagrado, mas o precavido possuidor de uma lanterna de bolso, que abre caminhos entre as trevas do dicionário."

Dele mesmo. Mas me lembrou nosso amigo Gustavo de Castro, do blogue Razão da Poesia, que, assim como o Sopão, também está prestes a completar um ano.

Lembrando Drummond (2)

O texto a seguir é da orelha de um dos livros de Drummond, que tinha a mania de escrever ele mesmo esses textos de apresentação - dizem os estudiosos, para evitar que outros o fizessem e exagerassem no culto à sua pessoa.

"Não sei se o poeta perdeu a força de irritar que o distinguia; sei que abre de novo o baú de lembranças, reage contra o excesso de bomba do nosso tempo, narra dramas amorosos e psicológicos do próximo, trata galantemente da cidade do Rio, ex-capital sempre capitalíssima, fala de pombos-correios, fazendas, mulandeiros, santas, rende preito a Portinari, a Chaplin, ao pintor colonial Ataíde e a Mário de Andrade, explora palavras como som e signo, em aproximações, contrastes, esfoliações, distorções e interpenetrações endiabradas. Os senhores julgarão por si."

A orelha é do livro Lição das coisas, editado em 1962.
Li isso aí e fiquei aqui com meus botões drummonianos catucando o pensamento: o que ele diria hoje, a que pessoas, cidades e memórias poderia se referir o poeta?

Lembrando Drummond (1)

Tenho lido dossiês em revistas velhas sobre Carlos Drummond de Andrade e me dado conta de que é dele um dos dois poemas que logrei decorar nesta vida*. E não totalmente, que a memória das exatidões, vocês sabem, não é o meu forte. Nem o nome do poema eu lembro. Poderia dar uma chafurdada no google e copiar aqui, mas vou ser fiel aos valores relativos e seletivos da minha pobre memória incompetente e reproduzir apenas o que ficou (juro que esse "o que ficou" não foi planejado):

"...mas as coisas findas / muito mais que lindas / essas ficarão"

*O segundo poema é uma unanimidade: você também sabe pelo menos um pedacinho dele. É o "Soneto de fidelidade", de Vinícius. "De tudo, ao meu amor serei atento / Antes..."

Segunda exibição





Matt Demon surgiu no cinema como um garoto prodígio em "O gênio indomável". Triplamente prodígio: uma vez pela contundência da interpretação; duas pelos dons próprios do personagem, um auxiliar de limpeza com um cérebro muito melhor do que o dos alunos da univerdade onde limpava o chão; e três pelo fato de também ter sido um dos roteiristas do filme.

Agora, Matt Damon está se especializando em personagens do tipo duas caras. É o mais bem sucedido falsário do cinema americano. Começou a esculpir essa segunda natureza em "O talentoso Ripley", filme em que, movido por uma inveja pra lá de obsessiva, assume a identidade de um amigo rico. Retocou a performance na série iniciada com "A identidade Bourne" - onde, além do mais, nem ele mesmo tinha idéia de quem, de fato, fosse. E, mais recentemente, lapidou essa trajetória sob a batuta de Martin Scorsese em "Os infiltrados", canal de expressão para um belo duelo de sutilezas possíveis no cinemão ianque com o parceiro Leonardo DiCaprio. E ainda poderia incluir na mesma lista "O bom pastor", onde o sempre dissimulado Damon volta a exercitar seu ofício preferido - despistar todo mundo.

Nos últimos tempos, são raros os filme a que tenho assistido mais de uma vez. Antigamente, tinha um prazer especial nesta segunda leitura - especialmente se fosse feita imediatamente em seguida à primeira, na era (já distante) das sessões contínuas pelo preço único. Pra o leitor ter uma idéia, cheguei a passar seis horas seguidas socado no cinema São Luiz, em Recife, assistindo, de queixo atropelado, a "Era uma vez na América", aquela enciclopédia visual e emocional do mestre Sergio Leone. Mas nem sempre é assim. Acontecia muito de, na segunda exibição, dar-se a morte fulminante daquela boa impressão inicial na primeira. Outras vezes, a releitura revelava camadas que a aflição narrativa da primeira exibição não deixava o espectador aqui perceber.

Depois que as sessões contínuas acabaram, ainda havia o prazer de rever em VHS (e depois, claro, no DVD) aquele filme que deixou a gente com água na boca, querendo mais, no cinema. Mas, de uns tempos para cá, razões familiares e rotinas profissionais incluídas na conta, nem uma coisa nem outra tem sido muito possível. Dou-me por satisfeito quando consigo assistir àquele filme que queria tanto ver na época em que foi lançado. O tempo é outro, talvez eu também não seja a mesma pessoa. Enfim, o velho papo do rio que você nunca atravessa duas vezes.

Essa viagem toda é só para explicar do prazer que foi rever "Os infiltrados", com a já lustradíssima dupla performance de Matt Damon e a milionésima (mas sempre boa) danação de DiCaprio. E para demarcar: esse eu havia visto no cinema, na época do lançamento, embora já quase saindo de cartaz, e não havia gostado nem um pouco. Pareceu-me um item comum e preguiçoso na cinematografia de Scorsese - que afinal, depois de quase mendigar (sem precisar prestar-se a isso), levou pra casa seu Oscar semi-honorário.

Outro dia, outra postagem, eu disse aqui que o cinema vem se tornando pra mim algo muito mais ligado aos efeitos dos que aos conteúdos. Era disso que falava: com pouco tempo pra ver os filmes, e muito menos para rever - o que é uma pena - passei a prestar muito mais atenção ao que eles fazem comigo numa primeira - e quase sempre única - exibição. Alguns são infalíveis e surpreendentemente bons neste quesito: assim de passagem, lembro de um de outra época, "Pulp ficcion", tão menos impactante na segunda, terceira, quarta exibição.

Mas é possível incorrer em equívocos, porque o sujeito que sai de casa ou do trabalho para ir ao cinema nem sempre vai sozinho (leva problemas, trabalhos inconclusos, expectativas dispersas, muxoxos incoscientes e por aí vai). E, assim, às vezes, a primeira - e única - exibição causa uma impressão errada. Aconteceu isso comigo e os infiltrados de Scorsese. Tá certo que o filme tem muito menos maneirismos de câmera e montagem do que eu sempre espero de Scorsese. Parênteses: quanto mais maneirismo nos filmes dele, pra mim, melhor; vide aquele bloco de "Os bons companheiros" em que Ray Liotta, completamente cheirado, escapole da polícia, faz entregas, prepara uma refeição e ainda arruma tudo para uma fuga que eu nem sei mais se foi bem ou mal sucedida, isso tudo ao som dos Rolling Stones, sob a mão de anjo de Thelma Schoonmaker, a montadora de todas as sinfonias scorseseanas (e que também ganhou o Oscar por "Os infiltrados").

Senti falta disso em "Os infiltrados". Mas, ao rever o filme em casa, vi que essa ausência não é o defeito que enxerguei quando da exibição no cinema. Ao contrário, essa falta de moldura nervosa é até uma qualidade de "Os infiltrados", viu? E a vilania de Jack Nicholson é tão cruel, tão cruel que afasta a possibilidade de a gente ver ali uma nova caricatura desse outro ator que de tão bom também vive recorrendo à autoparódia.

Agora eu pretendo rever em casa o último James Bond, de que muito gostei quando vi num cinema do Praia Shopping, em Natal. Será que o filme vai conservar aquele sabor vespertino de férias que havia em torno de mim quando o vi pela primeira vez?

domingo, 2 de dezembro de 2007

Contículus brasiliensis

Lugar de ser feliz também pode ser supermercado
(Para Rosália Maria e colegas do Clube das Leitoras Discretas)

A cidade guarda a fama de capital do tédio, às vezes parece mesmo a pátria da rotina, mas quando a gente repara bem, há muito com o que distrair o olhar, a mente, o coração. Há dezenas de salas de cinema, palácios assinados por arquiteto de fama e uma história que, embora jovem, já produziu ótimos e consagrados músicos. Isso para ficar em apenas três exemplos.

Disso se deduz que, à sua maneira, essa é uma cidade espetacular. Mas os shows de música custam muito caro, a conta do restaurante normalmente vai além da conta e até o preço do ingresso do cinema agride o bolso do pobre estudante.

Num dia desses - um sábado? - a garota - estudante? - deixou-se surpreender por um divertimento mais barato - e aqui a palavra vale pelo sentido do custo e não pelo da suposta falta de qualidade. Ela estava no supermercado, onde havia feito compras frugais. O suficiente para uma sacolinha de plático só. Nem cheia estava.

Moça de compras moderadas e espírito vaporoso como convém a todas as moças. Blusa preta, colada ao corpo, cabelo curto de nuca exposta, saia dessas que parecem de artista de circo moderno ou teatro clássico: quatro cores, umas pontas descompassadas das outras, uma assimetria que convém a todas as pessoas.

Só a vi de costas e por isso não tenho como falar sobre o rosto. Mas achei melhor assim, pois assim pude imaginar boca, olhos e sobrancelhas macluhanianamente.

Estava de costas, eu dizia. De costas, com uma sacola branca quase vazia - e uma roupa que parecia um par de asas para o infinito que dura um claro instante.

Lá estava ela aproveitando o grande painel de vidro do supermercado para apreciar um espetáculo natural que a cidade oferece nesta época do ano.

Não era cinema, nem música, nem arquiteturas. Era isso tudo de uma outra maneira e era mais.

Ela olhava para a chuva - e eu olhava para ela.

Formosa, GO








segunda-feira, 26 de novembro de 2007

De volta à academia

Informo aos amigos que Rejane, depois de exaustiva série de provas e contraprovas, passou no vestibulinho do mestrado da UnB. Não vê a hora de sair de casa de cadernos e livros rente ao peito, como em épocas passadas. Defenderá tese sobre estratégias alternativas de influência da mídia por parte de entidades sindicais e similares. Pois é, breve teremos uma mestre em comunicação aqui em casa. Que é que eu posso querer mais? (A foto é da última viagem a Natal, num passeio rápido por Muriú, litoral norte)

A revô





Esperando por ela, companheiro? Pois em Formosa, Goiás, ela clandestina-se assim: usando a fachada do seu inverso, a sociedade de mercado. Não sei por que, lembrei de José Dirceu camuflado de lojista lá em Cruzeiro do Oeste. Alguém falou em duas caras?

Os meninos




Contas públicas

Em frente à Prefeitura de Formosa, o cartaz exibe os números da contabilidade municipal. Não sei se o prefeito é correligionário (acho mesmo que não), mas saímos de lá com a impressão de que a cidade está mais bem cuidada. E o exemplo do orçamento exposto (ainda que a gente saiba da possibilidade de se maquiar números em casos assim) também chama a atenção.

10 pequenas epifanias de fim de semana


1.Abraçar a energia molhada do nada tomando um banho de vapor gelado aos pés do salto de Itiquira;

2.Tomar um sorvete com Cecília dormindo no colo e o resto da família em torno da mesa em frente a uma praça arborizada com coreto já meio velho em Formosa, Goiás;

3.Correr atrás de Cecília na calçada que rodeia a Lagoa do Vovô, ponto de encontro vespertino também em Formosa;

4.Dirigir o bólido na estradinha de sol e verdes margens que vai de Formosa até a entrada do parque do salto de Itiquira

5.Comer uma galinha caipira que não lhe quebra os dentes no restaurante situado na entrada do parque do salto de Itiquira

6.Espionar os olhos arregalados de Bernardo enquanto mostro para ele os redemoinhos da água do rio que corre entre pedras depois de desabar do salto de Itiquira;

7.Mostrar para Cecília a algavaria visual, olfativa e sonora mesmo que é a Feira do Guará numa manhã de domingo;

8.Contar pela milésia vez um trecho da história de Cinderela, a partir das figuras de um livro usado que Rejane comprou para Cecília no Sebinho e que a menina não cansa de folhear.

9.Assistir em DVD a um antigo filme dos anos 80 com cenas inevitavelmente sonorizadas com solos de saxofone estilo Leo Gandelman e não rir de nada disso - antes, alimentar a nostalgia;

10.Ouvir, ouvir e ouvir o CD Timeless, versão popular, comprado a R$ 12,00, capa de papelão mas música de excelente qualidade - e ainda descobrir que, entre os convidados que cantam ali, está até o negão John Legend.

Faça sua lista, meu amigo, que a vida é feita dessas besteiras ocasionalmente promovidas a momentos especiais.

Doze meses

Vocês provavelmente não se deram conta, mas o Sopão está prestes a completar um ano de atividades. Dia 6 de dezembro o nosso bravo blogue de resistência demarca seus primeiros doze meses de ação ininterrupta. Terei que preparar alguma coisa, embora nunca tenha alimentado muita simpatia por efemérides. Mas, poxa, essa é diferente.

Diferente mesmo: ao colocar o Sopão no ar, não imaginava que o blogue me colocaria em conexão com novos amigos (os velhos, sim, já estavam na mira, claro) como Francisco Sobreira e Moacy Cirne; também nem desconfiava que reestabeleceria novo canal direto com figuras como Alex de Souza; tampouco esperava angariar um quase secreto (de tão discreto, nunca comenta nada) clube de leitoras lá em Acari. E assim por diante.

Vou guardar o grosso dessas reflexões para quando for editar as postagens do aniversário propriamente dito. Mas, por hora, tenho que registrar uma derradeira surpresa. Vejam vocês que este final de semana caíram duas mensagens na nossa caixa postal de leitores que andaram, não sei como, explorando postagens a esta altura quase pré-históricas do Sopão primeira-fase, aquele dos tempos do templeite antigo, aquele abrigado no uol. É ou não é uma surpresa?

Um deles, quase anônimo, comentou um post velhinho, velhinho sobre os antigos conjuntos do Seridó (antes que alguém confunda, "conjunto" aqui quer dizer grupo musical). O outro - e este foi o que mais me entusiasmou - compareceu para dividir comigo a satisfação com o filme "A Máquina".

O nome da leitora é Jozielen e presumo que seja professora. Conta que leu o livro de Adriana Falcão e gostou tanto do livro quando do texto que escrevi para recomendar o filme. O que é que esse bloguim fim-de-linha (e ainda novinho em folha, estalando na véspera do seu primeiro ano) pode querer mais?

Valeu, Jozielen. E valeu, sim, rapaziada toda que há quase um ano passa por aqui, com ou sem comentários.

Nas águas de Formosa

Sábado passado, pulei da cama com um coração inquieto de explorador ocasional, juntei a família na mesa do café e proclamei com meus galões: "Todos a Itiquira, já!"

Pegamos o rumo do município goiano de Formosa, que vem a ser assim uma Currais Novos (bem) mais rica e desenvolvida (mas ainda assim uma Currais Novos, se é que vocês me entendem), em cujos domínios situa-se o salto que me cutucou o sono.

Além da beleza natural, o salto de Itiquira ainda proporciona ao visitante uma experiência sensorial. É um banho de vapor gelado, composto pelas gotículas da água que desaba do alto e não tem força suficiente para tocar o chão. É água se esvaindo no ar, desmaterializando-se na sua frente, invisibilizando-se na sua pele. Abra os braços e experimente abarcar a grandeza desse molhado nada.

Claro que depois você pode descer um pouco e banhar-se entre as pedras do rio formado pela parte da água que, uma vez caída, adquire outro rumo. Água límpida, do tipo que parece mel transparente quando sobre ela bóia a luz do sol da tarde de Goiás.

Esse é o tipo do passeio exploratório que rende postagens e mais postagens. Conforme o tempo colaborar, é o que faremos. Também há pilhas de fotos virtuais para ilustrar a lambança. Continue sintonizado com as águas de Formosa que a qualquer momento elas podem voltar a correr.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A face do fracasso




A imprensa norte-americana é uma senhora ainda elegante mas já um tanto quanto cansada, de olheiras acumuladas e desencanto terminal. No cinema, ela acaba de ganhar um rosto, uma cara, uma expressão: Meryl Streep, em "Leões e cordeiros".

O filme de Robert Redford vale pela revelação dessa face do jornalismo atual em forma de gente, em rosto de mulher – especialmente no caso norte-americano, mas com pinceladas que também valem para a gente aqui embaixo. Mas não fica só nisso não: é o primeiro filme que eu vejo espetar (com dignidade, sem grande arroubos) o espírito cínico do nosso tempo.

E esse espírito também ganha um rosto no filme, o do estudante de inteligência superior à média que se acha, por esse atributo, livre de julgamentos morais, acima desse tipo de avaliação, aquém da mentalidade chã da humanidade em geral.

São duas denúncias, sobre dois fenômenos dos dias atuais, que ganham formas de gente de carne e osso na tela. Miss Press está acuada, ciente de que quase sempre é usada como instrumento de propaganda – em manobras em que quase sempre se ilude com impressões de (falso) poder. E então, quando percebe a cilada e quer retomar as rédeas da situação, declarando uma independência de que nem sempre goza, perde o discurso. O poder de fato não está na mão dos paus mandados, por mais esclarecidos que esses sejam (ou se julguem).

E o que dizer do garoto entediado? Júnior Genial ainda estrebucha, procura as brechas por onde pode escapar no discurso do professor Redford e, é verdade, encontra muitas. Mas o fato latente é que, se as justificativas intelectuais estão aí, mais cedo ou mais tarde esse vale tudo do cinismo hedonista também sofrerá os efeitos de sua indiferença crônica e cômoda. Tanto quanto um furacão reequilibra com sua fúria a natureza que o poder do dinheiro corrompeu em vão.

Isso é papo pós-filme, claro. Pulei a parte em que a gente explica que o "Leões e cordeiros" trata dos Estados Unidos pós-fracasso no Iraque e à beira da invervenção no Irã ou às voltas com mal curadas feridas afegãs. Filme que se sustenta em dois diálogos: um entre uma jornalista outrora respeitada (Streep) e um senador republicano-talibã (Tom Cruise); e outro entre um professor (Redford) e seu aluno brilhante e egoísta.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

feriado nacional


Celebrei nossa brava república numa jornada audio-visual do tipo que só acaba quando enjoa. Pra começar, por acaso quando ligo a tevê está passando no Telecine Cult o que eu imaginava ser apenas uma pequena curiosidade (ledo engano): a primeira versão de "Cape Fear", produção dos anos 50 que seria refilmada por Martin Scorsese em 91.

O que eu não imaginava é que o "Cabo do medo" original tem um vilão ainda mais assustador que o Robert de Niro malhado e tatuado da versão de Scorsese. É Robert Mitchum, apavorante como o ex-presidiário que volta para sacanear o homem que testemunhou contra ele e o mandou para oito anos de prisão. E olhe que Mitchum espalha pavor sem precisar de tatuagem nenhuma - e ainda tendo que estufar o peito para parecer mais forte do que barrigudo, coitado. Mesmo assim, é de fazer De Niro arrepiar os cabelos de medo. E sem fazer cara feia. Basta exalar um negócio chamado maldade, sem exageros. Mitchum é apavorante e pronto. Perto dele, Gregory Peck, seu saco de pancadas, parece uma mocinha indefesa.

Scorcese foi mais incisivo em algumas coisas, mas ainda assim a versão original espanta pelo clima de tensão e violência sexual que transmite, especialmente se a gente lembrar que é um produto da década de 50 - e que, no final das contas, esse é apenas um "filme de gênero", categoria suspense. Ao retomar a idéia, o que Scorcese fez foi "dar um grau" na personagem da garota adolescente, filha de Peck - o que não deve ter sido um trabalho pesado, já que ele escolheu para o papel ninguém menos do que Jiuliette Lewis, a menina incendiária que todo mundo adora. E para fazer frente ao bom mocismo inútil de Gregory Peck, escalou Nick Nolte para o mesmo papel, fazendo dele um sujeito no limite da covardia. Casado com quem? Ela mesma, Jessica Lange.
Pense bem: coitado de Nick Nolte. Não dava mesmo para ele dar conta dessas duas mulheres - Lange e Lewis - sob o assédio pra lá de criminoso de Robert Mitchum, no caso de uma possível junção dos dois filmes. Para a sorte de Nick Nolte, o vilão da nova versão era De Niro, gente boa pra caramba.

E foi isso o feriado: depois vieram dois DVDs meio caça-níqueis de Tom Jobim (feitos na esteira do sucesso daquela série de Chico Buarque) e outra boa supresa. Um DVD com o show "Tambores de Minas", espetáculo musical que Milton Nascimento fez logo depois de lançar o CD "Nascimento", aí por 1995. Milton havia estado entre a vida e a morte e o disco celebrava sua recuperação por meio do toque dos tambores de sua terra.

Não imaginava que o show fosse tão bom: o tratamento teatral que Gabriel Vilela deu ao espetáculo faz dele um pequeno marco na história desse moço já tão pontuado por referências quando se trata da música brasileira.

O mais foram uns repetecos musicais dos anos 80 - porque o verão está chegando e esse ventos cíclicos trazem saudades fiéis, sempre. Espero que vocês também tenha tido um proveitoso dia da república.

arrastão fotográfico para receber o verão















De uma viagem antiga, mas nem tanto, às costas da Bahia.





quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Afasta de mim esse cálice


Caminhei por esquinas variadas do mundo blogueiro e, enfim, encontrei uma voz a fazer frente à comemoração unânime. Estou falando do tal do "cala a boca" que o rei espanhol, Juan Carlos, passou no meu herói, vocês sabem quem, o camarada Chávez.
Encontrei mais rápido até do que esperava. E o inesperado é que vem de um sujeito com quem convivi durante um bom período. Eu trabalhava na sucursal da Bandeirantes aqui em Brasília quando, um certo dia, a redação passou a ser frequentada por um mineiro de cabelos brancos, fala mansa e observações sempre apropriadas, inesperadas (já naquele tempo a unanimidade barrava observações divergentes) e instigantes. Era Mauro Santayana, a quem me acostumei a chamar de "professor".
Hoje, trabalhando na Câmara, de vez em quando vejo o professor pelos corredores ou na lanchonete. Ele nem me reconhece, claro, o que só comprova o meu talendo para me fazer quase sempre uma critura invisível.

Santayana é uma das poucas coisas que ainda valem a leitura do Jornal do Brasil. E foi no seu artigo que ele comentou o "cala a boca", no texto transcrito abaixo. É meio extenso para o espaço de uma postagem, mas vale a leitura. Vejam, vejam:

A arrogância colonialista
O presidente Hugo Chávez é descuidado e franco no que fala. Usa, em sua retórica antiimperialista, metáforas quase divertidas, como chamar Bush de diabo. Mas não exagerou ao qualificar o ex-primeiro-ministro espanhol José Maria Aznar de fascista. Aznar, produto típico da Opus Dei, que se reorganiza com novo alento na Espanha, sempre tratou a América Latina com desdém. Em 2002, em Madri, atreveu-se a dar ordens ao presidente Eduardo Duhalde, da Argentina, para que aceitasse e cumprisse as exigências do FMI. Reincidiu na grosseria, ao telefonar a Buenos Aires, logo depois, como um dono de fazenda telefona para seu capataz, a fim de determinar-lhe a assinatura imediata do acordo com o órgão.
Conforme disse o próprio ministro de Relações Exteriores da Espanha, Miguel Angel Moratinos, Aznar deu ordens ao embaixador da Espanha em Caracas para que apoiasse o golpe contra Chávez em 2002. Com o presidente eleito preso pelos golpistas, o embaixador foi o primeiro a cumprimentar o empresário Pedro Carmona, que, também com o entusiasmado aplauso do representante dos Estados Unidos, tomava posse do governo, para ser desalojado do Palácio de Miraflores horas depois.
Não se pode pedir a Chávez que trate bem o ex-primeiro ministro espanhol, embora talvez lhe tivesse sido melhor ignorá-lo no encontro de Santiago. Mas, como comentou, na edição de ontem de El País, o jornalista Peru Egurdide, há um crescente mal-estar na América Latina com a presença econômica espanhola, identificada como "segunda conquista". A Espanha opera hoje serviços como os bancários, de água, energia, telefonia e estradas, que não satisfazem os usuários. Ainda na noite de sexta-feira, em reunião fechada, Lula e Bachelet trataram do assunto com Zapatero, de forma veemente - longe dos jornalistas.
Mas se Chávez, mestiço venezuelano, homem do povo, fugiu à linguagem diplomática, o rei Juan Carlos foi imperial e grosseiro, ao dizer-lhe que se calasse. O rei, criado por Franco, tem deixado a majestade de lado para intervir cada vez mais na política espanhola - conforme o El País critica em seu editorial de ontem. Em razão disso, as reivindicações federalistas dos povos espanhóis (sobretudo dos catalães e dos bascos) se exacerbam e indicam uma tendência para a forma republicana de governo. Pequenos episódios revelam o conflito latente entre os espanhóis e seu rei. Já em 1981, quando do frustrado golpe contra o Parlamento Espanhol, o comportamento de sua majestade deixou dúvidas. Ele levou algumas horas antes de se definir pela legalidade democrática. Para muitos, o golpe chefiado por Millan del Bosch pretendia que todos os poderes fossem conferidos a Juan Carlos, em um franquismo coroado.
Os dirigentes latino-americanos tentarão, diplomaticamente, amenizar a repercussão do estrago, mas o "cala a boca" de Juan Carlos doeu em todos os homens honrados do continente. O rei atuou com intolerável arrogância, como se fossem os tempos de Carlos V ou Filipe II. A linguagem de Zapatero foi de outra natureza: pediu a Chávez que moderasse a linguagem. Como súdito em um regime monárquico, não pôde exigir de Juan Carlos o mesmo comportamento - o que seria lógico no incidente.
Durante os últimos anos de Franco, a oposição republicana espanhola se referia ao príncipe com certo desdém, considerando-o pouco inteligente. Na realidade, ele nada tinha de bobo, mas, sim, de astuto, vencendo outros pretendentes ao trono e assumindo a chefia do Estado. Agora, no entanto, merece que a América Latina lhe devolva, e com razão, a ofensa: é melhor que se cale.

Última chamada

Pra encerrar (lembrando que a transcrição da entrevista inteira está lá no "Conversa Afiada" de PHA, link nos indicados do Sopão):

Folha – Mas daí, então, a blogosfera é uma espécie de Guerra Fria?

Paulo Henrique Amorim – É uma espécie de Guerra Quente. Quando a gente senta no computador para escrever é como se a gente estivesse apertando aqueles botões que disparam mísseis.

Folha – Na hora que você está escrevendo você pensa em quem você vai atingir?

Paulo Henrique Amorim – Penso, penso. Sei direitinho. Cada vírgula minha tem um alvo. As pessoas não percebem, mas eu sei.

Bem público


Tem muito mais do mesmo lugar de onde veio a postagem anterior. Vejam, vejam:

"Na TV aberta não pode. TV aberta é o seguinte. A TV aberta se propaga através do éter. O éter é um bem público, administrado pelo Estado brasileiro, em nome da nação brasileira, ou seja, do povo brasileiro. Então, os ordenamentos jurídicos pegaram o éter e entregaram um pedaço desse éter à família do Roberto Marinho - atualmente a seus filhos - para controlar. Agora, isso pertence ao povo brasileiro, através de uma série de mediações institucionais, previstas na Constituição. Você não pode utilizar um bem público para defender sistematicamente, invariavelmente, a mesma posição, que é a de ser contra o Governo Lula. Isso não pode. Agora, isso só acontece porque, na minha opinião, o Governo Lula não reage e não diz assim: “um momentinho, agora eu quero ter o direito de resposta”. No jornal impresso não tem problema nenhum. A Miriam Leitão pode dizer o que quiser, pode pregar a instauração da Monarquia, pode defender o anarquismo desenfreado, o que ela bem entender. Porque só compra O Globo quem pagar. Eu pago e leio. Agora, TV aberta, não. TV fechada, sim. Porque eu pago, vou lá, compro e aí, comprou, comprou. Agora, TV aberta nãozinho. TV aberta é um bem público. Agora, não é só na Venezuela que é assim, não. É nos Estados Unidos, é na Inglaterra, é na França, é na Itália, é no mundo inteiro. Aqui é que é uma pré-democracia tropical, entendeu?"

O problema com Miriam Leitão

Com a rotina pessoal e profissional voltando aos trilhos, retomei meus passeios virtuais pelas colônias de blogues, portais e quejandos. E já vou fazendo o repeteco das observações instigantes que encontro em tais passeios. Pra começar, esse trecho da entrevista que Paulo Henrique Amorim deu a um repórter da Folha de S. Paulo (PHA reproduziu a entrevista bruta no blogue que mantém, cujo link está há tempos na lista lá embaixo). Vejam, vejam:

"Eu não tenho adversários, eu tenho divergências. E por exemplo, essa minha, digamos, implicância com a Miriam Leitão, que é uma pessoa adorável, que é uma pessoa que eu respeito muito, que é uma profissional maravilhosa, o problema da Miriam Leitão não é a Miriam Leitão. O problema da Miriam Leitão é a hegemonia da Globo. Só a Globo permite que um jornalista tenha a exposição que a Miriam Leitão tem no conjunto de mídia que a Miriam Leitão alcança. E a Miriam Leitão na televisão não deveria ter o direito de dizer o que diz. Nem ela nem o Jabor. Porque a televisão aberta é uma concessão de serviço público. É que o Governo Lula é muito frouxo. Porque o Governo Lula deveria entrar com uma ação administrativa na Justiça. Toda vez que a Miriam Leitão dissesse que o Brasil ia quebrar, que o Rio Madeira ia matar os bagres – que as represas do Rio Madeira iam matar todos os bagrezinhos, ia tudo ficar capado, não ia poder reproduzir, tinha que ter o direito de resposta: “não, o bagre não vai ficar capado”. Mas é que o Governo Lula tem medo da imprensa. A Cristina Kirchner foi eleita com a maior diferença da história política da Argentina desde a redemocratização e não deu uma única entrevista a um jornal argentino. O presidente Hugo Chávez dá uma banana para a mídia conservadora e venezuelana e aqui o PT tem um pânico. Se o William Waack ligar para o Marco Aurélio Garcia, o Marco Aurélio Garcia interrompe uma conversa que ele esteja tendo com o Vladimir Putin para atender o William Waack. O William Waack é mais importante que o Vladimir Putin para o Marco Aurélio Garcia. Ele desliga o telefone. Camarada Putin, “pá”, e desliga o telefone e vai atender: “oi, William”. Ele vai lá correndo."

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Toque de recolher também vale para os poetas (mortos)


Meses atrás, o Blog de Adriano (de Sousa) publicou uma foto do enterro do poeta Pablo Neruda. O título era alguma coisa como "como morrem os poetas" e chamava a atenção, na foto - que não era propriamente do enterro, mas da caminhada rumo à sepultura - a pequena quantidade de pessoas presentes. Um cachorro sarnento metido ali no meio da triste caminhada também dava uma dramaticidade a mais à cena. Neruda, não custa lembrar, era um Nobel.

Lembro disso a propósito da postagem lá embaixo sobre o golpe no Chile. É que, na minha sessão de leitura de revistas velhas, achei, numa edição de pouco depois da derrubada de Salvador Allende, uma outra reportagem, sobre a morte de Neruda.

Pois é: Neruda morreu poucos dias depois do golpe, enquanto o Chile ainda se encontrava em estado de sítio. O Palácio de La Moneda foi bombardeado em 11 de setembro (essa data fatídica) e Neruda morreu no dia 23. Tinha câncer de próstata. Foi enterrado sob toque de recolher.

Paris-Tirol num livro de bolso


Para levar da melhor maneira possível a temporada hospitalar, saquei da estante uma dessas edições de bolso da L&PM ou editora similar. "Morte na alta sociedade" não é a britânica Agatha Christie, mas o francês Georges Simenon que, em comparação com a criadora de Poirot, tem uma narrativa mais porosa, com espaço para observações mais inexatas sobre o universo pessoal de suspeitos e insuspeitos.

Nesse livrinho de Simenon, acompanhamos o comissário Maigret - seu Poirot introspectivo - tentando descobrir quem matou um ex-embaixador de renome que manteve durante décadas um romance platônico com uma dama igualmente aristocrática. E é como se Maurílio Pinto tivesse que interrogar a família real brasileira. Maigret não sabe onde enfiar as mãos enquanto transita pelos lugares onde vive essa gente decalcada da realidade comum.

Lembrei do delegado Simões, criado pelo nosso amigo Francisco Sobreira em "Páginas manchadas de sangue", que já recomendei umas postagens atrás. Os dois, Simões e Maigret, têm a mesma desconfiança cheia de cortesia, o mesmo faro discreto. Mas um vive em Natal, no bairro do Tirol (pelo menos foi o que eu depreendi por minha conta) e outro em Paris.

São primos, ainda assim.

prontuário

Está na hora de atualizar o prontuário lá de casa:

1) Rejane voltou a sentir dores no local da cirurgia. Descemos novamente ao Prontonorte (o hospital pertinho de casa, onde vamos a pé e periga sermos chamados pelo nome pelos médicos e funcionários) e foi detectado um hematoma. Não tem jeito: é Rejane evitar estripulias como se abaixar pra pegar uma caneta que caiu, essas coisas que ela muito dificilmente consegue deixar de fazer.

2) Ao tempo em que Rejane saía do hospital depois da cirurgia, me apareceu, vejam só, um danado de um bicho de pé. E eu nem fui à praia, é mole? Pois era isso mesmo e, como eu estava concentrado na saúde de Rejane, muito mais importante que a minha, fui deixando o bicho crescer, ampliar o apê que ele alugou bem no meio do meu pé. Aí o cidadão abusou, claro, e com a dor matando fui ao Prontonorte providenciar o despejo, por sinal, bem doloroso.

3) Depois disso tudo, Cecília (que já estivera febril numa das noites em que Rejane ainda estava internada) começou com uma conversa de que estava com coceira na boca. No meio da convalescença generalizada, não demos muita importância. Mas a secretária lá de casa, Solange, ficou embatucada e foi conferir. Olha o tamanho das aftas que apareceram na boca da criança! É uma virose e se chama estomatite. Cecília já está em tratamento.

O mártir e o herói


Esta semana passei boas horas metido na biblioteca da UnB, lendo velhas publicações enquanto esperava Rejane prestar uma das muitas provas de admissão ao mestrado. Peguei uma encadernação pesada com edições da revista Manchete do ano de 1973. Tenho essa mania de gostar de ler textos datados publicados na imprensa em geral. Se me cai nas mãos uma edição da Folha de S. Paulo de qualquer dia do ano de 1984 sou capaz de traçá-lo todo com garfo, talher e muito pó de inseto de sobremesa.

Parei de folhear logo nas primeiras páginas porque achei de cara a reprodução da reportagem da revista Time, em que a publicação norte-americana narrava as circunstâncias, os bastidores e as primeiras e mais imediatas reações ao golpe com que Pinochet derrubou - dizem, assassinou - Salvador Allende. Pois é, era uma edição de setembro de 1973 e não havia, naquele momento, notícia internacional mais bombástica.

Matéria extensa, detalhada e - levando em conta o estado atual do jornalismo - bastante equilibrada. A revista especulava sobre o que esperar de Pinochet que, lembrem, era ministro de Allende, a cobra criada dentro de casa. Também destacava o caráter secreto e inesperado do golpe que, segundo o texto, ninguém previra. E ainda levantava as primeiras suspeitas de que os Estados Unidos de Nixon estavam por trás daquilo tudo (informando que os zéua vinham há tempos fornecendo armamentos para os militares chilenos, ao contrário do que acontecia com os outros "setores" da economia, submetidos a boicote branco).

Li tudo isso o tempo inteiro lembrando de... quem advinha? Hugo Chavez, claro, que pode ser considerado uma espécie de versão revisitada de Allende e, como tal, está sempre na alça de mira dos inimigos de qualquer mudança abaixo da linha do Equador. A diferença: ao contrário de Chavez, que tem seus poços de petróleo, o Chile de Allende estava, do ponto de vista puramente financeiro, na lona.

Isso também diz alguma coisa sobre Lula: moderados ou não, os novos líderes latinos de esquerda se preocupam antes em garantir um quadro econômico o mais equilibrado possível antes de arriscar qualquer forma menos ortodoxa de divisão do bolo.

Ficaram espertos Lula, Michelet e até o doidão do Chavez, a quem costumo chamar de "meu herói" (no que apenas imito nosso amigo Augusto Luiz, que ironizava a satanização de Sadam Hussein chamando-o assim).

Ficaram espertos, como dizia. Já não era sem tempo. Enquanto isso, no mundinho do PSOL...

É doce morrer no mar

Estou submerso, quase afundando. O oceano em que flutuo a um passo do afogamento está repleto de letras sagradas, mas sempre há um ou outro vocábulo profano ao qual posso me agarrar. É um livro, sim. Esta abertura alfasensorial não passa de uma metáfora. O livro também o é. Mas ainda assim, vale a imagem: afogo-me, com prazer.

Estou lendo, e quando o faço quase não encontro espaço para respirar, um clássico de toda a vida que nunca havia visitado. É Moby Dick, o missal literário e existencial do senhor Herman Melville. A preleção quase religiosa que os literatos de prêmio e outros especialistas da espécie me dizem ser um marco, tanto pelas experimentações de formatos que contém (há capítulos em forma de script poético-teatral em meio à massa narrativa) quanto pelo volume semi-enciclopédico de informações sobre o vasto mundo da caça à baleia.

Estou, assim, embutido dentro dessa baleia literária imensa, como um outro Jonas - um pecador contumaz e teimoso, arrogante se deixando humilhar pela reza castiça e piedosa do padre Melville. Eventos caseiros, rotinas profissionais, trabalhos de Hércules em suaves prestações diárias me impedem de ir à frente no ritmo que gostaria. Nem por isso me considero menos envolvido pelas ondas desse mar gelado e pelos madeirames desse barco maldito.

Estou quase no meio do livro. Estou nadando, respirando pouco, engolindo água e tossindo imprecações. Pra falar a verdade, não sei exatamente se me encontro dentro dessa baleia centenária ou se eu é que a tenho entalada dentro de mim. Quando acabar a leitura, vomito minha água vã que, quem sabe, resolverá a questão e respingará em algum de vocês.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Cinema bestial

Por que nos incomodamos ao assistir a "Baixio das bestas", filme do pernambucano Cláudio Assis? Porque o diretor, investido do desejo consciente de inscrever seu nome no livro do (novo) cinema brasileiro, pega pesado mesmo. Ele já pegava pesado em "Amarelo manga", seu filme anterior, aquele em que esquadrinhava as misérias urbanas de um Recife imenso, caótico e febril.

Aquele em que, lançando mão de recursos arriscados na busca por uma expressividade extrema, Cláudio Assis fazia Leona Cavalli afrontar um bossal Jonas Bloch – e um acomodado espectador classe média – com um tremendo close de sua xoxota ruiva. Aquele em que carros xispavam pelos asfalto ribeirinho entre as mil pontes da Mauricéia nordestina, redesenhando a representação do Nordeste naquele mesmo (novo) cinema brasileiro.

Para além dos incômodos, os dois filmes – "Amarelo manga" e "Baixio das bestas"- são ótimos. A questão aqui é outra. No "Baixio das bestas", a lente de Claudio Assis volta suas pupilas sedentas para a zona da mata pernambucana, avançando rumo ao interior da terra e às entranhas dos homens. Por isso mesmo, justificativa é o que não lhe falta quando enquadra porretes e genitais, curras e maracatus, boyzinhos remediados e putas entediadas. Toda a crueza das cenas de violência e sexo – dois elementos que no filme aparecem quase sempre juntos, gêmeos, xipófagos – são plenamente justificáveis.

Então, se é assim, por que nos incomodamos ao assistir ao filme, essa "Laranja mecânica" brejeira e miserável? Será porque fica a impressão do culto ao choque? Essa desconfiança me lembra Nelson Rodrigues, que também chocou na sua época, e cuja abordagem das mazelas humanas parece afinada com o discurso do cineasta pernambucano. Vejamos: Nelson Rodrigues punha lentes de aumento sobre matérias que ninguém queria enxergar. E, como resultado, jogava no palco acintes humanos, individuais, familiares, grupais agigantados quando, na verdade, o objetivo do texto era a moralidade. Explicitava desejos inconfessos em frases que pareciam orações ao contrário, contrições inevitáveis que devolviam alguma santidade a pecadores contumazes.

Não é mais ou menos isso o que faz Cláudio Assis em "Baixio das bestas"? Coletar a miséria humana num momento de decadência, encarar a degradação mais abjeta, encher a tela com a mais espúria violência e, assim procedendo, denunciar o marco zero da (in)consciência?

É, mas ainda assim a pergunta permanece: por que diabos nos incomodamos ao assistir ao filme? Filme que, destaque-se enquanto é tempo, é captado admiravelmente e em certos momentos nos exibe quadros de rara beleza no cinema brasileiro atual, por bem compostos, pacientes, cadentes em sua lentidão, como aquele plano em que a garota vilipendiada espera o transporte na estrada de terra arenosa e, na medida do possível, lírica. Ou ainda quando penetra no colorido triste dos maracatus, um fenômeno social que nunca mais, depois de assistir a esse filme, o espectador verá com os mesmos olhos nos carnavais da vida. Ou quando contempla a boca escancarada do caboclo sorvendo a seiva da cana retorcida no esforço flagrante de um gesto ancestral. O filme está cheio dessas pequenas epifanias, para usar a expressão criada por João Moreira Salles.

Então, por que nos incomodamos? Talvez porque estejamos, hoje em dia, fartos do choque. Na medida em que opta pela crueza extrema, por essa câmera quase física, quase tátil, o filme desqualifica a mera sugestão. É como se afirmasse: a sugestão é pouco, não é digna de um cinema que se quer visceral, contundente – revolucionário? E nessa batida, o (novo) cinema brasileiro está aos poucos se enchendo de realizadores que tentam fazer frente ao cineminha Globo Filmes do tipo Daniel Filho usando uma técnica do tipo "o realismo além do realismo". Nesse ponto, "Baixio das bestas" é primo de "Tropa de elite" – e quem lê esse blogue já entendeu que gostei tanto do primeiro quanto desgostei do segundo.

Por que nos incomodamos? No final das contas, o que me incomodou – não sei vocês, não sei dos outros – talvez seja a pretensão por trás da contundência. "Baixio das bestas" é tão bestial que me deixou com saudades da velha e boa sutileza.

domingo, 4 de novembro de 2007

e.r.

Rejane se recupera bem da cirurgia. Os cálculos foram exterminados. A vesícula extirpada como um corpo social incômodo. Ah, como seria bom se a vida se resumisse à vã medicina.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Árido movie

A aridez - física, geográfica, social ou psicológica - foi a constante que mais me chamou a atenção em "Babel".
A aridez lunar da superfície marroquina, a aridez interna da garota japonesa muda, a aridez que marca o relacionamento do casal Brad Pritt e Cate Blanchett antes mesmo do tiro que dispara a ação caleidoscópica do filme de Alejandro González Iñarritu.
A aridez do deserto que separa o excesso da falta, o norte rico, desconfiado e frio do sul latinizado, festivo e irresponsável.
A aridez das circunstâncias nem sempre evidenciadas - ou quase sempre sombreadas, num esboço que se recusa a tornar-se arte final.
"Babel" está repleto de brancos, de espaços por completar, de informações surrupiadas ao espectador - o que só favorece o nosso envolvimento com a sua premente aridez.
A aridez ultra-urbana dos concretos e neons da magalópole japonesa.
A aridez da mulher morta, da suicida que arrasta consigo a poeira de qualquer explicação possível, por mais intangível que seja.
"Babel" não é só um desentendimento em escala global, um confronto cultural afinado com a crônica dos nossos últimos dias.
É também uma narrativa impressionista embutida em lares e famílias sobre a aridez da convivência entre pais e filhos.
A aridez do LDC na sala high-tech, a aridez da parede de barro na casa-cabana das montanhas, a aridez de um irmão preterido pelo outro.
A aridez algo seridoense do deserto que avança, avança, avança.