sexta-feira, 27 de junho de 2008

Coleção




o selo e as capas
Mais informações no blogue da Flor do Sal: http://editoraflordosal.blogspot.com/

Fotos


Fotos do lançamento dos livros da Flor do Sal, feitas por Rosalie Arruda, colega muito querida dos tempos do curso de Comunicação na UFRN, e publicadas na coluna que ela mantém no "Correio da Tarde". Na primeira, quem está comigo é Ana Luiza, Ana Nossa Mana, leitora número um desse blogue (Rejane é a número zero, que lê a tempo até de eu mudar alguma besteira que tenha deixado passar). Na outra foto, Vânia (e a filha Luísa, que eu só havia visto uma vez, quando ela ainda andava no colo da mãe) e, de costas, Leônia. Não aparecem na foto mas também estavam nessa roda Lauro Arruda, Adriano, Virgínia e Hevérton.

Notas

Reproduzo duas notas de Vicente Serejo, no "Jornal de Hoje" desta quinta-feira, 27, sobre o triplo lançamento da Flor do Sal.

EXEMPLO
Ao lançar três títulos e, todos eles, projetando novos nomes, Adriano de Sousa e Flávia Assaf já fizeram, numa noite, (mais) do que os 12 anos do governo e da prefeitura no plano editorial. É incrível.


NAVALHA
De Ada Gurgel, a Menina Gauche, herdeira de inclinações musicais, ferindo de navalha essa mesmice com seus versos cortantes: ‘Golpeia / a folha / com fúria: / a carne / do papel / sangra’.

Noite boa

Foi bonita a festa, pá. Velhos amigos que há tempos eu não via apareceram, como Augusto (Lula), Rosalie e Bartolomeu, Virgínia e Heverton, Vânia Marinho, Tácito, Alex de Souza, Leônia, além de outros que aqui e ali a gente força a barra e dá um jeito de rever sempre, como Ana Luisa (Nossa Mana), Carlão e muitos outros, sem falar nessas figuras que fazem aparições ocasionais na vida da gente mas de cara provocam uma empatia que é que como se todo mundo se conhecesse há tempos. Nessa categoria, posso citar Moura Neto e Alex Nascimento. Também conheci gente nova, como Sônia e Márcio (Simões), gente de quem desde sempre muito ouvi falar mas nunca havia conhecido assim de pertinho, como Ada, a menina gauche que vai filtrando as profecias do poeta - e essa tarefa não é pra qualquer um, visto que o tal poeta é um especialista em desidratar palavras e produzir finos tomates secos em forma de versos.

O poeta, por sinal, vale um parágrafo à parte. É claro que me refiro ao amigo Adriano de Sousa que, ao lado de Flávia, botou na cabeça de inventar uma nova editora, imaginou um esquema fabril de pequenos catecismos mimosos, preenchidos pela lavra de estreantes, e botou na praça os três primeiros volumes das edições Flor do Sal, felicíssimo nome. Adriano estava feliz, sem pudor, com a gente quer vê-lo se possível o ano inteiro - mas a gente não é doido e sabe que ninguém se mantém naquele em êxtase fraternal o tempo inteiro, sob o risco de pasteurizar as emoções e achatar a própria humanidade. Dito isso, como estava feliz, boa prosa e até gozador - o alvo das piadas, claro, fui eu, mas não reclamo - naquela noite. Pelo jeito, editar livros faz mais bem a Adriano do que escrevê-los; compreendo perfeitamente, embora a gente não possa dispensar os petardos que de vez em quanto o compadre coloca na praça.

O resto é a síndrome de pânico normal nessas ocasiões que, tenho certeza, a neofotógrafa Flora documentou muito bem com aquela arma letal voltada para a minha direção, lentes assustadoramente arregaladas para meus ombros cada vez mais curvos. Ainda bem que Ada, na mesa ao lado, era matéria muito mais interessante para as artes da fotografia. E eu só não fiquei mais intimidado porque Márcio Simões, o companheiro da outra mesa, pelo que vi, está plenamente habilitado a disputar comigo o título de anti-escritor do ano no quesito exposição pública. Titina também deu um jeito na minha maquininha furreca e tirou um punhado de fotos. Assim que chegar em casa, despacho o primeiro lote pra vocês verem como foi a noite no bistrô de Petrópolis, noite de clima estranho, ventinho frio, quentura morna quando a aragem se ausentava. Mas com um bando de amigos por perto, podia nevar que todo mundo iria se sentir devidamente aquecido.

Antes de encerrar, um registro imprescindível que é também uma forma de agradecimento: Vicente Serejo, com quem eu não conversava desde os distantes tempos de repórter no Diário de Natal, ajudou a acalmar meu liquidificador interno assim que cheguei para o lançamento dos livros. Ficou batendo papo comigo, enquanto eu me aclimatava, numa conversa boa sobre gente que pensa o Brasil, jornalismo público, José Dirceu e outros temas que rendem uma bela troca de idéias.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

É hoje

Vai ser logo mais às sete da noite o lançamento das três primeiras publicações da editora Flor do Sal, a iniciativa de Adriano de Sousa e Flávia Assaf que, correndo meio por fora do circuito oficial da cidade, pretende colocar na praça algumas novidades na poesia e na escrita potiguar. Um dos livros, a esta altura vocês já sabem, é a transcrição do texto teatral "O Poema do Caminhão", que escrevi há alguns anos. Volto ao assunto para lembrar do lançamento e contar uma curiosidade em torno dele: Flávia foi pesquisar e descobriu que existe em Macaíba um especialista naquela tão específica pintura de carrocerias de caminhão, semelhante ao filateado dos argentinos. E são esses motivos que conferem a marca gráfica do livro, usados tanto na capa quanto para arejar a leitura do texto lá dentro. O livro de Marcos Simões também é um primor de edição, com uma poesia, pelo que li rapidamente na passagem aqui pela casa de Adriano (onde estou agora), competente naquilo que pra mim é um mistério: a capacidade de síntese. E há ainda a revelação que é Ada Lima, a filha do poeta que mantém no ar a palavra reta, exata, cortante mas também lírica de seu Adriano. Espero vocês no bat local e no bat horário, com o nervosismo que me é peculiar nessas ocasiões, mas sei que vocês não vão reparar.

sábado, 21 de junho de 2008

Poema do Caminhão, o convite

Reproduzo o e-mail que recebi de Adriano e Flávia, com a convocação para todo mundo fazer a festa no lançamento de "O Poema do Caminhão", o livro. Estou quase saindo de casa rumo ao aeroporto. As próximas notícias eu já mando de Natal mesmo. Até.


Convidamos para o lançamento das Edições Flor do Sal (flordosal@uol.com.br), um pequeno atrevimento editorial, na contramão do lugar e do tempo.
Dirigido por Flávia Assaf (
flaviaassaf@uol.com.br) e Adriano de Sousa (entredito@hotmail.com), o selo estréia com a publicação de três livros em formato de bolso.
O primeiro é “O Poema do Caminhão”, um auto poético de Sebastião Vicente; o segundo, “Menina Gauche”, poemas de Ada Lima; e o terceiro, “O Pastoreio do Boi (XII poema sobre uma parábola zen)”, de Márcio Simões. No blog
http://flordosal.blog.uol.com.br/ há mais informações sobre os autores e as obras.
O triplo lançamento (com a presença dos autores) será nesta quarta-feira, dia 25, a partir das 19 horas, no bistrô Chez Louis (avenida Rodrigues Alves, esquina com a rua Mossoró, em Petrópolis).

Os editores

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Poema do Caminhão, o livro


Há alguns anos, inspirado no teatro de rua do grupo "Alegria, Alegria" que de vez em quando a gente encontrava no calçadão da rua João Pessoa, em Natal, escrevi um texto para teatro que imaginei de fácil encenação. Para ser levado em espaços públicos, escolas, meios de rua, praças, qualquer lugar onde fosse possível juntar um magote de gente para se divertir com uma tosca mas interessante encenação teatral sobre coisas básicas da vida - e justamente por isso muitas vezes desprezadas: amor, generosidade, inocência e fé. Se havia a necessidade de um cenário que fosse, pensei na carroceria de um caminhão, certamente influenciado, ainda que inconscientemente, por um fenômeno do interior seridoense de onde venho, que é o grande número de pais de família que ganham a vida como caminhoneiros. Um fenômeno que enchia as ruas da cidade com aquelas imensas carrocerias. Quando menino, morei ao lado de um caminhoneiro, Joares. O pai de meu primo Max também era caminhoneiro. Meu próprio pai não o era, mas, feirante, cansou de fretar - alugar, na linguagem oficial - caminhonetes para transportar frutas dos sítios do Seridó para cidades maiores como Natal, Campina Grande ou Caicó. Eram tantos profissionais da estrada que a cidade acabou criando uma hoje tradicional Festa do Caminhoneiro.

O resultado dessas duas inspirações foi o texto teatral "O Poema do Caminhão", que foi me aparecendo quase pronto na ponta dos dedos que o digitavam, e já em forma de versos - o que, não parece mas é verdade, me causou um problema circunstancial, o fato de durante alguns dias eu me ver raciocinando em rimas. Sério. Quando começei a me preocupar com aquilo, terminei o texto (a versão inicial foi escrita em três dias) e a mania do pensamento rimado sumiu - ainda bem. O texto foi feito rapidinho porque eu queria inscrevê-lo num concurso da Prefeitura de Natal. Meu amigão Carlos Magno Araújo não se perdoa até hoje por ter ido inscrever o petardo com um dia de atraso. Sossegue, Carlos Magno, que foi muito melhor assim, você sabe, porque uns dois anos depois pude inscrever o mesmíssimo texto num concurso nacional da Funarte, do qual ele sairia com o prêmio de primeiro lugar na categoria teatro infanto-juvenil pelas regiões Centro-Oeste e Norte.

Agora, o Poema do Caminhão vai sair de novo da gaveta e me dar um punhado de alegrias a mais. Ele ainda não vai ser encenado - algum dia, isso vai acontecer, eu sei, e se depender de mim será num meio de rua, tipo ali na Feira do Alecrim ou no Mercado de Caícó, ou em meio à Festa de Agosto nas limpas ruas de paralelepípedos de Acari (como a da foto que ilustra o post) ou ao lado do ginásio Ovidão, em Parelhas. Por hora, "O Poema do Caminhão" vai virar livro, o que não é pouco. Vai ganhar status de coisa publicada e, veja só, editado pelas mãos ultra-exigentes do nosso outro amigo Adriano de Sousa (uma pessoa que, saliente-se, reza pela cartilha do "amigos amigos literatura à parte" e não preciso dizer mais nada). Adriano e Flávia estão abrindo uma nova editora de livros em Natal e decidiram começar com três textos - um deles é o Poema, que chamou a atenção dele pelo fato de misturar teatro, poesia e musical. Estou honradíssimo e quem conhece os parâmetros de Adriano há de entender por quê.

O fato é que "O Poema do Caminhão", o livro, com a transcrição muitíssimo bem editada do texto teatral original, será lançado na próxima quarta-feira, em Natal, juntamente com os outros dois livros que abrem a nova editora. Por isso, antecipei uma semana das minhas férias de julho/agosto e estou seguindo para Natal amanhã, sábado, onde fico até o sábado seguinte. Não preciso dizer que este texto é um convite para que toda a comunidade do Sopão vá ao lançamento, uma oportunidade de a gente se encontrar - e aqui me refiro aos leitores conhecidos e aos nem tanto, já que de vez em quanto fico sabendo do caso de uma pessoa ou outra que gosta do blogue embora não deixe comentários. Assim que souber do local e horário exatos do lançamento, informo aqui pelo blogue que, a partir de amanhã, vai ser alimentado de lan houses, cafés internáuticos, do computador de minha cunhada Titina e onde mais eu encontrar chance de conversar com vocês. Até lá.

Minha viagem com Amy (FINAL)


Aqui chegamos, encerrado o flash back, ao mesmo momento da primeira postagem desta série. Hoje, a caminho do trabalho, botei o CD Fridadeira Musical no carro e senti o impacto sonoro da voz pastosa, do estilo quente, do timbre negro da branquela autodestrutiva Amy Winehouse. Não fico lendo sobre os porres dela, não me impressiono com sua estampa retocadamente decadente, não me identifico muito com esse lance de "o mundo é uma merda e por isso vou beber até morrer". Mas a maneira como Amy Winehouse canta, colocando aquela voz saturada de humanidade e juventude inútil sobre bases que lembram a musicalidade inocente dos anos 50 (ao menos nas faixas que ouvi, e não me pergunte quais são, porque não sei os nomes) dispensa qualquer moldura. Ela se basta - e se efetivamente morrer amanhã ou depois depois da enésima bebedeira eu sinto muito, meu bem, mas talvez não fosse para tanto. Bastava seguir cantando. Idem para Cássia Eller, idem para Renato Russo. Antes de qualquer coisa, essas figuras, sabe-se lá porquê, são excelentes cantores.


E deve ser por isso que gostei tanto de Amy Winehouse sem ingressar no culto à estampa mercadológica de sua figura. É que eu gosto de cantores: gosto, por exemplo, de Tony Bennett, que meu outro amigo, Plácido Fernandes, ouvinte exigente, não aprecia. É um negócio pessoal: gostei de Winehouse como gosto de Tony Bennett, como gosto de Mart'nália (ela merece uma postagem à parte, com aquele desempenho que mantém no ar os últimos ecos da voz de Cássia Eller), como gosto daquele disco de canções italianas que Renato Russo fez, numa postura assumida de intérprete, como gosto de Roberto Carlos.


Agora sim, eu vou ouvir, com cuidado e atenção, o CD original de Amy Winehouse que Carlão fez questão de me enviar, pelo Correio, como quem faz questão de marcar presença e não sossega enquanto não divide com um amigo uma descoberta genial. Vou ouvir, Carlão, e muito, pode ficar certo.

Minha viagem com Amy (3)

Por mais que eu e Carlão rodássemos pelas lojas, nenhuma tinha o CD de Amy Winehouse. Ao menos não a versão mais barata, com capa de papelão, pela metade do preço. Descobrimos, numa loja da rede 2001, a principal de Brasília (a caminho de fechar de vez, infelizmente) que o disco chegaria em alguns dias, um pedido havia sido feito, porque todos os que estavam disponíveis haviam sido vendidos rapidinho. Carlão já não gostou: êpa, já tá ficando popular demais! E eu não gostei da reação dele: êpa, deixa de frescura de exclusivismo de intelectual! Carlão foi embora e, até a última hora, tentou achar o disco para me dar de presente. Mas nem na loja do aeroporto o encontramos. Eu já estava achando aquilo um exagero, mas se há alguma coisa que me liga ao meu amigo Carlão é um negócio chamado paciência - pode perguntar a ele que ele vai confirmar. Carlão, quando não se sente muito à vontade em determinada situação, é tomado por uma ansiedade capaz de fazer estremecer uma multidão. Mas disfarça tudo muito bem com uma boa dose de auto-ironia. Eu sou tão ansioso quanto ele - ou mais - mas escondo o liquidificador interno usando uma capa de semicatatonia nas ruas por onde ando. Resultado: ele parecia uma mula teimosa num curral desconhecido, eu, um monge alienado numa casa pegando fogo. Amy Winehouse iria se divertir muito vendo essa dupla vagando pela seca de Brasília em busca de um CD com sua voz.

Vulgaridades literárias à parte, Carlão se foi. E eu, atento àquela importância que ele deu a Amy Winehouse, resolvi esquecer todo o marketing tipo "vou botar pra foder comigo mesma" da moça e fazer um teste. Desses que todo mundo faz: consegui, nas fontes alternativas da internet, umas músicas cantadas pela bad girl. Com as músicas devidamente abrigadas no meu computador, ouvi alguma coisa mas não me impressionei muito. Indiferente - acontece, as circunstâncias às vezes são tudo na vida da pessoa - , passei tudo para mais um dos meus inúmeros CDs caseiros de coletâneas, escrevi com aquelas canetas especiais um nome no bicho - "Fritadeira Musical" - e esqueci o petardo por ali pelas mesas.

(CONTINUA)

Minha viagem com Amy (2)

Era ela. Amy Winehouse entrou na vinha vida pelos olhos, antes de preencher docemente os meus ouvidos, com sua voz que mais parece uma língua rugosa massageando tecidos sensíveis. Foi numa manhã qualquer de uns meses atrás, quando eu lia, página por página - que é como faço, com essa obsessão de não pular nada, o que já é quase um toc robertocarliano - um exemplar da revista Rolling Stone. Na virada comum de uma página, ela surge toda tatuada, parecendo uma égua pop, com aquele cabelão setentista, aqueles lábios de sorvedouro e, sim, aquele cheirinho a esta altura até meio enjoado que mistura bafo de álcool com odor de marketing. Eu li aquilo como quem tira sarro de uma piada, impressionado com a capacidade de jornalistas cults em retocar uma imagem, reproduzindo pela enésima vez um procedimento que a gente já viu com tantos outros. Mas revistas não tocam - e eu fiquei sem ouvir e sem sentir a presença vocal daquela moça que me pareceu programadamente esquisita, de uma autodestrutividade tão estilosa quanto forçada. Amy Winehouse não me engana, pensei, ao fechar a revista. Mas fiquei com uma coisa na cabeça: quem ia gostar dessa moça é meu amigo Carlos de Souza. Ela é bem o tipo de persona musical de que ele gosta. Como dizem, passou.

Aí veio uma elipse até o que em que meu amigo Carlos de Souza, justo ele, anunciou que estava vindo passar um dia em Brasília. Vivas! Diversão pela frente! Algumas horas com um velho amigo, uns passeios pela cidade na companhia de uma pessoa que naturalmente dá uma cara nova aos lugares por onde a gente passa todo dia, promessas de novidades na inevitável troca de recomendações sobre livros e discos à mão cheia. E Carlão, logo no início da nossa ronda pelaí, cismou de me comprar um CD de... Amy Winehouse, o que serviu de desculpa pra gente bater pernas por um bom número de lojas de discos da cidade.

(CONTINUA)

Minha viagem com Amy (1)

Quatro horas da tarde em ponto. Eu, como sempre, saio de casa na última hora, em dia com o meu atraso, rumo ao trabalho. Num jato visual, sobrevôo com pressa o entulho organizado de jornais, papéis, CDs, livros e revistas sobre o birô que nos serve de escritório na sala, pertinho da porta. Recolho um disco que você não vai encontrar em loja nenhuma. Coisa exclusiva, estilo "eu que fiz". Mais uma das dezenas de coletânas que me divirto fazendo a partir dos CDs que fui comprando ao longo do tempo e outras fontes mais. "Fritada Musical" é o nome do CD - tenho essa mania estranha de botar nomes neles, preparar uma capinha caprichada usando fotos ou ilustrações prontas no computador. Num interminável segundo, estou na garagem, e noutro, saindo da quadra, mais um pouco, mais outro e já estou serpenteado pela 316, logo ali abaixo, e mais outro tanto e pronto - aqui estou eu navegando célere na via L4, uma espécie de Via Costeira que, à guisa do mar, tem o Lago Paranoá como margem do caminho. É quando enfio no CD player do carro o disco que capturei apressado ao sair de casa.

Neste momento, dá-se algum fenônemo paramusical de efeito de alta duração e reverberação potencial super-extensiva. Tudo porque o carro, praticamente fechado, é envolvido em uma pastosa voz feminina, uma gutural cantiga de acento meio blues mas ao mesmo tempo despudoradamente pop, uma cantora daquelas que anula tudo em volta quando está exercendo seu ofício ou cumprindo seu papel neste mundo (às vezes, num momento de elevação humana, essas duas coisas coincidem). Um negócio meio Nina Simone e meio Janis Joplin, como uma Marisa Monte lubrificada pelas sarjetas ou um Tom Waits vincado por fisiologias e angústias femininas. Foi então que caiu a ficha: era ela. Amy Winehouse.

(CONTINUA NA PRÓXIMA POSTAGEM)

terça-feira, 17 de junho de 2008

TV Sopão

O centenário da imigração japonesa se transformou em pauta obrigatória. A TV Câmara também entrou nessa história e produziu duas reportagens especiais sobre a saga dos imigrantes japoneses, a história impressionante de quem fez parte dela, as memórias sobre os chamados "velhos imigrantes", a influência cultural mútua que uniu japoneses e brasileiros. Trabalhei mais de uma semana seguida na edição das duas reportagens e, encerrada a missão, posso dizer que foi um dos mais gratificantes trabalhos que já fiz nessa vida besta de editor de textos para televisão. Divido o resultado com a audiência mais do que seleta do Sopão. Basta procurar no link abaixo. A reportagem é de Ariadne Oliveira (a mesma loura eficiente da série sobre o saneamento, que a levou até Natal e Acari), a edição de imagens é de Cláudio Lisboa, as vinhetas de Ricardo Brant, as imagens do cinegrafista Leandro Bailão, da TV Assembléia/SP. Segue o link:

http://intranet2.camara.gov.br/internet/tv

Uma vez no endereço acima, clique em "Conheça os Programas", depois em "Panorama", e depois é só ver a reportagem no primeiro bloco do programa.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

A sucursal
















O guia gastronômico do Sopão mostra agora as primeiras fotos do Mangai de Brasília. Aquelas argolas brilhantes na primeira imagem são os arcos da ponte JK. E pelo sol da tarde que bate nas mesas da penúltima foto dá para se ter uma idéia do quanto agradável ficou o lugar.


O Mangai de Brasília

Um pouquinho de Natal se mudou para Brasília desde a semana passada. Na última quarta-feira, foi aberta aqui a filial do restaurante Mangai, aquele especializado em comida sertaneja que vive lotado de turistas e natalenses ali em Lagoa Seca (ou será Lagoa Nova?), em Natal, e que começou em João Pessoa, embora seja de propriedade de gente da capital potiguar. Depois de Ponta Negra, do Midway e do ruge-ruge de Nova Parnamirim, o Mangai é um das coisas de que mais gosto em Natal. Pode me xingar de turista deslumbrado que não vai fazer diferença. O máximo que posso fazer é dizer que também sou fissurado no Farofa D´água, aquele outro restaurante regional de Ponta Negra, e em subir e descer a Ladeira do Sol assim que boto os pés na cidade.

Dito isso, já vou contando vantagem: pois o Mangai de Brasília, acreditem, é muito melhor do que o de Natal (do de João Pessoa, que foi o primeiro onde comi, nem se fala). Os donos do restaurante botaram para quebrar: comprar um super-terreno, uma coisa latifundiária à beira do lago Paranoá, bem em frente ao novo cartão postal da capital do país, a ponte JK. Você come vendo a ponte e o lago. Se ventar um pouco mais forte basta fechar os olhos para você ter a sensação de que está ali nas imediações da Salgado Filho sentido a brisa de Natal. Se não fosse a umidade baixa, claro, que irrita o nariz da gente por aqui e estraga qualquer fantasia. Neste terrenão, ergueram o restaurante, um super-pavilhão de pé direito altíssimo e muito, mas muito, espaço vago entre as mesas. Pelos recantos, a decoração temática que é outra marca do Mangai. Em Natal tem aquela lagoa artificial cheia de peixes. Aqui, sabe o que eles fizeram? treparam no alto de uma parede uma Rural - sim, uma Rural, aquele carro antigo, caindo de velha e esborrotando de cheia, com sacos, trouxas, caçuás e afins, e a inscrição na porta: "De Catolé do Rocha para Brasília", referência à saga dos candangos. A comida, que é o mais importante, é a mesmíssima de Natal. Até as bananas estão penduradas num paredão, embora eu desconfie muito de que aqui a clientela vai ficar com vergonha de pegar as bichinhas e comer junto com feijão, arroz, carne e farofa, como se faz - eu, pelo menos, faço - lá em Natal.

Aqui, um parênteses pessoal: prefiro o Mangai para jantar. Talvez pelo fato de dona Isabel, minha sogra, levar a gente lá sempre à noite quando estamos em Natal; Dona Isabel é fã número um do Mangai e uma espécie de álibi pra mim, já que sempre me acompanha no saque das bananas penduradas. Mas o almoço cai melhor no Farofa ou no Bidoca, onde a comida é menos seca. Mas para jantar, já é melhor o Mangai, ao menos para mim, porque como menos - e, em Natal, não está tão lotado quanto de dia. Aí tenho mais sossego pra ir mais na degustação refinada do que no apetite grosseiro, com a família toda - Rejane, os meninos, minha mãe, dona Isabel, Fabinha, Sandra e Novo, Raísa, Titina e César - reunida, que beleza.

Mas não esperei pelo jantar nesse sábado, quando fomos conhecer o Mangai de Brasília. Juntei a fome com a vontade de comer e me inaugurei junto com a nova casa. Cinco horas e muitos outros passeis depois, eu continuava com a sensação de saciedade no ponto, sem sombra de fome, e percebi assim o quanto é de "sustância" a culinário sertaneja. E o terração que tem lá fora, na parte externa do restaurante, pra você fazer a digestão numa cadeira, num sofá ou numa rede enquanto espia a tal da terceira ponte ao anoitecer? Eu não sabia se estava em Brasília, em Natal ou diante da Baía de Sidney, na Austrália. Não fosse a seca do Planalto Central acabar com a festa, como sempre nesta época.

Vamos voltar sempre: agora só falta abrirem uma sucursal do Midway, uma Ponta Negra artificial ou quem sabe, já que a vontade é o limite, uma loja da Locadora Planalto e vamos sentir bem menos falta de Natal quando a seca de Brasília apertar.

Geléia, calções e o aquecimento global


Desde que esse blogue começou a ser feito, há uma postagem que eu quero escrever e acabo sempre adiando. O curioso é que se trata de um assunto da maior importância, embora de caráter absolutamente doméstico. Para vocês verem que nem sempre um assunto comum e cotidiano, diria mais, de natureza praticamente familiar, pode ser julgado como insignificante diante dos grandes dilemas mundiais. Pois este é bem o caso: quero falar, com um atraso de mais de um ano, sobre duas coisas que para mim são vitais do ponto de vista da sobrevivência mesmo da vida no planeta. Não se assustem, que não me refiro ao aquecimento global nem ao crescimento desordenado das nossas cidades - embora as duas coisas de que quero falar tenham, por outra perspectiva, tudo a ver com esses dois dramas mundiais. Afinal, você deve estar se perguntando, que assunto tão importante é esse que o Sopão remexe, remexe, remexe, mas nunca bota na mesa?


Como diria o professor Moacyr Cirne, elementar, meus caros: a geléia de Iolete e os calções de Nazaré. Surpresa? Nenhuma, em dois parágrafos eu provo por a mais b que esses dois produtos made in Acari têm muito mais a ver com a manutenção da boa qualidade de vida na Terra do que supõe a nossa vã militância radical-chic-ecológica. Pois bem: há coisa de dois anos, eu não começo o dia sem antes comer um pouquinho que seja da geléia de Iolete, desde a bentida data em que a descobri, nem sei mais exatamente como, mas certamente numa das visitas períodicas que fazemos eu, Rejane e os meninos a Acari. A geléia de Iolete é vendida num potão deste tamanho, por módicos R$ 6 (preço praticado na Rede Seridó de supermercados, segundo me informa etiqueta), mas, sem querer inflacionar o mercado, digo com tranqüilidade que poderia custar muito mais - por baixo, uns R$ 10. Tem a textura certa da boa geléia de goiaba, o doce no ponto exato, a consistência ideal que só o produto artesanal já alvoroçadinho para se tornar de amplo consumo consegue. Por isso, aqui em casa praticamente não entram mais essas geléias compradas no supermercado. Não tem por quê. Além do mais, o pote que a gente compra quando vai a Acari demora uns três meses para acabar (como todo dia, em cima do pão, no café da manhã, mas bem pouquinho, porque da moderação depende a vida sobre a Terra, vocês sabem). E, quando acaba, sempre vem alguém de Acari pra Brasília e minha cunhada Sandra, conhecedora de meus caprichos culinários, manda outra embalagem lacradinha.


Vocês tenham paciência com essa lorota familiar que no parágrafo seguinte eu prometo ampliar a questão e dizer onde, finalmente, a geléia tangencia o aquecimento. Este aqui tenho que gastar explicando que é também minha cunhada Sandra a pessoa responsável pelo segundo produto made in Acari que faz parte da minha vida. São os calções de Nazaré, costureira supimpa que regularmente confecciona especialmente para mim calções caseiros, daqueles frouxos e confortáveis, atados com elástico que é para não causar refluxo e outras enfermidades afins, em tecidos leves como sugere o nosso clima e em estampas que Sandrinha escolhe no capricho (ou então, iguais às estampas de uma peça de roupa ou outra que ela fez para Rejane e aí restou um tecidozinho e, permaculturalmente falando, se dá um jeito de aproveitar a sobra). Os calções de Nazaré acabam me saindo de graça - são um presente que Sandra me manda regularmente, quando eu menos espero. É verdade que nos últimos meses, depois que Cecília e Bernardo chegaram e cresceram, eu fiquei meio em segundo plano. Os dois recebem pilhas de roupinhas - Bernardo tem bermudas e camisas de gola suficientes para até quando fizer 15 anos; Cecília quase estréia uma "jardineira" por dia - enquanto eu vou ficando no canto, tendo que recorrer à velha Riachuelo de guerra.


Resumo da ópera, digo, da loja: consumindo a geléia de Iolete, eu faço minha parte aqui, dou minha contribuiçãozinha para o fortalecimento do comércio regional, meu incentivo para que o planeta não vire uma grande planta industrial (embora, alto lá, eu aprecie muito um produto industrial também, cada coisa em seu lugar), meu pequeno gesto de reconhecimento ao trabalho de uma pessoa que divide com os nossos paladares o seu talento para fazer doces, tira dele um sustento, dá, com ele, sua contribuição para a economia da terra - lendo-se aqui a palavra economia num sentido menos numérico e mais (eco)lógico. Por isso, pensando globalmente e agindo localmente como diz o ditado, para mim há momentos que a geléia de Iolete é muito mais importante do que a Nestlé e a Sadia juntas.


E quanto aos calções de Nazaré, vale raciocínio semelhante. Uma vez Manoel de Barnabé, lá de Acari, perguntou a Sandra por que danado eu uso os calções de Nazaré quando a moda é o das lojas (Manoel é comerciante, também faz a parte dele, mas quis puxar a sardinha para sua banca, eu compreendo). Pois eu aproveito para responder: e por que danado os calções de surfista da C&A ou as bermudas de tecido sintético de plástico da Rener são melhores do que os de pano macio que Nazaré costura? A minha moda faço eu, recorrendo ao produto de melhor qualidade, e ainda por cima personalizado (a não ser quando eu saio com o calção e Rejane com a calça comprida feitos na mesma estampa) que Nazaré costura só pra mim. Aliás, antes que se pense que estou fazendo propaganda encomedada, adianto que nem conheço pessoalmente nenhuma das duas. Nem Nazaré nem Iolete. Mas provando da geléia da primeira e usando os calções da segunda, é como se elas fossem, como se diz no interior, "de casa". E são mesmo, afinal o produto do trabalho delas está sempre na mesa e nas gavetas daqui de casa.
Viva a geléia de Iolete e os calções de Nazaré! E outros produtos que existem por aí, feitos nas pequenas cidades de indústria incipiente mas tocada com carinho e dedicação por este sertão brasileiro afora. Você que me lê agora certamente lembrou de algum produto similar à geléia de Iolete e aos calções de Nazaré que consome e não troca por outro. Pode ser um tipo de bolacha que só é feito em Caicó, pode ser aquela cocadinha que aquele menino vende todo santo dia na repartição onde você trabalha exatamente depois do almoço (havia um assim na Residência Universitário onde morei que, quando não aparecia, me deixava em profunda crise de abstinência). Pare e pense. Se quiser, anote aí nos comentários, só pra gente ter uma idéia de como este mundo, apesar de todo o seu lado sombrio, ainda está cheio de geléias de Iolete e calções de Nazaré, pelo bem do planeta e da humanidade.
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Legenda
Na foto, cadeiras de ferro e plástico que minha mãe comprou para a casa dela em Parelhas, vistas aí na casa de Sandra em Acari.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Dois cineastas e o registro de uma época



Desde que eu me entendo por gente que gosta de ir ao cinema, confundo Sidney Lumet com Sidney Pollack. O segundo morreu há pouco tempo e foi tema de obituários na imprensa inteira. O segundo, com mais de 80 anos de idade, é o diretor de um dos filmes mais badalados entre as estréias desta semana, "Antes que o diabo saiba que você está morto". No fundo, os filmes dos dois têm uma cara parecida. Digo isso só puxando pela memória - e recorrendo às impressões imediatas que os nomes dos filmes e dos diretores me trazem. Mas não acho que esteja enganado.

O primeiro dirigiu "Um dia de cão" (foto acima), o filme que é a cara dos anos 70, com aquele assalto que se transforma num estressante e midiático acontecimento urbano entre os arranha-céus de Nova York. Também é o cineasta por trás de filmes como "Rede de Intrigas", aquele outro tratado setentista sobre os excessos de poder das celebridades televisivas, e "O Veredicto", drama judiciário estrelado por Paul Newman. O segundo dirigiu "Tootsie", um primor de comédia que conseguiu se destacar na cinatografia norte-americana mesmo retomando o velho mote do filme sobre o homem que se veste de mulher, à sombra do perigoso paradigma que foi "Quanto mais quente melhor", a clássica comédia de Billy Wilder. Também é o cineasta por trás de filmes como "Os três dias do condor", ponta de lança de um certo gênero de espionagem muito praticado sob as sombras da guerra fria, "A firma", drama de tribunal adaptado para o cinema a partir do best seller de John Grisham, e "A Intérprete", suspense recheado de intrigas internacionais que serviu de veículo para a estrela Nicole Kidman, como o anterior serviu a Tom Cruise.

Fala a verdade: são ou não são filmes, temáticas, atmosferas cinematográficas parecidas? Não são diretores de filmes retirados da gaveta onde disputam vaidades os cineastas mais autorais, mas mesmo assim cresci indo ao cinema, vendo filmes por meio do velho videocassete e gostando dos filmes que eles fazem. Acho que, somados, vistos em conjunto ou sem grandes expectativas do ponto de vista da linguagem, tais filmes formam um painel de determinado segmento da humanidade em determinado momento e determinado local de sua existência. Se eu penso nos anos 70 ou 80, a imagem que surge na minha frente tem muito a ver com um filme de Sidney Lumet, quer dizer, Sidney Pollack - quer dizer, ambos. É como os velhos filmes brasileiros que o Canal Brasil reapresenta todo dia. Experimente ver um daqueles que passam numa manhã de sábado ou tarde de domingo e você verá ali, para além da precariedade da coisa filmada, um documento sobre um país e uma era - ambos muito mudados de lá para cá. E o cinema também serve para isso. Nem tudo é manifesto, estatuto estético ou revolução anunciada.

Os ricos detalhes da biografia



Tenho um senhor motivo para ter sumido daqui nos últimos dias. Só não sei de terá a aprovação de vocês. Mas garanto que, pra mim, tem sido um motivo e tanto. É que estou lendo a biografia de Roberto Carlos, aquela do rei "Em detalhes", o livro que foi recolhido das livrarias mas não a tempo de deixar de ser comprado por um bando de gente, que agora trata de passar para a frente, como fez meu amigo Silvério Rios, me emprestando um dos exemplares que comprou (ele gostou tanto que adquiriu vários e presentou os amigos). Para quem já leu "Eu não sou cachorro, não", é mais um petardo genial do neo-historiador Paulo César de Araújo, esse brasileiro comum originário de Vitória da Conquista (BA), conhecedor do Brasil mais profundo - aquele que inclui as metrópoles, mas também habita territórios distantes da costa e das capitais. A leitura de "Roberto Carlos em detalhes" - e a briga judicial que o artista declarou ao seu biógrafo fica bem apequenada diante do belo trabalho de Paulo César - consolida posições que o autor já havia exposto com coragem e tarimba no livro anterior.

Se em "Eu não sou cachorro...", Paulo César mostra como a história da música brasileira tem sido contada com um ranço de exclusão, ao negar a existência e o sucesso de músicos, cantores e compositores desaprovados pelo padrão de bom gosto da classe média urbana e intelectualizada dos litorais, em "RC em detalhes" ele aplica sua tese à trajetória do maior artista popular do Brasil. E vai comprovando, de capítulo em capítulo, de acontecimento em acontecimento da grande escalada que levou à consagração de Roberto, cada um dos pontos anteriormente levantados. A esnobação do iê-iê-iê, o descarte da música de Roberto e Erasmo como produto de jovens ignorantes da periferia carioca, a insistência em apropriar-se da bossa nova e definir a partir dela - e somente a partir dela - o que tem ou não qualidade na música que o Brasil ouve ou deixa de ouvir. Há um momento do livro em que Paulo César faz uma brilhante distinção: entre bossa nova em letras minúsculas e Bossa Nova, assim, com iniciais em caixa alta. Ele observa que a segunda é uma apropriação da primeira, inventada não por Carlos Lira ou Menescal, mas por João Gilberto a partir da experiência dele também com os ritmos do interior do Brasil, o que escapava aos jovens dos apartamentos de Ipanema que até hoje dão entrevistas autoproclamando-se detentores do gênero. Paulo César diz que existiu a Bossa Nova de maiúsculas, restrita a um grupo pelo menos enquanto esse mesmo grupo conseguiu manter sua música fora do alcance de "qualquer um"; e existiu a bossa nova, o gênero, em letras comuns, sem estar preso às paredes excludentes de um movimento musical mantido por iniciados.

Disso tudo você já pode ir concluindo que "Roberto Carlos em detalhes" vai muito além de uma historinha de como ele se tornou o rei. O crescimento de Roberto como artista, a maneira como organizou a carreira, os obstáculos que teve de pacientemente enfrentar - e não pense que foram poucos -, os detalhes íntimos da vida do astro que contribuíram para dar à sua música o formato consagrado que ela tem, tudo isso é uma fascinante matéria de leitura no livro. Mas também contribui para enriquecer o livro o painel que Paulo César constrói em torno desse caso de sucesso brasileiro e mundial, a análise da vida e da obra de Roberto como pretexto para erigir uma nova historiografia da música brasileira, assim como a investigação que faz sobre o caráter pronfundamente brasileiro do cantor e compositor - é impressionante como também o artista guarda essas características, como se sua pessoa resultasse de um corte tranversal na carne desse nosso povo tão variado e ao mesmo tempo tão indivisível. O que explica, também, outra profundidade - a do flagrante processo de identificação que liga Paulo César ao seu objeto de estudo, melhor dizendo, ao seu ídolo, Roberto Carlos.

Ainda faltam uns quatro capítulos, mas já sei que o livro não poderá contar, por impossibilidade legal ou técnica, a história à parte de como sua publicação irritou Roberto Carlos e resvalou para um acordo judicial que retirou o título das livrarias. Seria um belo capítulo final para o futuro (quando, quiçá a venda do livro sendo liberada, Paulo César porventura encerre sua história com um posfácio ou capítulo adicional somente para narrar a briga judicial), não fosse, diante da leitura do livro em si, esse que não pode mais ser vendido, um adendo pequeno, mesquinho, quase ingênuo por parte de um artista que teve de remover de seu caminho montanhas bem mais significativas. Mas, de certa maneira, até essa interdição contribui para a humanização de Roberto Carlos, processo contra o qual o próprio artista, inutilmente, luta. Ele devia era agradecer por um estudo intelectualmente tão honesto sobra a sua presença definitiva no coração de gerações de brasileiros.