terça-feira, 24 de novembro de 2009

Meu tio Ahmadinejad


O sujeito é feioso como o capeta, tem um nome impronunciável, padece de uma falta de charme a toda prova, vem de um parte do mundo onde as mulheres andam cobertas que nem almas penadas e ainda por cima, dizem as más línguas, tem na garagem do quintal um artefato quase pronto para detonar o mundo. É muita concentração de maldade por metro quadrado de uma pessoa só. Mas o pior mesmo é que, apesar de tão maligno e nefasto, o danado do - vamos lá, a gente consegue - ahmadinejad (a quem, por questões menos de simpatia do que de praticidade puramente lulista passarei a chamar de "camarada ahma" pelos próximos parágrafos) tem um quê daquele nosso tio que, ao contrário da família inteira, sempre insistiu em viver recluso no sítio da família que um dia foi até legalzinho mas ultimamente virou uma ruína só.

Repare nas fotos nos jornais e na internet: o camarada ahma tem ou não tem um ar de seridoense ermitão, daqueles que só dão as caras "na rua" quando é festa do padroeiro? E quando a gente fica sabendo que o indigitado nega o holocausto, aí é que a semelhança aumenta. Não por questões maiores de História com h maiúsculo, mas por mera coincidência com os hábitos e manias daqueles nossos tipos esquecidos pela família e pelo mundo lá num sitiozinho onde o diabo - ops - fez sua morada. Esse tipo de tio, de péssimo humor e pouquíssima paciência, é bem o tipo da pessoa que adora negar os eventos históricos que surpreendem a humanidade. Ou você não tem um tio esquisitão que jura de pés junto, até hoje, que essa história de homem na lua é lorota de uma tal de televisão?

O fato é que, de dois dias para cá, o "camarada ahma" tem sido demonizado de tal maneira e com tal intensidade que o efeito contrário é inevitável. Não é que a gente simpatize com o regime vigente no Irã - pobre Irã, se a gente lembrar do que vinha antes do atual regime aí é que a porca torce o rabo, como diz meu tio recluso e ermitão - nem que tenha predileção pelos fundamentalimos desse povo tão sem graça. É que, mesmo com todo o saco de maldades que eles carregam, andam levando tanta pedrada que dá pena. E pena, você sabe, gera simpatia - uma coisa leva à outra.

E tudo isso fica pior ainda quando a gente desconfia - com a desconfiança que herdamos daqueles tios que se isolaram lá longe nos grotões das serras - que o apedrejamento geral não se destina exatamente ao feio, sujo e malvado camarada Ahma, mas àquele outro cara, que se não parece com nossos tios arredios, também não deixa de ter certa semelhança com outros membros da família - como aquele nosso outro tio, simpaticão e boa-praça, embora grosso e analfabeto.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

No trampolim do tempo


Andei fazendo umas pesquisas para escrever o artigo desta semana do "Novo Jornal" - a coluna sai amanhã, mas antecipo aqui o tema - e quando vi estava era me divertindo com as mil e uma histórias da base aérea norte-americana instalada em Parnamirim durante a II Guerra Mundial - pois é, o tema é este, mas visto por uma ótica, digamos, mais atual. Enfim, a idéia era pescar informações sobre a vida natalense daqueles tempos para usar como subsídio no artigo, mas viciados em curiosidades são uma raça que não merece a menor consideração, vocês sabem. Como dizia, quando vi estava me divertindo com os detalhes da época, alguns dos quais usei no texto, outros tive que deixar de fora por questão de espaço.

Um exemplo é a história com agá minúsculo sobre como surgiu a hiperinflação de guerra nos tempos da dita cuja em Natal. Com a chegada daquele bando de ianques cheios dos dólares, era inevitável que os preços subissem qual foguete da ainda não existente Barreira do Inferno. Alta inflacionária ainda mais destacada quando a gente se lembra que a Natal daqueles tempos era quase uma aldeia, quando comparada à atual, com seus bem contadinhos 52 mil habitantes. Mas vamos à história da gênese dessa inflação deslumbrada, que, como disse, tive que deixar de fora do artigo: dizem que um soldado americano precisou comprar uma banana de um vendedor de rua - ele obviamente sem falar sequer um portunhol de terceira; o outro, coitado, mal falando português de salão. Então o americano teria, sabe-se lá como, dado um jeito de perguntar "quanto é a banana?"; ao que o vendedor de rua, apelando para linguagem universal dos dedões fazendo desenhos no ar - o mais básico dos dialetos de Dakar a Passa e Fica - levantou o indicador para cima, como a dizer "um". O americano não teve dúvida, meteu a mão no bolso e pagou a banada com um dolar - por baixo, cinco vezes o valor da mercadoria, no câmbio dos historiadores consultados. E foi assim que, da noite para o dia, blecautes incluídos, tudo em Natal passou a custar cinco vezes mais - desde que, claro, o interessado falasse aquela língua enrolada e imcompreensível.

Mas trouxe esse adendo ao artigo aqui para o Sopão com outro objetivo. Alguma coisa mais elevada do que essa piada economicamente incorreta. É que, inevitavelmente, esbarrei naquele célebre encontro dos presidentes do EUA e Brasil, Roosevelt e Getúlio, desfilando em jipe aberto em algum lugar entre a Cidade Alta e a Ribeira, em plena Natal temporariamente globalizada. E fiquei maturando: e se, por um desses artifícios caprichosos, tecnológicos e impossíveis da História com h maiúsculo, fosse possível às autoridades do mundo atual se teletransportar no tempo, como acontece em seriados de tevê? E se, por um artifício desses, Obama e Lula surgissem, como que por um milagre temporal, bem no lugar que Roosevelt e Vargas ocupavam no tal jipe?

O que pensariam natalenses e americanos daquela cena? Você se arriscaria a ir junto na máquina do tempo para tentar explicar à platéia quem eram aquelas pessoas, de onde vieram e como foram parar ali ("parar ali" é, note-se, uma expressão das mais ambíguas, que tanto quer dizer ali, no passado, quanto ali, nos cargos que eles ocupam no futuro, quer dizer, no presente)? Imagine o espanto dos brasileiros quando você afirmasse que, calma, também não é assim uma III Guerra Mundial - aquela dupla de caboclinhos no jipe eram apenas o presidente do Brasil e o presidente dos EUA. O que ia ter de gente indignada pelo fato de o presidente brasileiro ser aquele crioulo não tá escrito. Agora imagine o choque quando você disesse que o negão em questão não era o presidente do Brasil, mas o dos EUA. E que o outro, aquele com cara de auxiliar de borracharia, mas pelo menos branco, é que era o presidente do Brasil. Oh!

Pra gente ver do que a tal História é capaz, com seus caprichos e sua imprevisibilidade. Bom, para outras suposições, bem mais comezinhas, entre o que teria acontecido em Natal se a gente bagunçasse a História com base nos eventos que movimentaram "Parnamirim Field" nos anos da II Guerra, leia amanhã o artigo semanal no "Novo Jornal".

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Já começou a pancadaria


Mal foi exibido pela primeira vez, abrindo o Festival de Brasília, e já começou a previsível pancadaria da manada midiática no filme "Lula, o Filho do Brasil", que Luiz Carlos Barreto produziu e seu filho, Fábio Barreto, dirigiu. Vai ser um massacre, porque o filme se enquadra, coitadinho, perfeitamente no papel de um produto destinado sofrer todo tipo de reserva por parte das multidões elegantes e distintas, prontas para atirar pedras em qualquer coisa que venha do ex-sapo barbudo. Então, amigos (alô, Tarciano, espero mesmo estar falando "entre amigos"), preparem-se. Porque, pelo jeito, o filme - a que não assisti, como sempre serei o último - tem tudo para reforçar um a um os preconceitos de quem não suporta a figura de um Lula brasileirão na Presidência da República. E, da mesma maneira, apenas visto pelo ângulo oposto do espelho, tem tudo para martelar ainda mais as simpatias de que não vê nada de mal nisso de um brasileiro com cara de povo chegar ao topo do poder político - muito pelo contrário.

Mas toco no assunto porque acabo de ver, via links do Sopão, uma primeira e respeitável reação ao filme. Luiz Carlos Merten, o crítico de cinema de O Estado de São Paulo, está comentando no seu blogue as reações iniciais - previsivelmente marcadas pela pancadaria em coro e pelo preconceito mais cego. Leia, abaixo, o que diz Merten sobre o filme e seu primeiro impacto (para ler mais, e vale a pena ler mais, porque Merten se prolonga no assunto, pegue o link à direita; se estiver com defeito eventual, vá pelo link do jornal, também disponível):


"Fiquei hoje pela manhã em Brasília porque queria assistir ao debate de 'Lula - O Filho do Brasil'. Foi um debate travestido de entrevista coletiva, alguns jornalistas começaram querendo bater - o filme seria eleitoreiro, chapa branca etc e tal -, e eu terminei colocando minha colher na história. O filme já nasceu sob o signo da polêmica, inclusive das intenções, e só tem para se defender a si mesmo, suas qualidades. Sinto muito dizer - para quem esperava um ataque a Fábio Barreto, o mais detestado dos diretores brasileiros, graças a filmes como 'Jacobina' e 'Nossa Senhora do Caravaggio' -, mas 'Lula' pode não ser o filme dos meus sonhos e certamente não é nenhum '2 Filhos de Francisco', mas tem qualidades e a maior delas é a interpretação, como já disse. O que verdadeiramente faz a diferença é o ator que faz Lula, Rui Ricardo Dias. São três ou quatro, incluindo o bebê, e todos eles têm uma pegada muito forte. O garotinho é ótimo, na cena em que peita o pai; o adolescente tem um momento encantador, quando 'rouba' o beijo; e Rui, como já ousei escrever, é mais Lula do que o próprio. O verdadeiro continuismo não seria Dilma, mas Rui, o clone, para presidente. Um colega, na saída, brincou comigo. Estava todo mundo batendo, respeitosa e orquestradamente, quando eu desestabilizei o debate, elogiando o que me parece não apenas possível, mas necessário elogiar."

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Brasília além da política





Operários trabalham na reforma do Palácio do Planalto (sábado, 14/11/09)

O caos de Moretti


Nanni Moretti, vocês sabem, é aquele italiano sempre associado a Woody Allen - embora eu ache, francamente, que são duas praias tão diversas quanto Areia Preta e Santa Rita - que dirige e atua em filmes de um senso de humor entre agridoce e perplexo sobre as coisas do seu país. Chegou por essas bandas primeiro com uma delicada e deliciosa fábula urbana e mediterrânea chamada "Caro Díário". Depois explorou suas experiências paterno-cotidianos em "Aprile". Mais tarde realizou, com o mesmo espanto quieto que utiliza nas comédias, a tragédia "O Quarto do Filho". Ultimamente, deixou um pouco a família de lado e abriu os braços para bradar - mas sempre mansamente, como é de seu estilo - contra todos os facismos, incluindo os atuais, que se abatem sobre a política italiana. O filme, um grande filme do qual pouco se falou, é "O Crocodilo" - grande filme, reforço. Deve ter esquecido algum título, mas o espírito é esse. Porque, na verdade, o assunto aqui é outra produção, a mais recente, em que Moretti não dirige - só atua. Só... até parece.

O filme é "Caos Calmo" e há pouco tempo saiu em DVD. Pra começar, não parece haver expressão melhor para definir o cinema de Moretti - seja com ator, seja como diretor - do que o próprio nome desse filme. Daí talvez as semelhanças com Woody Allen. Esse parentesco também se dá na preferência pelo cenário urbano italiano que está para Moretti como Manhatan para Allen (estava, porque de uns tempos pra cá o americano achou de sair filmando pelo mundo afora, embora a gente tenha sempre a impressão de que não passou da esquina). Como se dá no estudo leve e autoirônico do relacionamento entre pequenos grupos de pessoas. Mas as semelhanças acabam num ponto: enquanto o cinema de Allen é docemente triste e largamento cético, o de Moretti trai alegremente sua crença na superação e um tantinho assim a mais de fé no ser humano. Sem piadinhas nem trodadilhos.

Essa diferença é um dos pontos mais marcantes de "Caos Calmo", filme que, embora não dirigido por Moretti, parece conter o dna do seu cinema a cada fotograma. Ele é um sujeito que, meio catatonizado pela morte da mulher, resolve passar os dias, daí pra frente, diante da escola da filha pequena, esperando a hora de levar a criança de volta para casa. O Moretti deste filme é uma espécie de empresário do ramo do entretenimento que, efetivamente, só para justificar as lógicas desta ficção, pode se dar ao luxo de, traumatizado por um evento, largar o tragalho e se postar o dia inteiro diante de uma escola.

Mas o fato é que tal lugar se torna o ponto de equilíbrio para o personagem. Repare bem: quando algum desses eventos dramáticos - toc toc toc - ocorre na vida da gente, parece que viramos algo assim como uma agulha de bússola enlouquecida, agitando-se caotimente do sul ao norte, inquieta, sem parar, sem achar um ponto de equilíbrio. E a gente sofre para recuperar a quietude mental novamente - para achar esse ponto de equilíbrio tantas vezes físico que, para o Moretti do filme, é o banco da praça em frente à escola da filha. E lá ele fica, estabelendo contatos mínimos (mas ricos) com uma moça que passa com seu cachorro grande, uma mãe com seu filho excepcional, o moço do restaurante ali perto. O filme fala disso, mostra isso: o quanto é importante zerar a vida quando aqueles eventos ocorrem, criando um cenário novo e limpo, sem sinais do que era antes, para que o ser humano vá se recompondo aos poucos, sem balbúrdia, sem poluição de sentimentos e impressões. Moretti ora se distrai e se entedia com as conversas das mães dos outros alunos, ora recupera a concentração fazendo listas mentais aparentemente absurdas - como "as companhias aéreas pelas quais já viajei". De um jeito e de outro, são finos cordões onde se sustentar para conseguir caminhar normalmente outra vez. Termina que, lá naquele banco, ele acaba tendo despachos informais com sócios, discutindo uma fusão empresarial que corre como pano de fundo da história, ouvindo as confiências de um amigo posto sob suspeita de roubo, aconselhando em vão a cunhada intempestiva. Quer dizer: o grande sofredor acaba, lá no seu banco de praça, consolando os demais personagens que não passaram pelo trauma que o abateu, mas igualmente têm suas pequenas dificuldades a pesar nas costas.

"Caos Calmo" é um filme assim, bastante terapêutico - e é por isso que acabo me prendendo muito mais ao conteúdo do que vai na tela do que às estratégias formais que sustentam a narrativa visual. Sei que a categoria "filme terapêutico" contraria o mandamento das artes segundo o qual o cinema, a literatura, a pintura e outras formas de manifestação humanas neste terreno devem ser praticadas sobretudo para incomodar e interrogar. Jamais para qualquer espécie de consolação. Mas não me conformo, que o consolo, a morfina eventual também faz parte do processo humano, essa experiência tão rica e tão pouco restritiva, de fato. E ademais os filmes têm esse segundo poder subjacente que é mexer com as entranhas da gente enquanto imaginamos que estamos a lidar apenas com material de natureza puramente estética.

E por tudo isso que este "Caos Calmo", com sua febre de temperatura ambiente, funciona como um emplastro audio-visual que a gente pode grudar nas fissuras da alma sujeita às intempéries do imponderável.

*A propósito, passe agora para a "Hamaca" e assista a trechos de "Caos Calmo" e outros filmes de/com Nanni Moretti na barra de amostras de videos do Youtube.

sábado, 14 de novembro de 2009

Albimar, Ana e eu


Na próxima terça-feira, 17 de novembro, começa a circular em Natal um novo jornal, cujo nome é este mesmo, "Novo Jornal", e que, por acaso, será também uma nova oportunidade para os leitores deste blogue passaren alguns minutos do seu dia na minha, estimo, agradável companhia. Acontece que o "Novo Jornal" terá um espaço diário, imagino que nos últimos cadernos, onde cinco jornalistas poderão discorrer sobre os temas que julguem valer a pena, num revezamento com dias fixos. Um deles serei eu, às terças-feiras. E o negócio já começa na base da maior responsabilidade, porque, se você leram com atenção o início deste texto, notaram que a primeira edição do jornal a ir às bancas é justamente a de uma terça-feira. De maneira que, para o bem ou para o mal, serei o primeiro.

Estou meio ansioso, mas contente e animado. Sobretudo, estou orgulhoso. E o motivo desta postagem, além de naturalmente avisar ao pessoal que vou estar cometendo textos por lá, é explicar onde o orgulho entra nessa história. Acontece que, entre os seis titulares deste espaço, que vai se chamar justamente "o jornal de fulano" (e onde está fulano é só cravar o nome do titular do dia) estão duas figuras entre as quais eu nem em sonho imaginei estar assim, lado a lado, dividindo a mesma tarefa, o mesmo espaço: Albimar Furtado, o "Branco", e Ana Concentino. Os dois foram meus professores na Universidade Federal do Rio Grande do Norte quando eu sequer imaginava que poderia trabalhar num jornal diário. Coincidentemente, os dois davam aulas juntos - sim, os dois professores com a mesma turma, na mais emblemática disciplina deste curso hoje tão desvalorizado, e que se chamava, quem é do ramo vai lembrar com saudade, TPDJ - ou Ténica de Produção em Jornalismo (esqueci a que o "D" se referia). Era a matéria que nos transformava efetivamente em repórteres - a parte mais técnica do curso, o aprendizado mais direto, uma espécie de semente em volta da qual vinha a epistemiologia toda, tão igualmente necessária como fica claro hoje em dia.

Ana Cocentino era uma professora dedicada e estimulante, do tipo que dizia pra gente ao final da aula: "Agora vamos lá, pessoal, ler muito jornal, ver muito noticiário de televisão, muita revista, muita reportagem." E Albimar, o "Branco" como a gente era doido para ter o direito de chamá-lo (era o apelido dele nas redações onde a gente ainda não tinha passe para estar), fazia mais: sacava quem no meio da turma tinha realmente jeito para a coisa e dava um jeito de a gente ir parar no lugar com o qual a gente mais sonhava - a redação de um jornal diário, pra valer. Foi assim que saí do jornal "Dois Pontos" (um antigo semanário, e como custa classificá-lo assim) e fui para a reportagem da "Tribuna do Norte", trabalhar sob o comando de Albimar, o editor-geral do jornal. Com ele, aprendi, na base do enxerido que ficava olhando de longe como é que os caras trabalhavam, como valorizar as fotos da primeira página: não esqueço da foto dupla de Rosa, acusada de mandar matar o marido, com duas expressões durante e ao final de seu júri popular; fotos escolhidas e cotejadas por Albimar. Com ele, tive o prazer de me sentir valorizado ao cobrir, absolutamente novato, o incêndio que destruiu uma sapataria na calma noite provinciada da Natal daqueles tempos - Albimar esperando o texto para colocar na primeira página que ainda estava fechando na última hora. Como o "Branco", entendi instintivamente os caminhos que a busca por informações nos leva a percorrer, quando tentava de toda maneira, num outro plantão noturno, arrancar dados sobre uma senhora que ganhara na loteria e em torno da qual, numa casa do Alecrim, uma corrente de filhos marmanjos montara um muro humano de proteção (mas, na base da conversa fiada, deixaram escapar o suficiente para a matéria publicada na capa da Tribuna pelo mesmo Albimar confiante).

E eis que agora, tantos caminhos depois, várias redações deixadas para trás, até um certo desencanto com os rumos que tomou esta prática e seus praticantes, surge o convite para participar desse espaço no novo jornal. E, por fim, vem a lista com os "colegas", onde estão Albimar e Ana, meus professores. É como fechar um ciclo, com um discreto sorriso de satisfação no rosto. Agradeço ao amigo Adriano de Sousa, que foi quem teve a temerária idéia de me botar no meio desse pessoal - mas só ele mesmo, um outro professor, embora informal, de um outro momento desta minha vida de escrevinhador de jornal e noticiário de televisão, para fazer isso por mim. Só espero estar à altura, deles e de vocês que porventura lêem o Sopão e igualmente porventura queiram um pouco mais: a idéia é enxergar o dia-a-dia natalense sob a ótica de quem não está lá o tempo todo - ver de longe, com distanciamento mas, já acrescento, com um pouco de doçura, que a vida não está fácil e a gente não precisa tornar as coisas ainda mais penosas. Para vocês terem uma idéia, o primeiro texto fala do meu amor por Natal - que, imagino e digo lá, pode ser que tenha muito mais a ver com o seu, que mora na cidade, do que a gente imagina à primeira leitura.

Espero, mais uma vez, a companhia muito estimada de vocês.

HAMACA a mil por hora

Refeita e incrementada, a nova sede da Hamaca merece mais algumas chamadas nos domínios do Sopão. Para dizer que, acessando a nova versão do blogue, você terá atalhos para sites que vão tornar ainda mais aprazível a leitura das postagens que pretendem - é uma promessa, faça figa que eu aqui também estou firme - se tornar diários - quem sabe até com várias edições ao dia.

Indo agora à Hamaca (LINK na lista ao lado), você vai ler uma série de postagens sobre um ano de casa "nova", com um balanço do que uma mudança de moradia pode fazer pela sua vida - ou não. Assunto da maior relevância para a ordem mundial das coisas, que fique claro.

Também na nova Hamaca, uma lista com os dez últimos livros que o blogueiro teve a sabedoria de ler ou a imprudência de se aproximar, conforme a aceitação/rejeição dos títulos listados. Para você imitar, escolher, descartar ou achar simplesmente um absurdo.

Ainda no cardápio fixo da nova Hamaca, uma série de links para rádios e tevês on line (por enquanto, três rádios e uma tevê, que o négócio precisa ser minimamente selecionado, não é assim no oba-oba não senhor). Entre os indicados, a rádio que é gerada aqui do bairro onde a Hamaca é produzida.

E para completar, no mais manjado dos recursos à disposição dos blogueiros amadores, aquele espaço com mini-exibições de vídeos do Youtube, selecionados especialmente para o seu bom gosto. O primeiro traz Elis Regina, a melhor cantora do mundo, só isso. Revezando, Maria Gadu - que é pra atualizar um pouco - e Chat Baker, que além de bom também pega muito bem. Quem conhece o recurso sabe que, enquanto lê, você pode ver/ouvir o video sugerido.

É isso aí: a nova Hamaca, apressada e meio irresponsável, tá dando um banho no Sopão, que precisa de tempo para que se consolidem os textos que ele tem pra oferecer, coitado. Mas ele também há de passar por mudanças de final de ano, vamos aguardar. Por hora, à Hamaca, todo dia - depois de passar pelo Sopão, sempre.

http://www.hamacadepoti.blogspot.com/

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A nova Hamaca

A Hamaca mudou de endereço, abrigando-se agora no mesmo telhado sob o qual já se encontra o Sopão. A página anterior será invalidada e os motivos estão explicados na postagem inaugural da nova Hamaca - que, a rigor, vai continuar balançando ligeira do mesmo jeito, quiçá com atualizações mais frequentes, conforme a rotina e o humor do escrevinhador. Convido os amigos a conferirem - e a mudar seus endereços padronizados, também, é claro. (no link ao lado, a alteração será feita já).

http://www.hamacadepoti.blogspot.com/

Entreblogues - para ler o "Caótico"

Acrescento mais um pernambucano, além de Samarone Lima, na lista dos blogues humildemente recomendados pelo "Sopão". É o "Caótico", de Inácio França, que você lê com a agilidade, a destreza e o espírito brincalhão que têm as pedras chatas arremessadas de leve sobre uma lagoa ou um açude. Traduzindo: triscando na água, parágrafo por parágrafo, postagem sobre postagem, meio na base do sem-parar, rindo por dentro, com o prazer fortuito de dividir no silêncio da leitura essas impressões tão óbvias e no entanto tão vagas que a gente tem, sobretudo sobre os livros - que são a matéria primordial do blogueiro.

Cheguei ao "Caótico" empurrado pelas dicas do "Estuário" e lá encontrei Inácio França entusiasmado com alguns livros que também me haviam chamado a atenção, como as peripécias criadas por Georges Simenon, pra ficar só num exemplo. Uma certa perplexidade na maneira de enxergar a forma como atualmente é praticado esse ofício que é de tantos de nós - o jornalismo - também é outro ponto em comum que surge nos textos do "Caótico". Enfim, segue o trecho regulamentar (de um texto sobre o livro "Hiroxima"), como é de praxe nas postagens da impressionante série "Entreblogues" (e o link já está ali na lista ao lado):

"A leitura de Hiroshima leva a sentir o peso da responsabilidade que caí sobre um repórter ao escutar relatos como aqueles, transbordantes de dor e sofrimento inimagináveis. Quem se dispõe a escutar, precisa estar consciente de que assume o compromisso de traduzir, de passar adiante, o que ouviu, viu e o que as pessoas sentiram. E também o que sentiu.
E Hersey sofreu, não tenho dúvidas disso. Se não sofreu, porque ele voltaria lá, quarenta anos depois, em plena década de 80, para descobrir qual o destino das seis vidas que desnudou em 1946?
Ele sofreu e faz sofrer quem de dispõe a ler seu texto, leve e fácil, capaz de contar histórias duras e difíceis.
Além da linguagem clara, Hiroshima contém outro recurso que prova que Hersey era bom todo. Os seis relatos são apresentados em fragmentos intercalados. Ora você está lendo o testemunho do médico Fuji, em seguida é o jesuíta Klinsorge, depois o pastor Tanimoto e por aí segue, até Fuji entrar em cena novamente. Esse recurso garante a sensação de simultaneidade, de que as coisas aconteceram ao mesmo tempo, como realmente foi.
Na verdade, o que Hersey fez foi Jornalismo. Não entendo a razão de juntar o adjetivo “literário”. Minha hipótese é que criaram esse rótulo para que continuemos a chamar de “jornalismo” as baboseiras publicadas nas revistas, nos jornais e transmitidas pelos telejornais."

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Seu Tarantino e seus bastardos


A bem da verdade, não sei se investi mais tempo lendo textos e mais textos sobre "Bastardos Inglórios", o novo e celebradíssimo Tarantino, ou assistindo ao filme propriamente dito. A prosopopéia antecipatória dos filmes hoje em dia é um negócio de tal magnitude que o pobre espectador ansioso, coitado, já entra na sala do cinema desconfiado, olhando para os lados, como se estivesse ingressando num lugar para interrogatórios policiais, igualmente escuro, povoado por sombras suspeitas, de onde ele só sairá depois de admitir, um "sim" após o outro, que o filme exibido confirmou uma após outra cada uma das sentenças que os mil escribas dos jornais, revista e internet cometeram empolgados antes do lançamento.

É claro que o indigitado espectador não é obrigado a ler o catatau de comentários, críticas, reportagens, avaliações, oba-obas que antecedem o dito lançamento. Mas quem respira sabe que hoje em dia é impossível ficar indiferente ao cobertor multimídia que cerca a vida humana, tanto quanto é impossível a uma pessoa que esquia no gelo fazer de conta que não está vendo a avalanche iminente. De maneira que não resta alternativa a não ser se arriscar, comprar o ingresso com cuidado para não ser espionado, entrar na sala sorrateiramente, escolher um lugar pouco visado, fechar - digo, abrir - os olhos e, seja o que Deus quiser. Se você olhar de relance, discretamente para não ser visto, vai notar, como eu percebi, que a sala de cinema está cheia de pessoas que normalmente não passariam por ali: uma platéia múltipla, que vai de adolescentes a pessoas de meia idade, casais, solteiros, barulhentos e silenciosos, todo tipo de gente, como se fosse a família inteira diante da televisão na final da Copa do mundo. Tarantino tem esse poder, de atrair a média do público com há muito não se via - desde os primeiros Spielberg, acho.

Mas não divague muito, porque o perigo pode estar na poltrona ao lado - um daqueles críticos que consideram Tarantino - talvez justamente, mas não é esta a questão - a mais perfeita tradução da época atual, porque ele sabe como ninguém conjugar em imagens os restos simbólicos que as épocas passadas deixaram, e quanto mais vulgar for essa herança, tanto melhor. Se não for absolutamente pop, não serve para estar vivo. Olhaí a divagação lhe traindo de novo: se continuar assim, ao final da sessão você não vai conseguir, por mais altos que sejam os gritos de quem lhe interroga, admitir que gostou do filme, que é realmente uma obra-prima da história do cinema e por aí afora. Portanto, aprume-se, comporte-se, alinhe-se com as novas diretrizes da cultura atual.

Ou por outra, relaxe. Porque ali pelos dez primeiros minutos de projeção, você já viu tudo: vai ser moleza passar no interrogatório. "Bastardos Inglórios" é tudo aquilo que os especialistas disseram, apenas com um pouco menos de empolgação. Se não, vira empulhação. É divertido, tenso, paródico e sério ao mesmo tempo, dependendo do momento - e é esta mistura e a imprevisibilidade com que ela é feita que confere sabor ao filme. A trilha sonora desta vez é explicitamente referente, mas eu fico pensando é se grande parte da platéia não está apreciando aquilo pelo fato de estar vendo e ouvindo tais ilustrações pela primeira vez - pela idade de grande parte dela, não há como ter visto "Era uma vez no Oeste", "Por um punhado de dólares" e outros títulos num cimema de verdade (em VHS e DVD, sim, mas o impacto é completamente menor). Então, o que parece satisfação intelectualmente superior de ver citações inteligentes pode ser na verdade o deslumbramento da primeira vez - não é coisa menor, que fique claro, mas é preciso colocar cada coisa em seu lugar.

Hum, tem um moço de costeletas anos setenta e brinco na ponta do nariz olhando atravessado pra mim enquanto eu faço essas considerações mentais. Achei que não estava dando a menor bandeira. Melhor eu relaxar de novo. O que não é difícil, é fácil como tirar bala soft de menino do seriado Anos Incríveis. Porque Tarantino nos dá um banho de nostalgia pop - sim, por que não? de novo não é esta a questão - que leva a gente de volta para o velho cinema poeira do interior, num tempo em que o ingresso não custava 18 pratas, nem se precisava devorar sacos e sacos de pipoca pagos pelos olhos da cara - não, a gente prezava pelos olhos, que eram essenciais para ver aquele delicioso lixo de matinês, com duelos, assobios e supercloses. "Bastardos Inglorios", se é que você ainda não viu ou não leu, deixa a gente à vontade para vestir calças curtas mesmo tendo grande parte dos cabelos brancos; nos libera sem censura para fruir daquilo que chamamos de "filmes" - algo mais amplo do que o que chamamos "cinema". Porque a segunda palavra vem com uma acepção que comporta um exercício artístico ambicioso (e necessário), enquanto a primeira é uma sala maior, onde cabem todos os gêneros, com direito a sobrevida em forma de seriados televisivos e figurinhas para colar no álbum.

Acho que com essa última desculpa vou me safar do interrogatório. Qualquer coisa, peço para dar uma olhadinha na sala de projeção - um velho sonho, jamais realizado. Sei que não vai ser como aquela que aparece no próprio filme, tampouco será como a do velho, saudoso e querido cine Rex da minha cidade primeira. Certamente será um lugar high-tec e digitalizado, sem poeirinha pelos cantos e ratos circulando à vontade, mas ainda assim seria a melhor maneira de encerrar a sessão de um filme como "Bastardo Inglorios". Pensando bem, além de ser uma bela jogada de marketing, seria um atrativo a mais para o público: oferecer, ao final de todas as sessões, uma visitinha à sala de projeção. Moderno ou antigo, lugar bem apropriado para aquele interrogatoriozinho do qual ninguém escapa hoje dia quando abre a boca para dizer que está pensando em ir ao cinema.

Portanto, depois não diga que não avisei: todo cuidado é pouco com seu Tarantino e os filhos bastardos que ele espalha por aí, em cinemas, bares e redações.

Leia na HAMACA


"Sem falar no capricho maior dos clássicos, que é o de nos desafiar nas primeiras páginas, tirando a mente do leitor do registro coloquial em vigor e arrastando-o para outros domínios, de uma escrita congelada pela qualidade mas ainda assim dificultada pela prosódia absolutamente diferenciada. É como um muro: o leitor do clássico tem que saber escalar esse paredão antigo e compacto, achar as cavidades quase imperceptíveis numa superfície alisada pela ação do tempo literário, agarrar-se aqui e ali, subir mais um pouco, chegar o topo e, enfim, lá pela página cem, passar para o outro lado. Pronto: aí ele já estará em outro tipo de território, perfeitamente aclimatado. É quando vem o prazer da fruição que apaga as referências do computador ao lado, da tevê ligada, da vida multimídia, do compromisso esperando no tampão da escrivaninha."

Leia o texto completo ("Os caprichos dos clássicos"), em http://www.hamaca.zip.net/