quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Jacob Gorender, a esquerda respeitada

O Partido Comunista Brasileiro, o velho "partidão", tinha adeptos seus infiltrados na Força Aérea Brasileira dispostos a bombardear, em 31 de março de 1964, a brigada militar comandada pelo general Mourão que descia de Minas em direção ao Rio de Janeiro para o golpe sem sangue que derrubou o governo constitucional de Jango. Mas Luiz Carlos Prestes disse não. Prestes, por sinal, era um brilhante militar mas um péssimo político. E a luta armada que marcou a atuação de grande parte da esquerda política brasileira quando a ditatura militar cortou praticamente todas as formas de atuação política no país foi um erro, sim - mas foi digna e, de alguma maneira, engrandece a trajetória dessa mesma esquerda perplexa e perdida em momento tão difícil da história da (falta de) democracia no Brasil.

Essas opiniões não são minhas - embora eu concorde com grande parte delas. As informações, claro, também não. Quem diz tudo isso é o historiador Jacob Gorender, autor de um referencial quando se trata da recuperação do que aconteceu nos anos escuros da noite ditatorial que se abateu sobre o país por longos vinte anos - o livro "Combate nas Trevas". Pois bem: Gorender, antes de ser historiador, foi um militante do velho PCB e é com a vasta experiência e a ampla reflexão de quem passou por essas duas condições que ele avalia os erros e acertos da esquerda brasileira na história do Brasil. O testemunho, veemente e instigante, está no documentário "Jacob Gorender - A Esquerda Revelada", realizado pela TV Câmara, com direção da jornalista Gloria Varela, em exibição neste canal legislativo de televisão.

Você não precisa ter antena parabólica ou tv a cabo para assistir ao doc sobre Gorender na TV Câmara. O programa está disponível, em boa definição, na página da tevê na internet (http://www.tv.camara.gov.br/). Além de assistir a essa reflexão lúcida e ao mesmo tempo apaixonada sobre o envolvimento de um homem com causas que efetivamente fazem um país, ainda que passíveis de enganos e desacertos, você ainda poderá baixar o material para o seu próprio computador - e até copiar e usar em exibições para outros grupos de pessoas, nas escolas, onde quiser. Recentemente, a gente assiste a uma espécie de cínica reavaliação sobre a atuação da esquerda armada no Brasil da ditadura, com uma condenação peremptória, apressada e interesseira que não ajuda nem um pouquinho a levar às novas gerações a compreensão preventiva sobre o que aconteceu naquela longa noite. O documentário da TV Câmara ajuda a combater esse tipo de precipitação desonesta - e também a manter de cabeça erguida a consciência de quem não confunde história com política partidária imediatista, como vem acontecendo tão frequentemente.

Da Mata


Voz de pano, acústica de pólen oferecido, notas de mel açucarado no fundo da garrafa, delícia pegajosa que gruda dedos e lábios. E quando ela canta ai,ai,ai,ai,ai,ai é que germinam e floram lavouras de verdura sonora lá bem dentro dos ouvidos de quem a escuta. Pastoso, o sibilar pop-agreste de Vanessa da Mata implanta, caprichoso, estofados novos nos tímpanos de seu ouvinte. Revestimentos auditivos forrados com panos rubro-acetinados dotados de caldas internas como a dos mais finos chicletes jamais fabricados. Tomar um banho de chuva, um banho de chuva, um banho de chuva. Quando mais ela repete tais frasinhas voadoras como asas de borboletas verbo-musicais, mais matreiramente vai construindo mantras marotos e altamente viciantes no mundo auditivo de quem lhe frequenta os compact discs. E tome estética de boneca de pano embebida em sonoridades techno-humanizadas. Moça de joãozinho no cabelo, faz de conta no espelho, faz de conta no espelho. Pingos metalizados estalam no tabuleiro sonoro ditando o ritmo vanessiano de refrões e refrinhos. Quando o incauto percebe, é demasiado tarde – já então se está refém das melodias de brincadeira de roda salpicadas de malícia para maiores. Droga bendita, nada há mais a fazer que não seja se entregar ao neopsicolelismo sonoro da gata. Bonequinha de chita. Audrey Hapburn acaboclada. Breakfast na quitanda da esquina. Falsa música de mulherzinha para triturar e deglutir coraçõeszões masculinos. Ela é neguinha e comeu seu coraçãozinho de galinha no chin-chin. Vanessa, enfim, é, definitivamente, da mata, seja em Paraty, Palmas ou no Piauí.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Lula, Caetano, Rio 2016 e o "querer é poder"

Traficantes e bopes, por favor, suspensam o tiroteio por um segundo. É só um segundinho de dois, três parágrafos. Ninguém vai morrer por isso. Verdade que, se pousar uma mosca, é capaz de cair mais um helicóptero - mas, pra cima com a viga, moçada, o show tem que continuar. Aposto uma tropa de choque interinha, com um pacote de dez granadas de brinde, que todo mundo lembra da última declaração bombástica de Luis Inácio, aquela segundo a qual a definição do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016 se deu porque "a gente pode". Basta querer. Literalmente pode haver uma bala, digo, uma letra perdida ou palavra fora da ordem. Mas o sentido foi esse mesmo: vai ser no Rio porque agora "a gente pode".

Todo mundo - quer dizer, os latifundiários de centímetros nos jornalões pátrios - devem ter achado brega, pra não dizer chulo, como ademais consideram tudo o que vem do ex-sapo barbudo. Não sei se chegaram a afirmar, em palavras peremptórias como costumam ser seus artigos-manifestos para a posteridade e também para o gáudio dos próprios patrões que ninguém de ferro. Enfim, não sei - mas bem que poderiam. Mais uma do "cara", que não se emenda como ocorre a todo zé-povinho que não se preza.

Pois eu aqui no meu canto de onde espiono - muito bem protegido, atrás de barricadas inpenetráveis ao poder de penetração das palavras midiáticas - o grande debate nacional onde não cabe mais do que uma opinião (a de sempre), arrisco lembrar: por volta de 1992, naqueles tempos da tal "era Color", onde todo mundo se orgulhava de detestar ser brasileiro - sentimento que ainda resiste, quando mais elevada é a condição sócio-cultural do indigitado nativo - saiu-se o nosso sempre bravo Caetano Veloso com setença semelhante. Era assim: todo mundo achava que o país não tinha mais jeito. Eu, você, sua mãe (com todo respeito), seu pai, sua namorada, sua amante, seu patrão, seus empregados, todos, todos, todos. Talvez os alagoanos, e apenas os alagoanos, pensassem diferente - mas é coisa pra se investigar e de difícil comprovação. E sai-se Caetano, numa enquete promovida pela Veja ou IstoÉ-Senhor, com a frase: "O Brasil vai dar certo porque eu quero". O forte era o "porque eu quero", já que sobre a primeira parte da setença pairavam dúvidas seculares.

Agora peguem os restos rasgados das revistas semanais de antigamente e tentem sobrepor a frase caduca de Caetano sobre os jornais com a recente declaração de Luis Inácio. Ajuste bem, enquadre, ajeite e veja se, afinal, não é a mesma. "Porque a gente pode" é a forma de dizer, em 2009, o que em 1992 se dizia "porque eu quero". Pena que Caetano não venha à beira do palco para discorrer, como sempre faz com notável competência quando precisa e quer, sobre as qualidades lulísticas de sua fala pretérita. O compositor ganharia uma polêmica a mais - o que não é pouco e, quando as coisas ficam muito calmas, sempre cai bem. O presidente talvez parecesse menos deslumbrado do que quer a vasta camada da população que não engole alguém com cara de povo no palácio brasiliense do poder - ainda que penteadinho pelo marketing e maquiado pelos acordos dos quais dificilmente se escapa.