terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Feliz Natal e um belo 2009

Cecília, Bernardo e os ares azul-natalinos da Esplanada nestes dias de chuva em Brasília falam por nós. O Sopão faz uma pausa, segue para esquentar um pouco o espírito nos piscinões de Caldas Novas e retorna ao batente, espera-se, logo nos primeiros dias de 2009, aí pelo dia 5, mas não vamos marcar nada que é pra não criar obrigação. A gente se encontra para novas batalhas, outras descobertas, futuras aventuras do ano que nos espera. Obrigado pela companhia e até lá.

Prêmio Sopão 2008

Blogue que se preza não passa sem uma lista. E como durante todo o ano o Sopão sonegou esse que é um direito de todos os leitores - listas são divertidas, fáceis de ler, podem ser apreciadas no trabalho sem que o chefe importune e ainda servem como dicas de livros, filmes e afins - agora a gente vai descontar. Com vocês, os melhores de 2009 segundo o Sopão - uma lista mais autoreferente do que qualquer outra que você tenha lido na internet. Tão autoreferente que comporta itens que nem têm a ver com 2009, porque o que importa aqui não é ter "acontecido", mas ter sido "citado" no Sopão no ano que está terminando. Permacultura literária é com a gente mesmo. Segue a lista:

1- MELHOR LIVRO DE ENSAIO: "Eu não sou cachorro, não", de Paulo César de Araújo.
2-MELHOR BIOGRAFIA: "Roberto Carlos em detalhes", de Paulo César de Araújo.
3-MELHOR LITERATURA: "Moby Dick", de H. Melville.
4-MELHOR ANTROPOLOGIA: "Velhos costumes do meu sertão", de Juvenal Lamartine.
5-MELHOR LUGAR MAIS QUENTE E CENOGRÁFICO DO MUNDO: Goiás Velho (GO).
6-MELHOR FILME MAIS BRUTO DO ANO: "Sangue negro", de Paul Thomas Anderson.
7-MELHOR E ÚNICA PEÇA DE TEATRO ASSISTIDA NO ANO: "Cada qual com seus pobrema", monólogo com Marcelo Médici.
8-MELHOR LIVRO DE FOTOGRAFIA DO ANO: "Seridó - Paisagens de um sertão encantando", de Fernando Chiriboga.
9-MELHOR E ÚNICO FILME DE GÂNGSTER DO ANO: "O gângster", de Ridley Scott.
10-MELHOR FILME ANTIGO EM DVD DO ANO: "O homem que odiava as mulheres", com um monstro chamado Tony Curtis
11-O MELHOR E PIOR LIVRO DE NÃO FICÇÃO DO ANO (é isso mesmo, melhor e pior): "O mundo é plano", de Thomas L. Friedman
12-A MELHOR SURPRESA NUMA SALA DE CINEMA DO ANO: "O banheiro do papa", de César Charlone e Enrique Fernández.
13-A MELHOR SÉRIE DE TV MAIS CRUA VISTA EM DVD: "Deadwood"
14-AS MELHORES POSTAGENS EM SÉRIE DO ANO: "Minha viagem com Amy" em quatro partes
15-A MELHOR POSTAGEM SOBRE ASSUNTOS COMEZINHOS MAS DE SUMA IMPORTÂNCIA: "Geléias, calções e o aquecimento global" (falando nisso, agradecimento à Iolete, que acaba de me enviar um potão de geléia feito por ela especialmente pra mim, suspendendo - vejam a honra - temporariamente sua promessa de não mais chegar perto do fogão de doces. Obrigado, mesmo.)
16-MELHOR POSTAGEM EM TERMOS ABSOLUTOS: "Deserto amado" (acabo de repassar tudo pra fazer essa retrô e cheguei a essa conclusão. Vou reprisar pra quem não leu)
17-MELHOR LIVRO SOBRE A CONTRACULTURA (li vários este ano): "Longe daqui aqui mesmo", de Antônio Bivar.
18-MELHOR VIAGEM DE FÉRIAS: São Miguel do Gostoso, mas a concorrência foi pesada.
19- MELHOR DESCOBERTA DISCOGRÁFICA ATRASADA: Charles Brown Jr.
20-MELHOR REDESCOBERTA DEPOIS DE TODO MUNDO: O show "Cê", de Caetano Veloso, em DVD
21- MELHOR POSTAGEM NÃO ESCRITA POR FALTA DE TEMPO: sobre o Natal movido a LEDs, a tecnologia da iluminação que dá novo colorido a este fim fim de ano em Brasília (na foto que ilustra a postagem, a árvore da Esplanada)

E mais:

1-PRÊMIO ACONTECIMENTO À DISTÂNCIA DO ANO: a sangria de todo os açudes do Seridó.
2-PRÊMIO MOMENTO NOSTALGIA DO ANO: a descoberta dos LPs do conjunto Flor de Cactus à disposição para baixar num blogue na internet (Som barato).
3-PRÊMIO MOMENTO ESPECIAL NO CINEMA DO ANO: "Um beijo roubado", de Kar Wai Wong
4-PRÊMIO MOMENTO ESPECIAL EM DVD DO ANO: "Amor à flor da pele", de Kar Wai Wong
5-PRÊMIO MOMENTO MAIS HILÁRIO (E PERIGOSO) DO ANO: o vazamento de gás nos subterrêneos da Câmara dos Deputados, onde trabalha este escriba e mais umas cem mil pessoas.
6-PRÊMIO MOMENTO FESTA DO ANO: a festinha de aniversário de 1 ano de Bernardo.
7-PRÊMIO MOMENTO MEIO TRISTE MAS TUDO BEM DO ANO: A ida de Plácido para BH.
8-PRÊMIO MOMENTO ALEGRÃO DO ANO: a passagem rapidíssima mas muito divertida de Carlão (de Souza) por Brasília.
9-PRÊMIO MOMENTO ESPORRO COM DOÇURA DO ANO: a postagem "Recado à morena Marina", quando ela desistiu do Ministério do Meio Ambiente.
10-PRÊMIO MOMENTO SOU SOLIDÁRIO A QUEM É SOLIDÁRIO AO GOVERNO LULA DO ANO: a postagem "Betto e Gilberto", sobre as diferenças irreconciliáveis entre Frei Betto e Gilberto Carvalho.
11-PRÊMIO ACONTECIMENTO DO ANO: o lançamento de "O poema do caminhão" em livro pela editora de Flávia e Adriano, a gloriosa "Flor do Sal"
12-PREMIO ORÁCULO DO ANO: Tácito Costa, não tem pra ninguém, com o texto "Mentiras e mistificações", sobre a campanha eleitoral em Natal.
13-PRÊMIO POSTAGEM MAIS COMENTADA DO ANO: "Borboletas", também sobre a campanha eleitoral em Natal (foram 9 comentários, o que prova o baixo índice de coments do Sopão, mas a gente assobia, olha pro lado, faz que não é com a gente e segue em frente batucando no teclado).

A anfitriã

Novo seriado do canal Sony, ficou no ar por quase uma semana, estrelando Cecília, Flávia e Adriano, fotografia paterna, roteiro materno, campeão de audiência. Breve, quem sabe, novas temporadas. O pacote, pra quem não viu, a gente ainda está providenciando.

café sertanejo - 2





O segundo café sertanejo da velha casa nova reuniu Adriano e Flávia, nossos primeiros hóspedes, mais Nina e Sérgio e as respectivas filharadas, contando com Bernardo e Cecília fazendo aquela figuração que criança nenhuma dispensa. São eles com Flávia lá no alto. No terraço, Bob pai e Bibo filho que até hoje juram não ter combinado o figurino forever young.

"A Cor Púrpura" para 2009



(Esta postagem é especialmente dedicacada à nossa amiga Marcya Reis)

Nos primeiros cinco minutos desse filme que, tantos anos depois, ainda é a cara do Cine Nordeste, no centro de Natal, somos apresentados a uma série de fatos e situações repugnantes, violentas, abusivas, intoleráveis. Celie - negra, pobre, feia e mulher - como dirá mais tarde um de seus tantos algozes, é ainda uma criança, mas já é uma adulta retirada a fórceps de uma infância estupidamente fatiada. Ficamos sabendo, somente naqueles cinco minutos iniciais, que ela está grávida pela segunda vez. E o pai do bebê é seu próprio pai que, assim como fez com o primeiro filho, também some com o segundo mal ele acaba de sair da barriga da mãe-menina. Mais uns dez minutos e Celie será praticamente vendida a um desconhecido de quem se torna um híbrido de criada e escrava sexual. Temos aqui violência contra criança, estupro seguido e seqüênciado, incesto, miséria material e moral. Em 1985, era demais para um filme americano convencional - e mais ainda quando se sabia, de antemão, que o diretor era o ex-E.T Steven Spielberg, o magnata do entretenimento que sabia fazer chorar sem que doesse tanto.



Pois em "A Cor Púrpura", tudo doía, você deve estar lembrado - sobretudo naquele início que compactava em poucas cenas um volume enorme de lixo humano e degradação social. Ontem eu revi o filme que há tempos não apreciava outra vez. Numa cópia em DVD lançada recentemente, cores estalando, brilho fervente em cada linha da tela caseira, os poros dos personagens conferindo ainda mais vida a cada situação, cada recuo e cada enfrentamento. E, ainda que impressionado com a condensação de desgraças apresentadas no início do filme, o que me saltou aos olhos acabou sendo outro elemento - este sim, spielberguiano por natureza, e normalmente a parte que, já percebi, é o que mais me faz apreciar o cinema desse moço forjado pela indústria mas capaz de renová-la mesmo enquanto máquina de fazer diversão e produzir dinheiro.



Este elemento chama-se "encantamento": está presente nas fantasias sobre a guerra que distraem o menino-herói Christian Bale em "O Império do Sol"; está impregnada na relação entre o garoto que abriga o só a princípio repugnante extraterrestre em "E.T."; está marcada qual DNA na seqüência de "Parque dos Dinossauros" em que cientistas, crianças e nós, o público, vemos pela primeira vez os dinos sobre a superfície da terra; está impressa em todo e qualquer momento daquela jornada fantástica que é "Os caçadores da arca perdida" e suas continuações. No caso de "A Cor Púrpura", a história era outra. Na época, vocês lembram que Spielberg estava tentando ganhar aquele Oscar sempre negado a ele - e, para tanto, buscava fazer o que chamam de "filme adulto".



Toda classificação é inútil nessas horas, todo mundo sabe. Mas o fato é que o cineasta recorreu a um tema forte - aquele congregado de misérias do Sul racista de um EUA primitivo - e não fugiu dele na hora de filmar tudo. Mas há uma lei no mundo do cinema convencional que vale por um Estatuto de Proteção aos Expectadores Mais Arredios à Reconstrução da Realidade na Arte. E foi dela, visivelmente, que Spielberg se valeu para tornar seu filme adulto mais palatável, embora tecendo considerações sobre aquele punhado de temas desagradáveis que estão listadas no primeiro parágrafo deste texto. Se você assistir ao filme hoje, sem a ansiedade dos tempos em que ele foi lançado, vai notar que Spielberg recorreu a imagens líricas que pontuam cada cena - mesmo as mais violentas e exasperantes, ou sobretudo estas.

Visto deste ponto de vista, "A Cor Púrpura" é, como o próprio nome já sugere, um belo poema visual composto como uma harmonia à parte de uma bela música enquanto a gente acompanha as desgraças contadas pela melodia convencional. Estou falando, por exemplo, das flores púrpuras que surgem logo no início do filme, à frente do foco das duas personagens principais que aparecem ao fundo, brincando. Estou falando da brincadeira infantil de bater as mãos, essa singeleza que abre e fecha o filme, pode reparar. O mundo é cruel, meu amigo, a negra Celie come o pão que o Diabo deixou queimar no forno de propósito, é jogada daqui para acolá e separada abruptamente da irmã que tanto ama, apanha durante o filme inteiro mas, note, no início e no final de sua jornada o que sobressai, o que fica é uma sublime brincadeira infantil de bater as mãos na seqüência certa, entre risos e sorrisos. Apesar de tudo - e todo mundo hoje em dia tem idéia do que seja esse "tudo" - o que fica é a graça de uma brincadeira de criança. Lembro da expressão usada por minha cunhada Titina, falando sobre uma lembrança de infância, ela e as irmãs deitadas sobre a barriga do pai, seu Chico. "Isso fica, viu!", costuma dizer Titina. É verdade - mas isso de presentir o que fica e o que passa é para quem tiver olhos para ver, como Titina e as irmãs têm, como Celie teve, como o filme celebra.

É bom que o Sopão encerre o ano falando desse filme já esquecido, porque ele nos dá um motivo de falar de poesia na acepção mais rica da palavra: esse sentimento que independe mesmo da capacidade de escrever e se abriga também na astúcia e no desprendimento de saber ver. O que tem de poeta que não precisa publicar por aí não é brincadeira - eles "são" poesia, e pronto. Outro dia, a cronista gaúcha Martha Medeiros escreveu algo na sua coluna do jornal "O Globo" que a gente deveria pendurar na parede para lembrar a toda hora: era uma mera, banal, comum lista de coisas que ela vê em casa todo dia e que têm alto poder de sugestão poética: o pedaço de bolo que sobrou e ficou num pires na geladeira, uma velha foto dos avós no porta-retrato, essas coisas. Aqui em casa tem um negócio assim de que eu gosto muito: a pintura gasta no muro que aparece ao fundo da janela da cozinha. Lembra o interior, o ritmo e a cor da vida no interior. Relutarei muito em pintar esse muro - parece que, assim, desenhado pela natureza que a cada chuva vai dando suas pinceladas, fica melhor. Neste fim de ano, pare e olhe em torno você também - há matéria de poesia que vai dar mais significado para a sua vida aí pertinho mesmo de onde você lê este texto agora. Pelo menos um, nem que seja um. Basta ter astúcia e desprendimento para ver. Muito provavelmentes sera algo ordinário, esquecido, que a graça da vida também passa pela aparente banalidade das coisas quietas.



Voltando ao filme: ao longo de "A Cor Púrpura" temos aquela sensível cena em que Celie, limpando a casa do novo "marido", vai retirando a casca de poeira que encobre uma parede e surge, surpresa, a pintura antiga de uma flor; temos os manuscritos em papel de cartas que vêm e vão ao longo de toda a história; temos as compotas límpidas na cozinha que é o mundo que restou para Celie e no qual ela circula tão à vontade embora cercada de desprezo por todos os lados; temos o exemplar de "Oliver Twist", com aquela gravura antiga na capa, com o qual Celie acaba de aprender a ler; temos a cortina de renda tremulando levemente como pano de fundo de uma das cenas em que a personagem é mais humilhada; temos, primor das delicadezas, o velho papel amassado onde está escrito "sky", outra peça de seu aprendizado da leitura, e que torna-se um vestígio dos tempos em que Celie ainda não havia sido separada de sua irmã. Um pedaço de papel velho, desbotado, encarquilhado, despeja no filme, quando aparece, um caminhão de poesia visual. Você há de ter um desses aí pelas suas gavetas. Apegue-se a ele e despeje uma poesia a mais na sua vida.

E tem mais: a luz que entra pelas portas e janelas da capela na cena do casamento de Harpo e Sophia (Oprah Winfrey, estonteante, carregando o filme para si sempre que aparece); o canteiro de girassóis, o blues que Shug canta para Celie ("Sister..."), assim como a dedicatória que faz antes de começar ("Ela cuidou de mim quando eu estava doente"; uma maneira terna de dizer "ela teve paciência comigo quando eu estava de porre"); o enfeite de vidro que fecha a cena do beijo de Shug em Celie; o boneco de neve que surge por trás de um aperto de mão; a canção de trabalho dos homens que constroem a ferrovia.

Por tudo isso, essa digressão quase paulocoelhiana sobre "A Cor Púrpura" se presta bem ao objetivo quase involuntário dessa postagem: desejar Feliz Natal e Ano Novo realmente renovado aos amigos leitores do Sopão. No início, não era bem esse o propósito - mas o filme, a lembrança do filme, o texto, a lembrança dos amigos, foi levando para esse lado e achei melhor não bloquear. Miremo-nos todos no exemplo daquela Celie tão triste e tão doce que nos deram Spielberg e Whoopi Goldberg. E espalhemos entre nós e quem nos quer bem esse espírito benfazejo de saber valorizar as pequenas coisas mesmo em meio ao maior sofrimento. Ou, como é muito mais desejável, quando tudo parece e está indo muito bem.

café sertanejo - 1




O primeiro café sertanejo da casa reuniu a turma que cursa o mestrado com Rejane na UnB. Na primeira foto, lá no alto, o professor Luiz Martins, orientador da aluna. E, já mais abaixo, Plácido e Marleide, que também vieram já devidamente equipados com Manoela, que foi dormir num quarto longe dessa algaravia boa.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Na tela, velhos homens do mar


O que seria do cinema de aventura sem a abnegação e a teimosia dos velhos comandantes dos navios? No fim de semana, à guisa de filmes de profundidades submarinas, saquei da estante de DVDs dois flutuantes representantes da esquadra do entretenimento para combinar com os pés d'água que lavam os jardins brasilienses sem dó, sem sol e sem piedade. "O Grande Motim", comprado a preço de banana num feirão de supermercado da Estrada de Ponta Negra, é a versão divirta-se da histórica rebelião a bordo de embarcação inglesa nas brumas do século XVIII, com um enfezado Clarke Gable mandando para aquele lugar um empedernido Charles Laughton.

No andamento das seqüências, na costura do roteiro, na amplitude da paisagem mas também nos comentários da fotografia, nota-se claramente que se trata de um híbrido - meio diversão sem compromisso, meio documento histórico. Destaca-se, contudo, a visão dos rostos - essa qualidade que o cinema dificilmente consegue nos negar: há closes espalhados ao longo do filme, geralmente closes de personagens pra lá de secundários, quase figurantes, que comentam a tragédia em curso melhor do que muita seqüência "de ação", como se diz. São respiros neorealistas antes do neorealismo sequer pensar em existir, que o filme é de 1935 - e o espírito é de Sessão da Tarde.

O cartaz da segunda sessão foi o bem mais recente "Mar em fúria" que, além do tema marítimo, guarda em comum com "O Grande Motim" o fato de também reconstruir um "fato verídico", como se diz. A semelhança prossegue: fato verídico reconstituído num tom que precisa fazer de uma tragédia notória uma matriz de entretenimento - no que, diga-se, sai-se muito bem. Resultado favorecido pelo fato de se tratar de um registro muito mais real, por força da tecnologia dos efeitos especiais. Nos seus momentos mais marcantes, "Mar em fúria" é um filme quase tátil, de maneira que, quando tudo vai por água abaixo - e todo mundo sabe que no caso desse filme isso não é força de expressão - o espectador praticamente se afoga junto. As montanhas revoltas formadas pelas águas marinhas em tempestade têm o poder tecnológico de envolver o público do filme, a esta altura já devidamente encharcado pelos dramas humanos apresentados na primeira parte da história.

Em ambos, temos a figura - meio óbvia? - do comandante de navio inflexível a um ponto quase sobrenatural. George Clooney ou Charles Laughton, não adianta: o autoritarismo mora no mar e vive de caçar Moby Dicks por aí, para a nossa desgraça ou para a nossa diversão.

De lua e de estrelas

Há duas semanas ou três, que a precisão nunca foi o forte do Sopão, deu-se nos céus do planeta uma conjunção de astros deveras curiosa. No alto, uma meia lua daquelas dos brincos das garotas dos anos 80 e, abaixo dela, alinhadas, duas estrelas brilhantes, Marte e Vênus, bem próximas. Quando a mão invisível do nosso olhar traçava, quase inevitavelmente, uma linha reta entre as estrelas, formava-se como que o assento de um balanço, desses de divertir menino, suspenso na meia lua caso, claro, o mesmo olhar desenhista completasse o esboço e traçasse outras duas linhas - cada qual saindo de uma estrela para a lua lá no alto. Um triângulo luminoso no céu da Terra, espichado como aqueles que vinham em forma de régua nos estojos escolares.

Posicionados no céu como desenho de caneta bic em papel de pão, lua e estrelas pareciam um presente para marcar um final de tarde daqueles. Era sábado e a casa esteva cheia. Nina e Sérgio vieram com a garotada para um café sertanejo com a gente e mais Adriano e Flávia, que passavam uns dias em Brasília - e levaram o invejável título de nossos primeiros hóspedes na casa nova. Depois de horas de comilança e conversa, de esgotada a série "de A a Z" dos velhos tempos da TV Cabugi, das avaliações sobre a recente campanha eleitoral em Natal, a noite foi se chegando e, em meio às despedidas na varanda, Sérgio, não por acaso um arquiteto, chama a atenção de todo mundo para o diagrama inspirador no céu - o triângulo de lua e estrelas que acabou noticiado nos jornais do dia seguinte como um fenômeno raríssimo. Fenômeno raríssimo para a ciência - que, naquela hora, pra nós, foi mais um presente a sacramentar o encerramento de uma reunião de amigos.

Dias atrás tivéramos outro café sertanejo lá em casa, desta vez com a turma do mestrado de Rejane, com direito a professor da UnB ajudando Bernardo a manejar a colher na degustação de um prato de cuscuz. Mas o Nordeste velho de guerra, resistente como ele só, também estava lá: a desculpa do encontro era promover uma despedida do colega paraibano de Rejane que está concluindo o doutorado em Brasília e vivia reclamando dessa cidade onde ninguém chama ninguém pra tomar uma. Pois chama, rapaz. E os dois encontros serviram ainda para apresentar a velha nova casa, ou nova casa velha, a um punhado de amigos que comemoraram com a gente a mudança de endereço. Breve aqui as fotos que confirmam a postagem.