segunda-feira, 18 de abril de 2011

Camurupim Water Fields








Pra quem não conhece, esta é a praia de Camurupim, no litoral ao sul de Natal, um dos lugares para onde Guia Bezerra levou a gente - eu, Cecília e Bernardo - num domingão da última temporada em Natal. Levou a gente pra andar sobre as águas nessa enseada de sossego pouco além de Búzios que todo mundo conhecia, menos nós, como sempre. Vale o esforço de clicar nas fotos para ampliar os panoramas.

O mundo de Sebastião


Há uma boa notícia em meio à habitual tsunami de tragédias locais e globais que ilustram o lado pior da espécie nas primeiras e últimas páginas do jornais. Neste domingo de céu azul límpido e ar ligeiramente frio em Brasília, cai-me às mãos, implorando para ser lida com prazer que não podemos devotar ao noticiário comum, edição semanal periodicamente encartada no jornal “O Globo”. É a revista “Domingo”, com umas das belas imagens captadas por meu xará Sebastião Salgado na sua mais recente epopéia fotográfica mundão afora. Sim, é esta a notícia: aproxima-se o lançamento – previsto para abril do próximo ano no Brasil – do projeto “Gênesis”, que o fotógrafo mineiro radicada em Paris vem tocando há alguns anos, desde que encerrou o não menos ambicioso “Êxodos”.

Salgado virou o mundo em busca de imagens de um planeta comparável ao momento mítico em que foi criado por sabe-se lá exatamente qual entidade – cada qual com sua mini ou máxi ou não-crença que enquadre a criação do seu jeito. O fundamental é que o fotógrafo brasileiro aclamado por meio mundo queria mostrar lugares intocados, onde o estágio civilizatório fosse comparável àquele momento inicial – ou ao mais próximo possível dele ou mais distante das nossas atribuladas aldeias ou metrópoles globalizadas. Qualquer um que lembre do abrangente, humano, generoso e acachapante painel fotográfico que o senhor Salgado fez dos povos refugiados de meio mundo – incluindo um insert dos nossos “sem terra” num momento em que eram cultivados por uma classe média urbana bem mais tolerante que hoje em dia – imagina o resultado desde quase pronto projeto “Gênesis”. E parte do resultado está estampado nas páginas da revistinha dominical do “Globo” – um doce dos Marinhos para leitores famintos por alguma amenidade para iniciar a semana.

Tudo isso é ótimo – o deslumbramento das fotos em branco e preto, a notícia da proximidade da estréia das exposições que são a razão de ser do projeto e todo o debate que as fotos provocam. Mas a boa notícia de que se falou lá no início é algo anterior às imagens. É a conclusão a que Sebastião Salgado chegou agora que está nos finalmente do projeto: ao se guiar por um roteiro que pretendia cobrir os 46% de ecossistemas que restaram praticamente intactos no planeta, ele concluiu que o patrimônio natural restante é rico o suficiente para a gente comemorar.

Sebastião Salgado terminou sua jornada otimista. E isso não é pouco se a gente atentar para o fato de que o cidadão, testemunha ocular e fotográfica de tragédias humanas como são os dramas dos refugiados, tem muito bem a medida do que parece e é, de fato, ou não é, absolutamente, motivo para uma visão pessimista da espécie e de tudo o que ela causa ao mundo em que vivemos. Sebastião Salgado não é um intelectual macambúzio que encontra uma espécie muito sombria de prazer em não tirar a bunda da poltrona gasta na sala de casa enquanto faz discursos sobre a inviabilidade de tudo. O charme dele não é bem esse – e se alguém que rodou o quatro pontos cardeais dessa bola de gente termina sua jornada dizendo que, apesar de tudo, nem tudo está perdido, é bom a gente escutar o que esse cara tem a dizer.

É isso o que ele diz: “Se conseguirmos transmitir o que eu senti, fazer uma nova apresentação do planeta, e mostrar para as pessoas que ainda temos uma grande parte dele como no dia do Gênesis, isso será tão positivo no sentido de ajudar a preservar o que se tem, de criar uma consciência nova, uma reaproximação do homem. Tentei usar avião, helicóptero, balão, subi o máximo que podia eu mesmo a pé nas montanhas, no sentido de mostrar a riqueza desse planeta, a personalidade, a dignidade que tem a paisagem. Existe também uma dignidade no mundo vegetal, mineral. A dignidade não é só da espécie animal, nem monopólio da espécie humana. Se conseguir fazer isso, ficarei muito feliz.”

terça-feira, 12 de abril de 2011

Leia na Hamaca


"A figura de John Wayne surge como se fora uma flor de cacto no filme: ele contém toda a dor de não poder revelar o segredo à cidade - o fato de que foi ele, o homem bruto, o autor do assassinato mais esperado, e não o jornalista almofadinha a quem todos desprezavam até o momento do crime - e toda a ternura reprimida de entender tudo. É de uma superioridade o John Wayne deste filme que comove o espectador, este que priva com ele o conhecimento da verdade. Tudo inspira repulsa misturada com compaixão. Wayne vê esse panorama do alto e passa por ele com a elegância de quem não tem a menor chance de dividir com quem quer que seja sua dor. E ainda perdeu a mulher - para o jornalista almofadinha, que virou senador e acaba de retornar à cidade, dando o play para que o filme comece a desfiar esse novelo ressecado pelo tempo."

Leia o post completo clicando aqui.

O repórter e o assessor


O jornalista Ricardo Kotscho foi um dos meus faróis de juventude. Uma assinatura que sempre busquei nas páginas do Jornal do Brasil ou da Folha de S. Paulo, conforme a época e o lugar onde ele estivesse trabalhando. Um modelo, exatamente como ocorre na nossa juventude profissional, quando os anos de formação exigem que se tenham alguém ou algo como referencial do que é o caminho, das possibilidades que uma profissão pode oferecer. Um rumo, sedimentado, para além dos jornais e revistas, no livro "A Prática da Reportagem", em que Kotscho, em parceria com Gilberto Dimenstein - que já não era bem a minha praia - organizou sua, digamos, doutrina para jovens jornalistas em formação. O que diferenciava RK dos demais que assinavam suas reportagens nas edições dominicais da grande imprensa, numa época em que se pensava duas vezes antes de tacar o nome do autor do que quer fosse na página do jornal? Uma sensibilidade à parte para colocar o homem comum - seus dramas, suas conquistas, sua visão de mundo que, ao contrário do que se pensava já então, também tem muito o que acrescentar ao espírito de cada tempo - no corpo de uma reportagem. Chamavam, glosa Ricardo, de "matéria de pipoqueiro". Imagino o quanto o jornalista não foi visto com olhos tortos por colegas agarrados em informações de gabinete - e quanto mais elevado na hierarquia do poder este gabinete, maior a soberba e o desprezo pela vida brasileira lá embaixo.

Tudo isso me impressionava, talvez pelo fato de eu vir daquela vida brasileira nos andares bem inferiores da curva de nível sobre a qual se assenta, desde sempre, a nossa mui brava imprensa. Então o tempo passou, um certo Luiz vindo dessa mesma camada quase subterrânea virou presidente da República e, arrastado junto a esse movimento histórico que vai da vida nas redações da época dos militares até a ascenção do presidente-operário, lá está Ricardo Kotscho. Um assessor de imprensa das campanhas de Lula, um comandante da comunicão oficial do presidente eleito. Nâo havia, portanto, como não ler este "Do Golpe ao Planalto", livro de memória do meu antigo ídolo profissional. As lembranças de RK fazem reverberar na minha ótica de leitor o flash back da minha própria experiência, bem menor que a dele, infinitamente menos significativa, mas também abastecida por um certo espírito de aventura que é o que caracteriza a "vida de repórter" que, por sinal, é o subtítulo do livro: "Uma vida de repórter".

Lendo RK contando suas aventuras da Amazônia à histórica série sobre as mordominas de uma Brasília de privilégios oficiais e censurada derrada durante a ditadura militar, não tenho como não deixar de lembrar as mil e uma viagens que fiz pelo interior do RN a serviço da Tribuna do Norte, Dois Pontos, Diário de Natal, TV Cabugi. É capaz de o leitor achar que estou confundindo tempos e pessoas, hipervalorizando minha débil figura. Pode ser, mas é honesto. E se digo isso é querendo dizer que o livro é especialmente indicado para quem, como RK, como eu, como Carlos Magno Araújo, como Rubinho Lemos, foi repórter de jornal um dia. De preferência na década de 80, quando os aquários não eram tão determinantes assim, a internet ainda não havia liquefeito o que pode haver de mais sólido no levantamento e publicidade de informações e uma certa vaidade ridícula - por completamente injustificada - não havia ainda tomado conta da nova geração que nem um diploma pode mais ostentar.

O problema de "Do Golpe ao Planalto" é que o livro foi atropelado pelos fatos - por um fato, o tal escândalo do mensalão, o grande butim informativo que a gente, mesmo sabendo que não vai ter no livro, aguarda, como uma espécie de piloto automático do ato da leitura. Por RK saiu do governo pouquinho antes de o caso estourar - e a honestidade intelectual dele é tudo o que se precisa para saber um pouco mais como tudo aquilo foi acontecer, organizar um pouco as informações tumultuadas da época, compreender sem preconceitos, achar erros, desvios de conduta e possíveis alertas onde quer que eles estivessem sem a necessidade compulsiva que existe de resumir tudo a um suposto petralhismo endireitado para consumo de certa classe média ressentida com a distribuição de renda que ocorreu paralelamente a tudo isso. Mas o livro termina antes, porque a proposta de RK é cobrir o período que vai do pré-64 até o momento em que ele, exausto, deixa o Palácio do Planalto.

Para resolver o problema, ele acrescentou um pósfácio. Mas quando a gente pensa na extensão e no impacto do episódio todo - que, por sinal, ainda não terminou e está voltando à tona este ano por causa do julgamento no STF - fica com a sensação de que ele, sozinho, renderia outro livro. Só que não seria justo cobrar de Ricardo Kotscho esta nova memória, sobretudo de algo que ele não viveu efetivamente, nos bastidores do poder. A tarefa fica para outro e, não se engane, um dia alguém a realiza assim, com distanciamento, brandura e seriedade. Três elementos muito em falta quando o assunto é este.

O blues do filósofo


No post anterior, uma das músicas citadas é o "Blues da Piedade", de/com Cazuza. Aquela onde se pede, numa oração profana e musicada, compaixão para com as almas que já nascem com cara de abortadas. Pra quem tem a alma bem pequena, remoendo pequenos problemas e querendo sempre aquilo que não tem. Pra quem vê a luz mas não ilumina suas minicertezas. Essa letra poderia muito bem ser um dos antissermões poéticos e desvairadamente antirreligiosos de Zaratustra, o oráculo semissurreal criado pelo senhor Friedrich W. Nietzsche para vocalizar sua proposta de formação de um novo homem. Formação, não - descoberta, incentivo a que este novo homem, superior às cercas que detem sua própria natureza e geram toda sorte de desvios com os quais a espécie convive há milênios, bote a cara para fora e diga a que veio.

Antes de ser um discurso anticlerical caótico em seu jorro - e por isso mesmo, em grande parte incompreensível mesmo -, "Assim falou Zaratustra", o clássico da filosofia poetizada, é uma Bíblia ao contrário que, exatamente por isso, reafirma, quanto mais o nega, o caráter religioso que nestes mesmos termos insiste em ver como uma deformação do ser humano. Nada mais torto do que a linguagem enviezada de Nietzshe via Zaratustra. E por isso mesmo, nada mais aberto a toda sorte de interpretação. Esta é apenas a minha. Nâo deve ser à toa que o livro vem com um subtítulo provocador: "um livro para todos e para ninguém".

Este "Zaratustra" é bem isso: uma provocação sublime, se é que as duas coisas combinam - e combinam, percebe-se encantado ao ler suas antiparábolas tão incisivas quanto piedosas. Porque por baixo de todo aquele empurrão que o filósofo megalômano e desvairado dá na pobre criatura humana distraída à beira do abismo - nós aqui do lado de cá das páginas - existe, de maneira velada, a mesma comiseração solidária que o "Blues da Piedade" dos toca-discos dos anos 80 reverberava.

domingo, 3 de abril de 2011

Agora sim, a música do "gulira"


Hoje teve show do "Palavra Cantada" em Brasília. Eu estava lá com minha turma, rodeado por vinte entre dez famílias de classe média esclarecida. Nos divertimos bastante com as sacadas da dupla Sandra Pares e Paulo Tatit - sobretudo os pais, que a prosa musical da dupla se articula muito mais com a parte literal dos nossos cérebros crescidinhos do que com a metade direita dos infantes muitos anos à nossa frente, donos ainda que são de suas conexões supraverbais. Quer dizer: é visível que os pais adoram que os filhos adorem o jeito Palavra Cantada de apreciar música desde pequenininho.

Neste ponto, podem me caçar, podem me bater, podem até deixar-me sem um blog de poesia a mil pratas na internet, mas simpatizo um tantinho assim com Xuxa. É que por baixo da popularesca visão que se tem das antiproezas da loura, esse produto indistinto feito para as massas, desconfio de que haja na sua facilidade algo mais próximo à forma como se organizam e se manifestam os neurônios infantis. Exatamente aquela linguagem além (para ficar na crítica) e aquém (para admitir a surpresa) das palavras. Na sopa do neném há muito mais mistérios do que sonha o nosso reles nariz empinado (onde você guarda seu preconceito quando as crianças não estão olhando?). Devo estar errado, de maneira que não importa.

Importa que durante o show, diante de todo aquele bom gosto letrado - que eu também aprecio, afinal sou um pai tão esclarecido quanto os que compunham o restante do público - lembrei de outras eras, infâncias já remotas, minishowbussiness pretéritos. Claro: lembrei do tempo em que a Adriana Partimpim do pedaço podia ser um coquetel de excessos autoreferentes, uma paçoca pop-roqueira de terceira, um pastiche de tropicalismo retardatário. Eles mesmos, os cantantes da tal "música do gulira" como Bernardo me corrigiu quando tentei lhe desvirtuar as papilas auditivas em formação. Para mais esclarecimentos, veja no post de anteontem clicando aqui.

Já para conter o olhar de desaprovação diante do video em questão, não há o que fazer. Nem chamar Tarzan se usa mais, quando menos quebrar o disco no programa Flávio Cavalcanti. De qualquer maneira, se algum bom gosto há de ser salvo, que seja pela ótica documental. Autópsia audio-visual de uma era assassinada pelo nosso modernismo até então recolhido e agora subitamente destampado. O musical, extraído de algo que era bom pra danado justamente por ser desprendido como o diabo, é parte daquilo que se poderia chamar, em contexto internético atual, sem escândalo algum, de Plunct Plact Pum. Cheira mais clicando na setinha do youtube nosso de cada saudade. Tomando cuidado pra não acabar com um porre de gelo seco, dá pra sobreviver à experiência.