Ok, macaqueamos a Feira Literária de Paraty com uma versão pirata na praia de Pipa. Leio as notícias sobre o evento - fervendo de inveja, claro, por não poder estar lá (em Pipa, não exatamente na Feira) lembrando de umas vaquejadas que faziam sucesso no interior do estado na passagem dos anos 80 para a década de 90. Como diria o compositor baiano, pode ser que ainda o façam - apenas eu é que não tomo conhecimento. O fato é que naquele tempo acompanhei uma vaquejada em Currais Novos para fazer um programa de televisão e quanto mais via as pessoas com cinturões de caubói e botas de beto carrero, mais me parecia deslocada aquela tentativa de recriação no semi-árido potiguar empobrecido (estávamos em 91, 92, por aí) do universo já então riquíssimo do agrogenócio paulista do tipo ribeirão preto.
Então: a Flip de Pipa, a tal Flipa, em que pese tornar ainda mais divertido, colorido e badalado o final de semana nessa bela praia que me dá tanta saudade, é meio como as vaquejadas que tentavam reproduzir em currais novos o clima das festas de peão boiadeiro de ribeirão e adjacências. Soa falso, macaqueado, imitação barata, como a tevê record imitando os deles e delas da tevê globo, como um dvd pirata que, por mais que reproduza direitinho o que tem no original, vem sempre numa capa borrada pelo descuido da cópia. Isso não quer dizer que eu não veja dvds piratas nem que me recuse a assistir à tevê record ou que queira distância de eventos periféricos que tentam imitar matrizes consagradas. Vejo, assisto e se pudesse, daria um pulo em Pipa feliz da vida durante a Flipa. Diversão é diversão, agora, que parece uma imitação grosseira e colonizada, está bem claro.
Já que, sem poder ir, tudo o que posso fazer é falar mal, deixe pelo menos eu sacudir o manto do despeito desfiando algumas pequenas e insignificantes memórias relacionadas ao mundo da leitura que têm Pipa como cenário. Lembro de, numa das primeiras visitas que fiz à praia, numa época em que era mais fácil achar um tubarão agonizando na areia do que um italiano na vizinhança, ter visto uma garota, vendedora de uma barraquinha dessas de cigarros e balas, imersa na leitura de um livro ali na rua principal. A memória falha me diz que era um desses livros que são lidos aos montes, um best alguma coisa, talvez um Jorge Amado, talvez um colegial Joaquim Maria de Macêdo. Mas como lia a garota, como submergia sob a capa do livro aberto enquanto o vento lhe agitava os cabelos. Singela visão, da Pipa de outros tempos, menos elétricos.
Em Pipa, afoguei-me na leitura de um livro menor de Mario Vargas Lhosa - menor até no número de páginas, já uma novela. Era "Quem Matou Palomino Molero?", que tenho até hoje, um thriller literário latino-fantástico sem muito sal perto de uma "Guerra do Fim do Mundo". Mas ainda assim foi uma diversão que ficou na lembrança, uma tarde-noite inteira nos colchões ainda rústicos da pousada Praiana, quartão-família que dava para a visão de um marzão-continente. E depois, numas férias de Brasília, no mesmo batlocal, a releitura de "Terras do Sem Fim", pequeno clássico de Jorge Amado que faz a gente respirar o ar da Costa do Cacau enquanto percorre letras. Literatura é isso, pois não?
Pipa, quem conhece sabe, é um ótimo lugar pra ler, mesmo com as transformações dos últimos anos. Tem a brise, a sombra, o cheiro de mar, até uma certa música imprecisa no ar que combina com as imersões mágicas da leitura. Já como sede de um evento que reúne um bando de gente para falar sobre literatura em salas fechadas (os debates da Flipa são em salas fechadas ou ao ar livre mesmo, tipo em barracas improvisadas na beira da praia do Amor...? assumidamente mal informado, posso estar dizendo besteira, mas, todavia e entretanto), sei não. Imagino que no meio de uma polêmica de seiscentos anos, envolvendo James Joyce e Paulo Coelho, deve dar uma vontade danada de largar tudo e resolver os dilemas num banho de mar...
Se era pra fazer uma versão potiguar da Flip internacional de Paraty, porque não contrariar o que seria uma mera imitação em ao menos um quesito? Por exemplo, levando a feira para um lugar bem longe da beira-mar. Hein? Acari, por exemplo. Belo cenário para uma feira literária. Numa região, além do mais, coalhada de poetas, escritores, blogueiros, gente que se escancha na palavra para não afundar no tédio eventual. E com aquela bela igreja do Rosário, de contornos amarelos, dando uma cor especial ao evento. Hein? Na próxima, pensem nisso - Acari, Florânia (belo nome de cidade para sediar uma feira literária), Tenente Laurentino (lá no alto da serra), Serra Negra, sugestões não faltam.
Então: a Flip de Pipa, a tal Flipa, em que pese tornar ainda mais divertido, colorido e badalado o final de semana nessa bela praia que me dá tanta saudade, é meio como as vaquejadas que tentavam reproduzir em currais novos o clima das festas de peão boiadeiro de ribeirão e adjacências. Soa falso, macaqueado, imitação barata, como a tevê record imitando os deles e delas da tevê globo, como um dvd pirata que, por mais que reproduza direitinho o que tem no original, vem sempre numa capa borrada pelo descuido da cópia. Isso não quer dizer que eu não veja dvds piratas nem que me recuse a assistir à tevê record ou que queira distância de eventos periféricos que tentam imitar matrizes consagradas. Vejo, assisto e se pudesse, daria um pulo em Pipa feliz da vida durante a Flipa. Diversão é diversão, agora, que parece uma imitação grosseira e colonizada, está bem claro.
Já que, sem poder ir, tudo o que posso fazer é falar mal, deixe pelo menos eu sacudir o manto do despeito desfiando algumas pequenas e insignificantes memórias relacionadas ao mundo da leitura que têm Pipa como cenário. Lembro de, numa das primeiras visitas que fiz à praia, numa época em que era mais fácil achar um tubarão agonizando na areia do que um italiano na vizinhança, ter visto uma garota, vendedora de uma barraquinha dessas de cigarros e balas, imersa na leitura de um livro ali na rua principal. A memória falha me diz que era um desses livros que são lidos aos montes, um best alguma coisa, talvez um Jorge Amado, talvez um colegial Joaquim Maria de Macêdo. Mas como lia a garota, como submergia sob a capa do livro aberto enquanto o vento lhe agitava os cabelos. Singela visão, da Pipa de outros tempos, menos elétricos.
Em Pipa, afoguei-me na leitura de um livro menor de Mario Vargas Lhosa - menor até no número de páginas, já uma novela. Era "Quem Matou Palomino Molero?", que tenho até hoje, um thriller literário latino-fantástico sem muito sal perto de uma "Guerra do Fim do Mundo". Mas ainda assim foi uma diversão que ficou na lembrança, uma tarde-noite inteira nos colchões ainda rústicos da pousada Praiana, quartão-família que dava para a visão de um marzão-continente. E depois, numas férias de Brasília, no mesmo batlocal, a releitura de "Terras do Sem Fim", pequeno clássico de Jorge Amado que faz a gente respirar o ar da Costa do Cacau enquanto percorre letras. Literatura é isso, pois não?
Pipa, quem conhece sabe, é um ótimo lugar pra ler, mesmo com as transformações dos últimos anos. Tem a brise, a sombra, o cheiro de mar, até uma certa música imprecisa no ar que combina com as imersões mágicas da leitura. Já como sede de um evento que reúne um bando de gente para falar sobre literatura em salas fechadas (os debates da Flipa são em salas fechadas ou ao ar livre mesmo, tipo em barracas improvisadas na beira da praia do Amor...? assumidamente mal informado, posso estar dizendo besteira, mas, todavia e entretanto), sei não. Imagino que no meio de uma polêmica de seiscentos anos, envolvendo James Joyce e Paulo Coelho, deve dar uma vontade danada de largar tudo e resolver os dilemas num banho de mar...
Se era pra fazer uma versão potiguar da Flip internacional de Paraty, porque não contrariar o que seria uma mera imitação em ao menos um quesito? Por exemplo, levando a feira para um lugar bem longe da beira-mar. Hein? Acari, por exemplo. Belo cenário para uma feira literária. Numa região, além do mais, coalhada de poetas, escritores, blogueiros, gente que se escancha na palavra para não afundar no tédio eventual. E com aquela bela igreja do Rosário, de contornos amarelos, dando uma cor especial ao evento. Hein? Na próxima, pensem nisso - Acari, Florânia (belo nome de cidade para sediar uma feira literária), Tenente Laurentino (lá no alto da serra), Serra Negra, sugestões não faltam.
4 comentários:
Tião, vi seu comentário no blog do Samarone e vi que você gosta de ler.
Estou aqui para lhe informar que recentemente abri uma locadora de livros. Basta acessar nosso site www.aluguebooks.br30.com, cadastrar-se e pedir o livro que nós o entregamos em sua casa (se for em Recife, Olinda ou Jaboatão), vendemos livros também e de autores perambucanos, inclusive de Samarone.
Obrigado pela atenção.
Marino Abreu e Marília Dantas.
www.aluguebooks.br30.com
Tião,
A macaqueação já começa no nome do evento. Com um pouquinho de criatividade de quem teve a ideia, era possível criar um nome que não fosse um plágio do da Feira Literária de Paraty. ´Mas é o tal negócio: se aqui se copia o Sul Maravilha, lá se copia o que é feito em países do chamado Primeiro Mundo, não é mesmo? Co mo disse Noel naquele samba, são coisas nossas, muito nossas. Um abraço.
O Book-Shop de Pipa
Manhã de sábado-primavera a praia, Pipa. Acorda. Escritores convidados pela Flipa e acompanhantes aproveitam para caminhar em suas ruas, areias e escadas. O poeta no hotel ler para palestrar. Vejo subindo uma escada – vagarosamente - o escritor Ronaldo Correa de Brito. Assim também como um voyeur surpreendo as passadas lentas, claro - estamos na praia – envoltas numa cabeleira branca do escritor Raimundo Carrero. Da Danusa Leão só escuto ecos. A Flipa é uma festa, principalmente para os convidados e alguns jornalistas.
O sebo pela manhã está fechado. Não tem hora certa para abrir, sou informado. Após um bom papo diverso genérico sobre livros no sebo vermelho volto ao sebo, digo book-shop internacional como é a Pipa. A Dona Cíntia está lendo no seu sofá- garçonniere-morada e oásis. Já me imagino sem nada para ler numa praia e encontro um sebo, onde posso emprestar, trocar e alugar livros. São muitos livros nos mais diferentes idiomas. Livros em Sueco, Alemão, Inglês, Japonês, Italiano e Português. Muitos ainda cobertos por uma fuligem de um fogo recente. Todos os livros foram doados, informa a simpática Cíntia. Muitos não estão à venda. Doando um livro você fica com um crédito de muitas leituras. Um oásis para uma praia – cidade que carece de cultura, para além das belas mulheres desfilando de poucas roupas em suas ruas.
A Cíntia é a atração principal do sebo. Muito viajada nas cidades, vida e livros. Mora no sebo e não paga em muitos restaurantes. Dorme numa rede como gosto. Um livro sobre o Maranhão não está à venda. Um outro organizado pelo Correa Lago também não. Compro o Terror na Alcova do Serge Bramly, baseado no Marques de Sade. E História do Amor no Brasil da Mary Del Priore. A pipa é mesmo a praia dos amores. No teto da pequena loja dos livros adornada pelos retratos de muitos escritores, tem uma pintura mal-feita da Origem do Mundo do Courbet. Uma bela gata se enrosca nas minhas pernas. Cíntia está feliz com a nossa visita. As pessoas sentem falta em Pipa de cultura e de livros, fico sabendo ao conversar com Cíntia e com outras pessoas. Um Italiano que mora na Pipa há quatro anos gostou da nossa conversa do Sebo Vermelho e ficou. Sua filha de dez anos foi mandada embora. Aquilo não é lugar para criar filhos. Um outro Italiano faz o registro de quem tem o que dizer sobre a Pipa antiga. D. Inácio é convidado.
Nos bares muitos menores. Pouca polícia e muita droga.
Hora de partir, diz os amigos Homero e D. Inácio. Já é estrada... É Belo o pôr-do-sol na lagoa Groairas. Pipa precisa de mais cultura e agradece ao sebo de Cíntia. Até a volta!...
João da Mata Costa
aê. a primeira vez que fui nesse sebo, que lembrança boa. leram para mim umas linhas de 1984, em espanhol, que até hoje ressoam na minha cabeça.
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