quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
Tchau, Cordel
Anunciado o fim do grupo que revitaminou o tropicalismo dos sertões com música percussiva, performances arrebatadoras e poesia mastigada com fúria e prazer
Quem ouviu, encantou-se. Quem não, perdeu definitivamente a chance. Pelo menos ao vivo. Mas era ao vivo que eles davam o melhor de si. O fato é que acabou-se o Cordel do Fogo Encantado, o grupo musical que juntou o sertão pernambucano com os morros recifenses, que fundiu tambores e poesia gritada, que levou ao altar das sonoridades mais sagradas uma música teatralizada de acento regional com revestimento estranhamente pop. Com eles, a percussão tomou a frente - e até os violões soavam como tambores rituais. Quando eles começavam a tocar, em shows noturnos ao ar livre, com o céu do mundo como empanada simbólica, instalava-se uma certa atmosfera cool-tribal, como se mais que a um show de música se estivesse prestes a participar de uma experiência estética coletiva de juventude, tradição, fúria, folia e palavras, êxtase e agonia.
O anúncio do fim do Cordel - guarde seus CDs bem cuidados, meu amigo, que eles ficaram ainda mais valiosos a partir desta notícia - está na edição de hoje do Diário de Pernambuco. As causas da interrupção dos trabalhos não estão muito claras ainda - mas é sempre assim, um emaranhado de motivos, substantivos, adjetivos ou indeterminados, que decreta o fim da trajetória de um grupo de rapazes que durante um certo tempo sintonizam no mesmo som. O Cordel, guardadas as características, foram assim como um "Los Hermanos" de extração nordestina, impondo a imperiosidade da música pura num terreno atolado em marketing. Traziam o rural como premissa do urbano, o fogo como ancestral do asfalto, a rabeca turbinada pelo tambor. Foram uma espécie de último suspiro dos velhos tropicalistas. Reapresentaram a uma nova geração inteira a postura musical e comportamental de um tempo que se julgava morto pelo sucesso dos bem estabelecidos.
Lirinha, à frente das performances do grupo, muitas vezes lembrava um Ariano Suassuna rejuvenescido e transtornado, um Zé Celso replantado no sertão, um cavalo do espírito de Glauber valentemente incorporado. Ao pronunciar aquela poesia mastigada, incorporando em si a prosódia pernambucana de um homem além-litoral, naquelas roupas brancas de coronel pop remitificado, ele foi uma espécie de Carlos Drummond de Andrade de Arcoverde, uma variante de Zeca Baleiro mais embaixo no mapa, um pequeno Roberto Carlos melado de barro seco - uma versão agrestina de Chico Science, pra ficar num exemplo mais próximo. Um pequeno revolucionário da música, Lirinha e os seus, para os quais devemos estar atentos daqui pra frente, pra ver o que esses caras vão fazer e onde farão ouvir o rufar de seus novos tambores.
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Um comentário:
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