terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A intervenção vem aí?


Neste momento, todos os aparelhos de tevê do Distrito Federal estão ligados. Nas lojas, nas repartições, nas redações. É aquela expectativa para visualizar a notícia do dia na capital do país – a renúncia, prestes a se oficializar na Câmara Distrital, do governador em exercício do DF, Paulo Octávio. Sem querer e sem notar, nós, brasilienses nativos ou emigrados, moradores da capital do país por destino, opção ou inércia, descobrimos que viramos a Argentina da vez. Ou você esqueceu daquele período turbulento em que o país vizinho virou a piada do mundo por ter três, quatro, não sei quantos presidentes, um após o outro, claro (senão seria o caos total) em questão de semanas?

Viramos a Argentina, com tudo o que isso implica de ruim e de bom. O que há de bom? Pelo menos termos em quem nos mirar. Porque, não esqueça, a situação pode ficar bem pior – ou, por outra, bem mais enigmática. Ou vai dizer que você também não está incomodado com a falta de precisão do que seja e de como vai se comportar essa tal de “intervenção no Distrito Federal”? A intervenção é o segundo capítulo no livro de nossa aflição, depois do prólogo chamado “A Argentina se repete, e não é como farsa”.

A intervenção, por mais que pareça a solução mais sensata, não deixa de ser uma dessas abstrações sobre as quais tudo se pode projetar. É como “a crise” no raiar dos anos 80: sabia-se que ela vinha chegando, que seria terrível, que mudaria tudo, que poderia acabar com a ditadura mas também não garantiria a qualidade do que seria posto no lugar. E só se falava nela, “a crise” – que de tão (mal) falada mais parecia uma pessoa do que uma situação. Na época, o cronista Carlos Eduardo Novaes escreveu um belo texto sobre a iminência da chegada da crise, e sobre o que tal expectativa fazia com nossos inocentes corações brasileiros de então.

Pois Carlos Eduardo Novaes não sabe o que está perdendo em não pegar o primeiro avião para Brasília nesta tarde de terça-feira, dia 23 de fevereiro de 2010. Não é que as pessoas estejam reunidas, em pânico, fazendo filas e comprando provisões nas padarias das quadras comerciais. Não assim, visivelmente. Mas, nas cabeças e nas conversas, é como se o suprimento de água mineral já tivesse há muito se esgotado. Afinal, ninguém sabe bem como vai se comportar no cargo essa tal de intervenção. Será que ela começa o expediente bem cedo e faz serão, com aqueles anúncios de medidas bombásticas em entrevistas coletivas de parar a Globo News? Será que a intervenção visita obras, será que vai aos viadutos de Águas Claras saber se está tudo direitinho? E, se realizar uma boa gestão, será que a intervenção pode se candidatar à reeleição – quer dizer, à eleição?

Tudo é mistério. Brasília, sempre tão carimbada como capital da corrupção e dos políticos aproveitadores, já virou uma Argentina retardatária e agora está se transformando em capital do mistério. Um laboratório da crise, aquela com C maiúsculo, que volta e meia ameaça levar tudo à estaca zero, pré-64.

*A imagem que ilustra a postagem mostra o Palácio do Buriti, sede oficial do governo do Distrito Federal.

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