terça-feira, 26 de janeiro de 2010
O estorvo eleitoral
Dizem que ele é o verdadeiro anti-FHC. Certo é que é a mais incômoda pedra no sapato da imprensa anti-Lula
Na edição de hoje do “Correio Braziliense”, o colunista Luiz Carlos Azedo diz que Ciro Gomes virou o “estorvo eleitoral” de Lula e Dilma. Gostei do termo e vejo nele a expressão não de um incômodo, um entrave, uma pedra no meio do caminho não só da chapa governista e muito menos de nós outros, eleitores, com a carga negativa da expressão sugere à primeira vista. Gosto da expressão, isso sim, pelo que ela sugere de contrário a isso. Em outras palavras, pelo fato de considerar que Ciro é mesmo o nosso “estorvo eleitoral” de sempre, no que de melhor isso pode significar.
Senão, vejamos: candidato à presidência em 2002, Ciro foi transformado pela imprensa na mais clássica imagem do político indigesto, intrangisente e autoritário. Um verdadeiro “estorvo”. Para quem lê os jornais, vê os telejornais, ouve a cantilena das CBNs da vida mas toma o cuidado de também olhar em volta da realidade purinha como ela é, o padrão Ciro Gomes de comportamento eleitoral poderia não ser tão intragável assim. Ao contrário, poderia ser apenas uma expressão da sinceridade que, nestes tempos de hipocrisia disfarçada de ética, todo mundo deseja tanto ver nos políticos. Imagine o sujeito, candidato a presidente da República, repudiar, aborrecido, uma pergunta ou comentário capcioso feito por um ouvinte de uma entrevista radiofônica. Nem pensar. A etiqueta do candidato manda que ele engula tudo, ainda que junto com o sapo vá também uma boa fatia de dignidade perdida.
Ciro não se fez de rogado. Bateu, levou: tratou o eleitor comum e entrevistador ocasional com a mesma hostilidade contida na pergunta que lhe foi feita. De outra maneira, dialogou com o cidadão – essa criatura que se acha no direito de criticar todos os políticos mas repete em casa, na rua, no trabalho e onde mais estiver grande parte do padrão de comportamento que condena naqueles outros, os eleitos (aliás, eleitos por quem, cara pálida?). Se é assim, bem-vindo estorvo, que permite fazer o processo eleitoral se revelar como ele é.
Neste início de 2010, Ciro, depois de um período de calmaria calculada, retorna à cena como candidato à Presidência e volta a vestir a carapuça do “estorvo” de plantão. Nesta condição, ele é o estorvo que externa certas características da, digamos, “escolha Dilma”, ainda não deglutidas pelo conjunto dos simpatizantes do próprio PT e do próprio padrinho, Lula. Mas não se enganem, que ele também é um “estorvo” para o outro lado da arquibancada, que é a composição do PSDB e de Serra. Vide sua a esta altura já histórica crítica à gestão de Fernando Henrique, sobretudo aquela do segundo mandato, que se tornou quase uma âncora do pensamento ciriniano em política econômica. Neste sentido, para Lula, ele deixa de ser “estorvo” e torna-se um aliado ideal, pronto para entrar na batalha da comparação e sem medo algum de levar uns cascudos durante o embate – coisa que Dilma talvez não consiga fazer tão bem, embora, na superfície, também traga na cara sua porção “estorvo”.
Ciro também é, de certa maneira, um “estorvo” para os verdes pouco maduros da turma de Marina, porque afinal de contas é outra alternativa a correr na raia paralela. Mas, igualmente, pode tornar-se um “estorvo” agradável, pelo fato de fortalecer uma certa visão mais periférica do que foi o governo Lula, abrindo retornos para que o simpatizante do PT e do presidente sigam pelo caminho alternativo que não condena totalmente o governo mas tampouco o aprova integralmente. Como se vê, “estorvo” é um condição de duas faces – e tudo muda de perspectiva conforme o ângulo político pelo qual se observa a corrida. O fato é que esta é a semana do Ciro. O momento em que o “estorvo” vai ou não se consolidar nesta condição. É o que dizem os analistas políticos da imprensa como o Azedo supracitado. É que, segundo eles, não passa de sexta-feira o acerto de contas na arquibancada governista, com Lula de encontro marcado com o presidente do PSB, Eduardo Campos, para convencer Ciro a abandonar de vez a corrida ora já em curso.
Se Lula tiver sucesso – e não convém subestimar o “cara”, que parece ter uma estrela brilhando só pra ele lá no céu – Ciro sai do páreo, ou pelo menos muda de corrida. E, definitivamente fora da maratona presidencial, lá se vai ele ser “estorvo” de encomenda na competição pelo governo de São Paulo. Talvez nem ganhe nada, mas pelo menos vai atrapalhar os outros, como convém a um bom “estorvo” de plantão. A questão é: quanto, enfim, Ciro – este incômodo ambulante que não perde a mania de interromper jornalistas, barrar verdades mal construídas, dizer alto lá para raciocínios nem um pouco desinteressados – vai deixar de ser “estorvo” e virar possibilidade? Este fato, se ocorrer, muda tudo, agora, em 2014, 2018 ou mais além.
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Um comentário:
Ótimo,perfeito e eu, pela primeira vez, vou votar nele.
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