segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
Frost, Blair, Langella e Nixon
Toda vez em que eu penso em Tony Blair, vejo a cara de Michael Sheen. Definitivamente, desde que assisti ao filme “A Rainha” – aquele belo estudo sobre orgulho, nobreza e celebridades feito por Stephen Frears – o ator Michael Sheen me parece muito mais Tony Blair do que o próprio Tony Blair. Sheen, como Blair, é a representação que supera a realidade, a performance que ofusca o protótipo, a reconstrução que diz mais do que o reconstruído. Tony Blair, pra mim, será sempre Michael Sheen, com aquela mistura de indecisão e fascínio que ele exalava diante da rainha da Inglaterra, aquela postura entre respeitosa e timidamente atrevida diante da majestade, aquele impulso contido de dizer umas verdades a Elizabeth II e a coragem de defender a mesma soberana quanto o massacre midiático contra ela passou da medida. Nem Tony Blair faria melhor do que Michael Sheen.
Dias atrás, assisti a um filme similar à “Rainha”, de Frears. Filme muito aguardado, deste mesmo gênero informal que mistura política, diplomacia e expressivos conflitos instalados nas salas do poder mundial. É “Frost/Nixon” e, como os filmes de que a gente gosta, se você reparar bem, conversam entre si, lá está de novo, quem?, ele mesmo, Tony Blair – digo, Michael Sheen. Desta vez representando o apresentador de tevê meio bregão que furou todo mundo e conseguiu a histórica entrevista em que Frank Langella admitiu ter infringido a lei com a espionagem toda que foi o escândalo de Watergate – e, mais importante, em que finalmente pediu, à maneira dele, perdão aos americanos.
Êpa, eu disse “a história entrevista em que Frank Langella admitiu etc etc? Então, é a tal história que se repete: assim como Michael Sheen virou a imagem definitiva que me vem à cabeça sempre que alguém fala em Tony Blair, é a cara do ator Frank Langella que surge limpinha na minha mente quanto ouço alguém falar de Richard Nixon, o personagem real em questão. O curioso é que Frank Langella nem se parece muito com Nixon – ou pelo menos parece muito menos do que Sheen se parecia com Blair. Mas não tem jeito: depois de assistir ao filme de Ron Howard, Nixon vira Langella e não se fala mais nisso.
Mesmo que, nos extras do DVD, você possa assistir a trechos da entrevista real que chamou a atenção dos americanos e serviu de motivo e base para o filme. Lá, claro, aparecem o David Frost e o Nixon reais, cara limpa, inflexões autênticas, nada de encenação – quer dizer, nada de encenação em escala cinematográfica e acho que vocês me entendem. É onde vem a surpresa: a entrevista real parece muito menos impactante e muito mais mixuruca do que aquela que se vê na sua reconstituição, que é o filme. Coisa do cinema, da arte da representação, do talento de se tomar um evento real, estudar suas implicações e refazer suas circunstâncias em forma de imagem, som, representação de atores, luz, corte, ritmo.
É por isso, por causa da poesia e da eficácia dessa reconstrução, que certos episódios tomados pelo cinema e por ele reelaborados – quando bem conduzido todo o processo, claro – resultam no fato de a imagem de um ator se sobrepor ao próprio rosto da pessoa que ele representa. É uma questão de contorno, de realce das linhas daquela situação, numa engenharia humana que reedita os fatos e refaz as conexões entre eles, trazendo de volta para o debate público, via exibição, aqueles acontecimentos que custam a parar de dar o que pensar. “A Rainha” e “Frost/Nixon” são dois belos exemplos, capitaneados por Martin Blair e Frank Nixon.
(P.S: pelo mesmo motivo, quem engoliu em seco e foi ver “o filme do Lula” vai, muito provavelmente, passar o resto da vida visualizando o “Lula jovem” como a cara do ator Rui Ricardo Diaz)
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