domingo, 19 de abril de 2009

Contículus brasiliensis

O GUARDADOR

A velha vai sair daqui a pouco. Não sei como ela consegue dirigir andando assim. É tanta roupa, tanto véu, é pano demais por cima dessa carcaça seca. Pois, veja, esse mundo é muito desigual, não é que dirige como ninguém? Segura, apruma o carrão e com duas manobras tá na vaga. Tem muito menino parrudo por aí que pena, e se não fosse o véio aqui, ia não. Olha aí, lá vem. Toda determinada. Mas é pano demais. Um no pescoço, outro nas costas, uma – aquilo é uma camisola? – arrastando no chão. Não sei como não se enforca com a roupa do corpo. Bom dia, o carro foi bem vigiado! Nem olha, parece que nem ouviu. Tanto pano e tanta antipatia. Deus guarde, miserável.

E ainda me distraiu do garotão. Pode olhar, doutor? Esse devia pagar em dobro, que é tanto mequetrefe na máquina que se eu não ficar de olho bem aberto a molecada passa a mão nos, nos, como é que diz, nos, nos i- it- ah é, nos item. É, menino, é assim mesmo. Esse negócio de trabalhar na rua obriga a gente a conhecer muita coisa nova. O povo é que não muda. O menino todo lustroso, lapa de tênis, calça mais enfeitada que a cachorra da moléstia, bonezão, cor de quem vive no bem bom, cada muque de bezerro bem criado mas na hora de gratificar o cidadão aqui, sei não. Olhe, veja mesmo! Um moedão de um real. Por essa não se esperava. É vivendo e aprendendo. A rua é escola de véi sem ofício certo, se é.

Deixe eu correr que a moça da academia acabou de sair, toda molhada, salpicante, roupa justinha, bundona boa, peixona. Precisa pagar não. Basta passar. E quando passa, viu, parece que vai atrás dela uma curriola de passarim preto cantando bonito. É uma alegria que só vendo. Deus guarde tanta saúde. E o melhor é que eu posso urubuservar à vontade, porque a sereia bombada nunca que me vê. Passa por mim como se eu fosse uma parede de vrido, entendeu? É, de vrido, transpassante. Se não me vê, também não me recompensa o serviço – e o carro dela é todo chamativo, carro de mulher jeitosa, pouco gasto, bem tratato, brinco de ladrão. Se eu cochilar, a rapaziada reboca. Mas eu não deixo – e como é que vou viver nessa merda de rua de sol a sol catando resto de troco sem nem ao menos ter a sereia pra apreciar? Vá com Deus, minha filha.

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