domingo, 19 de abril de 2009

Brejeiros e sertanejos


Há muitos e muitos anos, nas profundezas de um país mitológico chamado Paraíba, iniciou-se uma guerra. De um lado, combatia o sertanejo; de outro, o brejeiro. Os embates maiores se davam quando derramava-se sobre o solo do sertão um período de seca brava, daquelas que aspiram o couro do gado e empurram a manada humana no rumo de paragem menos caatingosa. Era quando o sertanejo, sem alimento, sem água e sem saída, descia para o brejo, a região daquele país de geografia diversa, onde sempre havia chuva, frio, verde, cor, fruta e pão. Desde então, passou a dar-se o confronto eivado de preconceitos entre o sertanejo retirante e o brejeito abençoado. Para o primeiro, o segundo é um perigo à espreita, estuprador de suas mulheres, explorador de sua força de trabalho, criatura guarnecida de confortos mas desprovida de confiança. Para o segundo, o primeiro é uma subespécie que a miséria envia como notícias de paragens menos viçosas, elemento que se pode utilizar sem maiores reverências, pau pra toda obra, burro de carga rinchando de sede.


Esse conflito é uma das coisas que mais chama atenção no filme "Soledade", que o cineasta Paulo Thiago rodou em meados dos anos 70, com a acariense Rejane Medeiros estrelando no papel-título, de uma sertajena às voltas com as maravilhas e ciladas do brejo. O filme é uma adaptação livre do clássico paraibano "A Bagaceira", de José Américo de Almeida, onde, imagino - nunca li o livro, o que só agora, empurrado pelo filme, pretendo fazer - o tema do conflito entre o homem do sertão e o habitante do brejo é mais explorado. No filme, é um pano de fundo, presente o tempo todo, distribuído na postura dos personagens, na cenografia, na fotografia e mais explicitamente nos diálogos. "Mentira de brejeiro", diz um. "Aqui é o brejo, país estrangeiro. Vamos embora, filho", pregueja outro. "Vamos esperar até a noite. Brejeito tem medo de assombração", analisa um terceiro.


O brejo - e basta a própria sonoridade da palavra, com esse erre de corda de violão que torna o vocábulo ainda mais sonoro, bonito e sugestivo - me lembra meu pai que, como feirante e mangaieiro profissional (e dos melhores, pode perguntar por "Seu Bil" no Ceasa de Campina Grande!) muito visitava aquela região da Paraíba - e dela também muito falava. Assim, mesmo sem nunca ter ido ao brejo até hoje, quando ouço falar dele parece que se está falando assim de algum lugar bem conhecido. Por isso mesmo, fartei-me qual brejeito abençoado lendo as postagens do novo blogue da poti-paraibana Clotilde Tavares ("Umas e outras", link ao lado), em que ela conta como foi seu passeio pela cidade de Bananeiras no feriado da Semana Santa. Clotilde, com o conhecimento enciclopédico e sensível que tem das coisas da Paraíba, é a pessoa certa para nos esclarecer mais sobre o ancestral conflito entre sertanejos e brejeiros, as duas nacionalidades cindidas da Paraíba mais remota.


P.S: A foto que ilustra a postagem também é do interior paraibano, mas de outra região - pra ver como mesmo um estado pequeno territorialmente pode ser rico antropologicamente desde que se esteja no Brasil ou, mais precisamente, no Nordeste. É um trecho da estrada que leva a Campina Grande, na altura de Juazeirinho (PB), no chamado "Seridó paraibano".

Um comentário:

Clotilde Tavares disse...

Tião, tu tás me botando em camisa-de-onze-varas com essa história de me pedir pra escrever sobre o embate entre o brejo e o sertão. Mamãe era caririzeira, portanto sertaneja, e dizia que os brejeiros eram preguiçosos, safados, e não gostavam de trabalhar... "Esses amarelos!", dizia ela, com cara de enfado, e penso que era por causa das verminoses que se trasmitiam melhor nos terrenos úmidos do brejo. Vamos ver, vou botar a idéia pra cozinhar ali no meu caldeirão.