Comentários muito sensíveis de Tetê Bezerra nas postagens mais recentes sobre as férias me deixaram com vontade de especular um pouco mais sobre o nosso estado-companheiro, a agreste Paraíba. Por razões favoráveis ou não, também voltei das férias com um sentimento, digamos, remixado em relação à terra de João Grilo, o insolente paraibano criado por Ariano Suassuna, cuja naturalidade não está explicitada no texto do "Auto da Compadecida" mas para mim não resta dúvida de que ele nasceu, se criou e morreu - duas vezes, não foi? - ali em Soledade, Junco ou Juazeirinho. Digressão cortada, preciso dizer que há alguma coisa em mutação na Paraíba - provavelmente se poderia dizer o mesmo do Brasil inteiro, mas eu não percorri o país quando criança, e na Paraíba estive sim. É por isso que até hoje quando eu penso no que pode ser uma grande cidade eu me lembro de Campina Grande, sem que a repetição do adjetivo tenha nada a ver com isso - é um signo verdadeiro, muito mais do que uma expressão verbal.
Pois Campina Grande me deixou orgulhoso. Por onde passo, de Formosa, aqui em Goiás, até Carnaúba dos Dantas, lá no meu Seridó potiguar, noto que tudo cresceu, agigantou-se, movimentou-se, numa onda de fortalecimento das outrora pequenas economias do Brasil interior por tanto tempo tão esquecido pelos cabeças dos litorais. Em compensação, do ponto de vista da urbanidade, da organização, da prudência social e similares, tudo piorou na mesma proporção e parece que acompanhando o mesmo ritmo da fartura financeira. Não estou condenando o crescimento econômico das grandes cidades, das cidades médias e dos pequenos municípios do interior - era mais que necessário, especialmente no Nordeste. Estou reclamando da falta de uma coisa geral que a gente pode chamar de educação e que corra paralelamente a esse crescimento. Se houvesse - e mesmo que se queira que haja, é algo no que se investe hoje para colher rendimentos pelo menos dez anos mais tarde - , Carnaúba dos Dantas estaria mais pra-frente, sim, mas com menos balbúrdia na sua rua principal, que parece mais a Índia de Gloria Perez; assim como Formosa, aqui pertinho, teria provavelmente um trânsito mais disciplinado que a fizesse mais afortunada mas menos tumultuada.
E chegamos a Campina Grande: pois Campina me deixou orgulhoso. De todos os lugares que vi, ainda que muito rapidamente, foi o único que me pareceu igualmente mais abastado - embora sempre me tenha parecido uma cidade rica, e acho que sempre o foi - mas sem abrir mão de uma organização mínima que parece até estar estampada na figura dos seus habitantes. Pode ser engano provocado pelo itinerário rápido - repito, foi uma estada de menos de um dia - mas achei a cidade limpa, disciplinada, pouco barulhenta, clara e espaçosa mesmo com, como acontece com todos os lugares hoje em dia, um grande número de carros nas ruas. Sem falar numa ruma de sebos que achei bem no lugar onde parei, aquela praça perto do antigo cinema Capitólio.
Essa foi a razão favorável a que me referi lá no início. A parcela desfavorável nessa balança paraibana veio em João Pessoa. Há uns cinco ou seis anos, estivemos lá, eu e Rejane, ainda sem os meninos, em férias bem agradáveis de dois dias. Agora, voltamos. Um colega de trabalho que visita periodicamente a cidade em férias e havia vindo pouco antes da gente advertiu: o ruim é que agora a cidade está cheia de pedintes. E é verdade. Não que a gente tenha constatado o que o colega disse - a gente meio que foi esbofeteado por essa evidência, o que é muito diferente. João Pessoa, essa Brasília à beira mar de normalmente tão calma, também tão organizada, até meio tediosa de tão quieta, parece ter sido invadida por uma legião de pedintes dos mais variados tipos - desde o cara de pau absoluto de 18 anos até o ancião com a perna enfaixada bem na porta do shopping center, onde mais? Voltamos com uma imagem ligeiramente arranhada - e olhe que nós não somos gente que não suporta pobre, pedinte, petistas e outros espécimes "dessa raça" como diria um certo político brasileiro - ao contrário, nós, por graça de origem, de certa forma ainda fazemos parte dela.
Mas é que fica a impressão nascente de que, com o pequeno impulso no turismo local - impulso ainda bem incipiente perto do que se deu em Natal - já há um apelo no ar que faz as pessoas tentarem tirar proveito da maior quantidade de dinheiro em circulação, e de uma das piores maneiras possíveis. Gonzagão, coitado, já deve ter dado umas cem voltas em torno dele mesmo dentro do túmulo. Num país que, com crise ou sem crise, experimentou uma redistribuição de renda inédita e um aumento na capilaridade dos dutos por onde circula o dinheiro pouco visto, não se justifica aquela quantidade de pedintes nas ruas de João Pessoa. Depõe contra o espírito de certo segmento dos paraibanos - infelizmente, tenho que dizer, de nós, nordestinos em geral. E se você acha que estou sendo autopreconceituoso, eu lhe cito um outro exemplo que infelizmente vem há muito mais tempo causando um rombo na imagem da Paraíba: aquela extorsão oficial que se dá nos postos da Operação Manzuá, quando se entra ou sai do estado. Não foi vítima ainda? Quando for à Paraíba, meu caro, leve um trocadinho para dar ao guarda rodoviário da divisa, caso contrário ele pode criar caso com você.
E não acabou: volto e sai a notícia do desfecho - será mesmo desfecho? - daquela história do processo contra o (então) governador Cássio Cunha Lima. Depois de depor e repor o governador no cargo várias vezes, como se o cidadão paraibano, eleitor ou não do tucano Cássio, merecesse assistir a essa violência institucional, finalmente a Justiça Eleitoral o removeu o cargo. Bem no meio do mandato, pois não? E dando posse ao adversário mais frontal, correto? Isso é lá procedimento jurídico que se respeite, se reconheça e se cumpra? Não seria o caso de demover dos seus cargos os próprios homens da Justiça por terem demorado tanto para julgar a denúncia - deixando o cidadão, o maior prejudicado pelo derruba-e-repõe-e-derruba-de-novo em expectativa e desamparo? Tive pena da Paraíba e dos paraibanos ao saber do veredicto do TSE, me lembrei da Operação Manzuá que também entorta a lei pelas mãos de quem mais deveria cumpri-la, veio à mente a invasão dos pedintes ansiosos por levar o deles na incipiente explosão do turismo em João Pessoa.
Salvou-se Campina Grande, do Açude Velho (na foto), ainda bem, Tetê. Meu relicário não se quebrou. Mas a continuar assim, parodiando o baiano Gregório de Matos, "triste Paraíba, ó quão dessemelhante..."
Pois Campina Grande me deixou orgulhoso. Por onde passo, de Formosa, aqui em Goiás, até Carnaúba dos Dantas, lá no meu Seridó potiguar, noto que tudo cresceu, agigantou-se, movimentou-se, numa onda de fortalecimento das outrora pequenas economias do Brasil interior por tanto tempo tão esquecido pelos cabeças dos litorais. Em compensação, do ponto de vista da urbanidade, da organização, da prudência social e similares, tudo piorou na mesma proporção e parece que acompanhando o mesmo ritmo da fartura financeira. Não estou condenando o crescimento econômico das grandes cidades, das cidades médias e dos pequenos municípios do interior - era mais que necessário, especialmente no Nordeste. Estou reclamando da falta de uma coisa geral que a gente pode chamar de educação e que corra paralelamente a esse crescimento. Se houvesse - e mesmo que se queira que haja, é algo no que se investe hoje para colher rendimentos pelo menos dez anos mais tarde - , Carnaúba dos Dantas estaria mais pra-frente, sim, mas com menos balbúrdia na sua rua principal, que parece mais a Índia de Gloria Perez; assim como Formosa, aqui pertinho, teria provavelmente um trânsito mais disciplinado que a fizesse mais afortunada mas menos tumultuada.
E chegamos a Campina Grande: pois Campina me deixou orgulhoso. De todos os lugares que vi, ainda que muito rapidamente, foi o único que me pareceu igualmente mais abastado - embora sempre me tenha parecido uma cidade rica, e acho que sempre o foi - mas sem abrir mão de uma organização mínima que parece até estar estampada na figura dos seus habitantes. Pode ser engano provocado pelo itinerário rápido - repito, foi uma estada de menos de um dia - mas achei a cidade limpa, disciplinada, pouco barulhenta, clara e espaçosa mesmo com, como acontece com todos os lugares hoje em dia, um grande número de carros nas ruas. Sem falar numa ruma de sebos que achei bem no lugar onde parei, aquela praça perto do antigo cinema Capitólio.
Essa foi a razão favorável a que me referi lá no início. A parcela desfavorável nessa balança paraibana veio em João Pessoa. Há uns cinco ou seis anos, estivemos lá, eu e Rejane, ainda sem os meninos, em férias bem agradáveis de dois dias. Agora, voltamos. Um colega de trabalho que visita periodicamente a cidade em férias e havia vindo pouco antes da gente advertiu: o ruim é que agora a cidade está cheia de pedintes. E é verdade. Não que a gente tenha constatado o que o colega disse - a gente meio que foi esbofeteado por essa evidência, o que é muito diferente. João Pessoa, essa Brasília à beira mar de normalmente tão calma, também tão organizada, até meio tediosa de tão quieta, parece ter sido invadida por uma legião de pedintes dos mais variados tipos - desde o cara de pau absoluto de 18 anos até o ancião com a perna enfaixada bem na porta do shopping center, onde mais? Voltamos com uma imagem ligeiramente arranhada - e olhe que nós não somos gente que não suporta pobre, pedinte, petistas e outros espécimes "dessa raça" como diria um certo político brasileiro - ao contrário, nós, por graça de origem, de certa forma ainda fazemos parte dela.
Mas é que fica a impressão nascente de que, com o pequeno impulso no turismo local - impulso ainda bem incipiente perto do que se deu em Natal - já há um apelo no ar que faz as pessoas tentarem tirar proveito da maior quantidade de dinheiro em circulação, e de uma das piores maneiras possíveis. Gonzagão, coitado, já deve ter dado umas cem voltas em torno dele mesmo dentro do túmulo. Num país que, com crise ou sem crise, experimentou uma redistribuição de renda inédita e um aumento na capilaridade dos dutos por onde circula o dinheiro pouco visto, não se justifica aquela quantidade de pedintes nas ruas de João Pessoa. Depõe contra o espírito de certo segmento dos paraibanos - infelizmente, tenho que dizer, de nós, nordestinos em geral. E se você acha que estou sendo autopreconceituoso, eu lhe cito um outro exemplo que infelizmente vem há muito mais tempo causando um rombo na imagem da Paraíba: aquela extorsão oficial que se dá nos postos da Operação Manzuá, quando se entra ou sai do estado. Não foi vítima ainda? Quando for à Paraíba, meu caro, leve um trocadinho para dar ao guarda rodoviário da divisa, caso contrário ele pode criar caso com você.
E não acabou: volto e sai a notícia do desfecho - será mesmo desfecho? - daquela história do processo contra o (então) governador Cássio Cunha Lima. Depois de depor e repor o governador no cargo várias vezes, como se o cidadão paraibano, eleitor ou não do tucano Cássio, merecesse assistir a essa violência institucional, finalmente a Justiça Eleitoral o removeu o cargo. Bem no meio do mandato, pois não? E dando posse ao adversário mais frontal, correto? Isso é lá procedimento jurídico que se respeite, se reconheça e se cumpra? Não seria o caso de demover dos seus cargos os próprios homens da Justiça por terem demorado tanto para julgar a denúncia - deixando o cidadão, o maior prejudicado pelo derruba-e-repõe-e-derruba-de-novo em expectativa e desamparo? Tive pena da Paraíba e dos paraibanos ao saber do veredicto do TSE, me lembrei da Operação Manzuá que também entorta a lei pelas mãos de quem mais deveria cumpri-la, veio à mente a invasão dos pedintes ansiosos por levar o deles na incipiente explosão do turismo em João Pessoa.
Salvou-se Campina Grande, do Açude Velho (na foto), ainda bem, Tetê. Meu relicário não se quebrou. Mas a continuar assim, parodiando o baiano Gregório de Matos, "triste Paraíba, ó quão dessemelhante..."
P.S.: José, de Parelhas, lembra que Equador ainda fica no Rio Grande do Norte. É verdade, José. Eu é que confundo tudo na minha geografia precária e sentimental. Obrigado pela correção.
Um comentário:
Tiao,vc sempre com seu texto impecável me traz de volta a paraiba,pois bem,semana passada dei uma volta pelo brejo,aquele entorno bananeiras,remígio, areia e adjacências.Voltei encantada com o que vi,o verde sempre perene,os engenhos,a cidade de areia com seus prédios antigos,as casinhas preservam a arquitetura antiga.Só faltou cruzar com Pedro Américo nas ruas,por sinal muito lembrando e reverenciado pela memória da cidade.
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