De alguma maneira, talvez até com sinais trocados, o delegado Protógenes é o Luiz Francisco da era Lula. Os dois têm uma aparência meio fora de padrão, um olhar esquisitão, um jeito de corpo de quem circula entre teorias conspiratórias e verdades silenciosas que muita gente se nega a ouvir e admitir. Assim como o procurador Luiz Francisco, Protógenes tem um quê de louco e uns tiques de visionário. Em seu favor, ambos invocam o papel constitucional de estarem cumprindo os seus deveres - e o fazem, claro, por terem sido ambos acusados de extrapolarem esse papel. Até na maneira tortuosa de se expressar - a maneira, afinal, como se expressa a grande maioria dos brasileiros comuns, que não fazem parte do mundo midiático glamourizado - é semelhante. Os dois não têm o talento tão necessário nessas horas de ir direto ao ponto e de ser didático nas explicações sobre as maracutaias federais que desvendam. Pior pra eles, mas também para a Justiça, que nem sempre rima realidade com objetividade.
Essas considerações me ocorreram ao assistir à entrevista que Protógenes deu, ao vivo, agora pela manhã, à tevê do portal UOL. Foi como ver, anos mais tarde, a reaparição de Luiz Francisco, o procurador do Ministério Público que ficou famoso por denunciar o envolvimento de Eduardo Jorge, então funcionário do Palácio do Planalto no escalão mais íntimo do presidente Fernando Henrique Cardoso, no escândalo do desvio comprovado de dinheiro público das obras do TRT de São Paulo. Como acontece agora com Protógenes, Luiz Francisco foi alvo de uma campanha que o desacreditava em cada gesto, cada denúncia, cada palavra. Na época, a imprensa só faltou dizer que Luiz Francisco estava errado porque era feio e meio aleijado - porque todos os demais argumentos possíveis foram jogados na arena onde o procurador foi apedrejado com reportagens, editoriais e afins.
Pois toda a experiência que a mídia colocou em prática contra Luiz Francisco, com a eficiência que ela costuma ter, parece estar sendo reaproveitada agora no caso da Operação Satiagraha. Então um delegado federal recebe a incumbência de investigar uma das figuras mais poderosas, financeiramente influentes e midiaticamente protegidas do país e, relizado o trabalho, vê-se na condição, ele sim, de vilão nacional. A operação policial é meticulosamente demolida constatação por constatação - se não por evidências que negem o que foi apurado, por um silêncio omisso que faz de conta que essas evidências em si simplesmente não têm validade, porque o que não é notícia absolutamente não existe. A existência de grampos, legais ou não, são desde os tempos de Luiz Francisco, um recurso usado nesta estratégia geral de desacreditar o denunciante. Não são novidade nenhuma - e mais uma vez estão sendo postos à frente da investigação primeira e seu objeto, o "banqueiro bandido", como disse Protógenes ao UOL, Daniel Dantas.
Com essa entrevista de hoje, parece que está se explicitando uma decisão de Protógenes de se expor mais, sair da toca e colocar a cara para bater expondo seus pontos de vistas. E nisso mais uma vez a figura dele se aproxima da de Luiz Francisco que, encarnando o profeta maluco que tanto se quis ver nele, também não se furtava a encarar câmeras e microfones. Protógenes, ao escolher uma tevê transmitida apenas via internet, parece ter um pouco mais de dicernimento do que Luiz Francisco, pois que optou por um veículo algo alternativo e mais linkado com a nova audiência formadora de opinão. Uma audiência que desconfia da mídia tradicional e se abastece de informação na rede mundial tanto quanto a utiliza para rebater o que os jornalistas escrevem como reis sentados em seus tronos falsos - como, em outro caso, vem acontecendo com a jornalista Ruth de Aquino, que foi pra lá de parcial numa reportagem sobre o menino Sean na revista "Época" e agora se vê obrigada a receber um retorno dos leitores nem um pouco ingênuos.
A propósito dessa nova era da mídia que não pode passar seus tratores de papel e imagem sobre o bom senso de um público igualmente novo, assim como a propósito da semelhança entre Protógenes e Luiz Francisco, como também a propósito das danças e contradanças daquilo que se convencionou chamar de "opinião pública", deixo uma recomendação aos leitores do Sopão: depois de apreciar os jornais e assistir aos telejornais, leiam, urgentemente, o texto da peça de Ibsen, "Um inimigo público" - um texto impactante e incomodado sobre fenômenos como esse a que assistimos mais uma vez, de uma denúncia que procura desacreditar uma outra denúncia, num jogo desonesto que tenta manipular o julgamento popular. Há uma edição boa e barata em formato de bolso dentro da coleção L&PM Pocket disponível em livrarias e, ironicamente, até nas mesmas bancas de jornais onde hoje reina o vilão Protógenes e ontem foi ridicularizado o bufão Luiz Francisco.
3 comentários:
Concordo com você, meu caro. Estive no Seridó no último final de semana, mas não passei por Parelhas. E você, já voltou para Brasília?
Um abraço.
Também concordo, Sebá. Acho o fim da picada o banqueiro bandido ter virado vítima nessa história.
Faço coro com os outros dois comentaristas/visitantes. Texto oportuno e, como sempre, incisivo. Um abraço. EM TEMPO - Tenho essa peça de Ibsen, considera uma das suas melhores.
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