Leio no blogue de Ricardo Kotscho que o empresário Nelson Tanure anuncia esta semana a data em que vai circular a derradeira edição do Jornal do Brasil. É curioso que a notícia saia no mesmo dia em que as manchetes da edição eletrônica de O Globo destacam: "FH e Lula tiram 12,1 milhões da miséria"; "Presidente usa trem-bala em favor de Dilma" e "Serra atrasa divulgação de programa de governo (Candidato, que não assina nada sem ler, quer dar uma última olhada)". Vejo isso e fico pensando - eu e muita gente, tenho certeza - se não seria mais honesto intelectualmente o Globo declarar logo, em editorial de primeira página com letras garrafais que é ardoroso defensor do candidato Serra, embora a inclinação do noticiário a favor do tucano seja tão flagrante que possivelmente dispensa tal reconhecimento. O mais lamentável, neste caso, é que O Globo não é nem um caso condenável à parte, como sabe todo mundo que ao menos uma vez por semana passa diante de uma banca de jornal. Ao contrário, isso tem sido a norma, do Rio de Janeiro a Natal. Está todo mundo seguindo essa cartilha de defender seu candidato com unhas, dentes, manchetes e raciocínios tortos - todos fechando os olhos, voluntaria e soberbamente, à capacidade do seu leitor de avaliar ele mesmo os fatos divulgados.
Mas já estamos fugindo do assunto, que o motivo da postagem é o lamento, mesmo, pelo fim do velho JB que foi, pra mim e para tantos, estudantes colonizados da grande imprensa brasileira, ele sim um exemplo - um espelho onde todo mundo queria se mirar. O JB é o veículo que reinou absoluto sobre muitos dos meus domingos natalenses, em tardes espichadas dos tempos de hóspede da Residência Universitária Campus I, nas ribanceiras ventiladas da nossa UFRN. Cansei de atravessar domingos imerso na leitura daqueles entrevistas cuja diagramação me vem à mente quase automaticamente só de falar delas, ilustradas, salvo engano, por belas caricaturas de Ique, assim como no deleite de apreciar os melhores textos da imprensa brasileira dos anos 80, em reportagens longas ou não, em críticas de filmes e análises de livros e discos, a face visível e analítica dos fenômenos da época (o governo Sarney, a era Collor, a emergência do rock Brasil e por aí afora).
O JB era uma excelência em textos: notava-se como cada sentença, cada parágrafo, cada afirmação era burilada em máquinas de escrever cuja mecânica - hoje a gente sabe, diante da leveza do computador - nem ajudava muito. Mas como se fazia questão de que o texto jornalístico fosse um primor à parte, tivesse a matéria duas ou vinte laudas. E era um texto que estava ali perto da gente: no caso de Natal, lembro do cuidado e do apuro com que Luciano Hebert, correspondente do JB que também era editor de política da Tribuna, preparava suas histórias curtas mas sempre curiosas e notavelmente saborosas na forma narrativa com que apareciam naqueles quadros reticulados do diário carioca.
Outro marco, para a minha geração que só foi entrar neste mundo de jornais e jornalistas com os anos 80 já bem adiantados, foi a coluna que Ricardo Noblat manteve durante os renhidos anos Collor, tempos de embates apaixonados nos quais a intervenção do jornalista pernambucano virava uma espécie de abaixo-assinado que todos queriam legitimar. Ler Noblat combatendo Collor fortemente - até ser calado pelo presidente em manobras palacianas-empresariais, o que também não deixa de ser um exemplo invertido para os nossos dias de guerra envergonhada a Lula - era como levantar uma bandeira, sentir-se participante de um embate vital para refazer um país. A intenção era corretíssima, embora o tempo - sempre ele - viesse nos dizer o quanto de inocência havia ali.
E havia, à guisa de sobremesa impressa, aquele doce semanal que era a revista Domingo, com uma pauta que ia da culinária à cultura, do comportamento à moda, mas sem se prender na futilidade que o caráter feminino de tais suplementos quase sempre impõe a esse tipo de publicação. Um espírito que o tempo levou para a revista dominical de O Globo (para onde se mudou o indefectível Arthur Xexeo e sua pauta sempre abastecida de assuntos ligeiros), este mesmo O Globo cuja edição eletrônica publica hoje manchetes tortas que também podem ser o prenúncio de um outro fim, infelizmente nem tão lamentável quanto a despedida do JB sugere. O fim do JB entristece (mesmo que hoje ele já seja uma sombra embotada do que foi, o que também não soa justo), provoca saudades de uma época, nos faz lembrar de nós mesmos e finalmente mexe com esse quadro atual do, digamos assim, sistema de comunicação de massa em exercício no país. Um conjunto de veículos de comunicação que nega a natureza do próprio negócio que pratica e dia a dia parece somente elevar perigosamente o índice dos seus riscos, seus abusos, sua cega e estúpida visão (?) do Brasil - este Brasil tão mudado sem que gente aparentemente tão preparada para analisá-lo possa sequer enxergá-lo no que ele tem de mais óbvio.
De qualquer maneira, adeus JB - que vire ao menos uma boa memória.
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