Não lembro se Luis Fernando Veríssimo matou, por assim dizer, a Velhinha de Taubaté. Para os menores de 30 anos, explico que esse era o nome da personagem que melhor traduziu os últimos anos da ditadura militar à brasileira, com sua mania crônica de ser a última a acreditar nas boas intenções dos militares de plantão e seus tecnocratas graduados. O fato é que a Velhinha, se não foi tirada de circulação por seu criador, morreu de velhice mesmo, assim como o regime que justificava sua existência.
Mas a gente sabe muito bem que certas criações literárias ou jornalísticas não se contentam com o anonimato. Insistem em voltar, nem que seja como farsa. Pois tive a nítida impressão de que foi isso o que aconteceu três anos atrás em Cruzeta. Isso mesmo, a cidade de Cruzeta, ali no nosso querido Seridó, no interior do Rio Grande do Norte. Desconfio seriamente de que a Velhinha de Taubaté, teimosa como todo idoso que se preza, deu um jeito de reencarnar em Cruzeta. E fez isso de uma maneira inédita: no lugar de se incorporar no corpo de um recém-nascido para ter uma nova e longa vida pela frente, preferiu inundar a alma de várias pessoas, já crescidas, perfeitamente adaptadas ao calor local. A Velhinha teria trocado Taubaté, no interior paulista, por uma nova existência em forma de inconsciente coletivo lá no sertão potiguar.
Se você ainda não descobriu onde quero chegar é porque não leu a história mais curiosa que a cidade seridoense forneceu ao noticiário nacional nos últimos anos. Não venham dizer que estou delirando, porque tenho quase certeza de que li no jornal ou na revista a notícia de que numa praça da cidade foi encontrado um vasto e bem adubado canteiro de cannabis, a popular maconha que tanta confusão provoca ao ser citada no almoço familiar de domingo.
Nada demais, há de dizer o interlocutor imaginário, já que não são poucos os casos de gente que cultiva ilegalmente a erva maldita em casa para consumo próprio. Pode ser, mas eu duvido que em algum desses casos os responsáveis pela lavoura tenha sido um grupo de velhinhas que, até serem alertadas, consideravam que as plantinhas davam um excelente chá curativo, indicado para vários males.
Em Acari, cidade vizinha, há um ditado que só os moradores locais entendem: “Nada pra Cruzeta”. É uma referência a um comentário de antigamente, quando o ônibus da Jardinense que seguia para Caicó, sem passar por Cruzeta, deixava ali encomendas para a cidade vizinha. Até hoje, em Acari, dizer “nada pra Cruzeta” é comentar, com ironia, que alguém ficou sem algo que esperava, ou precisava, ou merecia. É engraçado, pernóstico e também divertido, mas não deixa de soar injusto para com Cruzeta.
Se é assim, a história do canteiro de maconha, embora cercada por uma sombra de ilegalidade, limpa a ficha da cidade ultrajada. Enquanto todo mundo estava na base do “nada pra Cruzeta”, ela mostrou que, com a elegância sutil das velhinhas, foi durante um bom tempo nossa Amsterdã desconhecida.
* Descobri, somente depois de escrever o texto, que a notícia é bem velha. Eu é que devo ter lido com o atraso – e a distração – de sempre. O fato é que até agora não consegui lembrar onde li essa incrível história. Mas num blogue na internet, achei a reportagem da TV Cabugi sobre o “causo”, feita por Carla Rodeiro, em 2007.
Um comentário:
querido tia seba, em piraju (cidade paulista simliar a cruzeta, que vc conhece) um bando de maluquinhos ficou amigo de um senhor que plantava em seu quintal alpiste para seus canários. o bando sugeriu que o velhinho plantesse um outro tipo de alpiste muito bom para fazer os bichinhos cantarem. a passarinhada fazia óperas com a semente nova! os meninos iam visitar o velhote quase diariamente até o dia que a polícia o prendeu por plantar maconha na sua horta.de
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