terça-feira, 30 de março de 2010

Bibliotecárias de antanho (parte 2)


Se promessa é dívida, segue agora a segunda parte da série de histórias das bibliotecárias de nossas (a esta altura, já tão distantes) infâncias.

Estamos, um grupo de garotos curiosos, fuçando as estantes da biblioteca municipal, naquele silêncio que só os anos 70 podiam oferecer em tais lugares. Passamos as lombadas da coleção de Érico Veríssimo e nos aproximamos perigosamente da parte onde ficam os livros de Jorge Amado, berrantes capas vermelhas, gabriélicos apelos de mãos esticadas para leitores potenciais.

Aproxima-se uma bibliotecária de cabelos primorosamente arrumados - um corte moderno para a época, curto, penteado meio jogado para trás -, brincos enormes, unhas rubras compridas e afiadas como facas de cozinha, sorriso sério de dentes serrilhados e um puxão de ironia no canto direito da boca que brilha feito neon de tanto batom. É ela chegar perto, com o toc toc toc dos saltos quebrando o clima monástico e já pressentimos - lá vem bomba.

Ela levanta a voz e indaga, quase que já respondendo, e praticamente já repreendendo também, pra encerrar a conversa:

- E vocês vão ler "ruuumances"?

Peço desculpas pela grosseria da grafia da palavra "romance", mas não há outro jeito de mostrar como foi que a bibliotecária pronunciou este vocábulo da língua portuguesa, recobrindo-o com uma camada de obscenidade proibida e ao mesmo tempo convidativa que o faria perdurar por vários anos nas nossas mentes como algo bem interessante.

Pois é, corriam os anos 70 no Seridó brasileiro e havíamos acabado de cometer o supremo pecado de pensar em ler "ruumances".

Pelo menos ela não notou que a gente estava a um passo da estante onde acenava, diabólico, "O Amante de Lady Charteley" - que, aliás, apesar da bibliotecária, deve ter sido um dos livros lidos do acervo municipal.

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