Viajar sem expectativas é o melhor pacote que agência nenhuma oferece. Derrubado por febres vespertinas, segui para Natal e Acari achando que sofria de alguma espécie de gripe asinina. O resultado foi que passei praticamente todo o final da festa de Nossa Senhora da Guia enfurnado em casa enquanto os festejos corriam lá fora. Não que eu seja muito chegado a festejos, mas andar por aí é uma maneira e tanto de aproveitar o clima festivo que toma conta da cidade no mês de agosto. O fato é que, na casa de Sandra, no coração da rua da Matriz, mesmo incapacitado de sair pelas ruas, basta ter ouvidos atentos e olhos para ver que a festa vem até você. Como um presente inesperado - um bônus que agência de viagem alguma banca ao turista desavisado.
E assim foi: logo na chegada a Acari, antes de o carro pisar propriamente na cidade, uns clarões no céu à esquerda da BR 226 chamavam a atenção. "Seriam relâmpagos?", especulamos. Não era chuva nem raio nem trovão - eram os fogos que enfeitam o céu ao final da novena, encerrada bem na hora em que a gente chegava à cidade. E o mais incrível: nunca houve melhor visão dos fogos noturnos da festa de agosto do que aquela que tivemos, nós e os meninos (sobretudo os meninos, que aproveitaram ainda mais impressionados este momento), ali de dentro do carro, chegando ao nosso destino, exaustos depois de quatro horas de voo e duas de estrada. Um belo presente, quanto maior a coincidência proporcionada pelo momento.
Depois, na manhã seguinte, bem cedinho, desperto com os sopros da banda, tocando a alvorada. Outro presente não prometido nos planos da viagem, mas apenas uma prévia do que viria à noite. É que a minha febre vespertina de cinco dias se tornava particularmente insuportável ao cair da noite. Então, lá do quarto, tentando colocar curativos mentais nas minhas juntas doloridas , ouço a banda descendo a rua. Fico com pena - queria ir lá fora, dar uma olhada, acompanhar um pouco, levar Bernardo e Cecília. É quando a banda ataca logo "Royal Cinema", a composição que me inspirou a escrever a peça "Valsa na Varanda" - uma música que, sem qualquer ranço oficial, bem poderia ser o hino nacional do Seridó. Acontece então que o som da banda se torna cada vez mais forte, como se tivesse interrompido a descida da rua, no rumo da praça principal. Como se os músicos estivessem tocando ali em frente de casa: pois estavam. Levantei, fui até a janela e ganhei de presente um rápido concerto - pago pelos vizinhos, tenho que reconhecer (e serei sempre grato a eles).
Na volta a Brasília, depois da rápida temporada em Natal, chegamos ontem à noite, noite de domingo, a capital escura, silenciosa e calma como Natal não tem sido, aqueles vácuos do cerrado, aqueles desertos. Mas então, garagem aberta, bagagens descarregadas, banho tomado, cai aquela chuva sonora, constante, quase cenográfica - algo extramemente raro em Brasília neste época do ano. A chuva continuou a noite inteira, deu pra dormir com essa trilha sonora inesperada, foi possível continuar respirando por aqui um pouco da umidade que se respira por lá. Um outro presente de chegada, imprevisto e marcante, do tipo que agência de viagem nenhuma pode prometer, por preço nenhum neste mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário