Assisti aos dois filmes citados na postagem anterior sobre Valerio Zurlini praticamente sem informação nenhuma sobre o diretor italiano. Pra não dizer que estou mentindo, li, meses atrás, num velho exemplar da revista Manchete da sessão de periódicos desbotados da biblioteca da UnB, uma reportagem de duas páginas, com aqueles fotões imensos, sobre, exatamente, a expectativa pela estréia no Brasil de "O Deserto dos Tártaros". Era outro cinema, outra imprensa brasielira, outra crítica cinematográfica, outro tipo de expectativa, em tudo muito diferente daquela que hoje antecede o lançamento de um arrasa-quarteirão de herói dos quadrinhos alçado a estrela de filmes caros, obrigatoriamente divertidos mas também muito barulhentos.
E sendo diferente assim, era interessante ler a reportagem e perceber a boa expectativa em torno da chegada de "O Deserto dos Tártaros" ao Brasil. A julgar pelo texto, parecia que se aguardava um épico convencional - o que ele só aparentemente é; no extremo, parece ser justamente uma crítica feroz a esse tipo de cinema grandioso, heróico e arrebatado. Digo isso porque o filme de Valério Zurlini, se fosse exibido hoje, torraria a paciência das platéias ansiosas e muito provavelmente estaria relegado ao mais sombrio dos circuitos alterantivos do mercado exibidor. Mas, não: lá estava ele numa revista de variedades mundana como era a Manchete de Adolpho Bloch.
Hoje, só depois de ver "O Deserto..." e "A Primeira Noite de Tranquilidade" fui às páginas de uma outra revista, mais atual mas igualmente mundana - a internet -, para saber quem foi esse diretor de cinema tão instigante e tão ignorado na atualidade. E descobrir também porque não se fala dele hoje em dia como se fala de seus conterrâneos Fellini e Antonioni, só pra ficar em dois exemplos do mesmo tempo e lugar.
Em sites e blogues, a avaliação é de que Zurlini está próximo de Antonioni mas sem a celebridade do diretor de "O Eclipse" pelo fato de ter renunciado à busca de revolucionar a forma cinematográfica. O diretor de "A Primeira Noite..." teria optado por dirigir o foco de seu cinema à investigação mais profunda de seu objeto - o homem e seus impasses - valendo-se de recursos formais que já existiam de maneira estabelecida. Antonioni foi além na exploração dos seus silêncios visuais e cultivou os impasses formais, enquanto Zurlini se deteve a tempo de fazer suas investigações com o que havia de subjetivo, sim, mas à mão, sem colocar em risco a estrutura que sustentava o filme como suporte geral da especulação.
Concordo que parece sutileza demais, mas quando lembro da força dos vácuos narrativos na antissaga de Jack Nicholson em "Passageiro, Profissão: Repórter", compreendo que estão muito mais ao alcance das massas as pausas climáticas - ou anticlimáticas - de "A Primeira Noite de Tranqulidade". Mas ainda que não houvesse a mínima narração convencional, o mais elementar começo-meio-e-fim entremeado pelos menos detectáveis pontos de virada, ainda assim o cinema de quem faz um filme como esse não deveria passar em branco na memória das artes, como parece ter acontecido.
3 comentários:
Tião,
Zurlini foi um diretor muito talentoso, que, após morrer relativamente novo, caiu no esquecimento, até que de uns anos para cá está sendo "redescoberto", através do lançamento em DVD de seus filmes. Tenho "Verão Violento", que é muito bom, realizado ainda na década de 1950. Tomara que nesse pacote venha "Dois Destinos", da década de 1960, que é tido como um dos seus melhores filmes. Um abraço. - EM TEMPO - Conhece Deserto dos Tártaros, o livro?
Rapaz, descobri Zurlini no ano passado, graças a Fernando Monteiro, que andou comentando a obra dele lá pelo SP. Motivado pelos filmes, li também O Deserto dos Tártaros, de Buzzati (gostei mais do filme, coisa muita rara). Assisti outros três filmes do diretor, todos excelentes. Dos quatro, gostei mais de O Deserto..., e A Primeira Noite de Tranquilidade. Mas recomendo todos. Trata-se de um grande diretor. Abs.
Tácito
tambem descobri zurlini recentemente, graças ao coleguinha ai de cima. tacito me emprestou verao violento e a garota com a valise (com claudia cardinale, linda). gostei dos dois, mas mais de verao violento.
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