quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Orlando no lixo


A paciência de Orlando, a expressão do ministro, o olhar deixa-estar do homem do PCdoB, a caneta que ele tamborila entre os dedos, o suspiro que vem quando nada mais – nem o olhar, nem o tamborilar e tampouco a paciência – dão conta de oferecer qualquer resposta possível. Toda vez que a câmera da TV Câmara mostrava o ministro Orlando Silva no depoimento dessa terça-feira numa das comissões da casa era como se Ingmar Bergman tivesse voltado à vida, desistindo das angústias internas do seu país de origem e ressuscitado só para rodar um último curta-metragem em Brasília.

Um rosto marcado, um Orlando cansado, vencido, derrubado mas com uma gota de dignidade negada ali diante de netinhos dos ditadores brazucas, mostrando involuntariamente o que é ser atacado por todos os lados – a visão do ser humano acuado no país de Tiradentes, antes do político da “Veja”.

O leitor pode me jogar na cara a reclamação da ética, da honestidade, do brio com a coisa pública, pode me cobrar a falta de suposta imparcialidade, pode devolver pra mim a mesma queixa que alimento em relação aos analistas políticos dos jornais quanto a torcer mais do que analisar, que eu não me entrego, não mudo de opinião. Não perco por nada a louvação daquela visão do cachorro morto pisado com lascívia e reagindo com a menor porção de integridade a que um cidadão – qualquer um, e não ria porque em outra circunstância você que me lê agora pode ser o próximo a se ver cercado e indefeso a não ser pela própria expressão do seu rosto no banco dos réus – tem direito.

Um monge, aquele Orlando Silva no paredón da comissão. Um São Sebastião flechado até o último músculo, inocente ou não, sujo ou injustiçado, num caso que tipifica tanto o grau das coisas que faz a gente pensar: e por que os deputados que mamaram nas tetas do dinheiro fácil da ditadura brasileira (mamaram mesmo, eram bebês beneficiados pela ordem arbitrária das coisas, a imagem aqui é mais que uma metáfora) não declaram logo este João Dias, o novo e festejado Cabo Anselmo, um deputado com mandato de lisura igual a eles? Ou por outra: por que não substituem de uma vez por todas o Judiciário pela velha imprensa? Para ministro do Supremo, o editor-chefe da “Veja”. Para compor o STJ, a cúpula do aquário da “Época”, essa que, fazendo  coro à manchete do “Estado de São Paulo” – “Comunistas crescem à sombra do poder”, e você não está numa bolha paranóica pré-Estado Novo – demoniza com a covardia dos poderosos um partido político sem estrelas no peito nem anunciantes na carteira?

De uma hora para outra, tudo que se refere ao PCdoB virou suspeito, ilegítimo, praticamente clandestino como gostariam, de fato, os setores que alimentam este estado de coisas. Se o partido se construiu por meio do domínio do movimento estudantil, é condenável. Se aliou-se na história recente ao PT dando sustentação a mais de um governo de esquerda, idem. Mas se nasceu de uma cisão com o antigo PCB, o partidão, é uma nota final no último parágrafo de uma matéria de meia página – que importância tem a circunstância histórica diante do interesse imediato dos donos do veículo de comunicação envelhecidos pelo tempo e pelas posturas? Com a colaboração dos novos jornalistas, quase todos produtos de uma classe média igualmente velha e anestesiada pelo tédio da própria desimportância, a história só poderia mesmo ir para o lixo.

Orlando Silva, com seu rosto de ator político e humano repleto de expressões do abandono e do sacrifício em praça pública, bem pode ser a máscara feita sob medida pra um país de papel com data de validade vencida. O olhar pesado que ele joga sobre sua platéia de denunciantes seria só o reflexo involuntário do que esta porção do Brasil consegue dirigir ao espelho. É um olhar de despedida – de um longo e dolorido mas efetivo adeus que vamos dando ao que fomos. O cargo vai para o lixo, mas alguma coisa mais também terá o mesmo destino. É este refugo o que dá pra ver no fundo do olhar do ministro decepado.

3 comentários:

Katja Polisseni disse...

Nossa Tião, outro dia eu estava pensando justamente nisso, a imprensa cassando os comunistas... A Ameaça do PCdoB... O discurso moralista da classe média... Ai, que rumo levou o jornalismo brasileiro, porta-voz de uma classe média apática, que pousa de nobreza e não luta para melhorar o país para ela própria! Sempre bom te ler! beijos em todos aí na sua casa!

Katja Polisseni disse...

Nossa Tião, outro dia eu estava pensando justamente nisso, a imprensa cassando os comunistas... A Ameaça do PCdoB... O discurso moralista da classe média... Ai, que rumo levou o jornalismo brasileiro, porta-voz de uma classe média apática, que pousa de nobreza e não luta para melhorar o país para ela própria! Sempre bom te ler! beijos em todos aí na sua casa!

Anônimo disse...

Me desculpe mas essa aura de santidade dos comunistas me enoja. Vergonhoso.

Marta Alencar