segunda-feira, 17 de maio de 2010
Ladeiras
Olinda, Salvador, Ouro Preto e outros territórios da festiva alma brasileira já começam a pressentir o vai-e-vem dos brincantes que o janeiro terminal anuncia. Pelas ladeiras desses recantos, costelas de paralelepípedos retocam as curvas - ondulações das pedras morenas onde reverbera o gingar nativo de moleques e caboclas. Pensando nessas ladeiras e seus habitantes fevereiros, lembrei das minhas próprias, aquelas que subi e desci por tempos variados, conforme a fase dessa existência em construção. Botei aqui pra compartilhar o esforço das subidas e a recompensa das descidas - mas também pra que a rapaziada que consome o Sopão não esqueça que de ladeiras várias também tem as suas. E se curve a elas, santuários informais de cidades e memórias, individuais e coletivas.
A ladeira do Boqueirão – Minha ladeira primordial, ficava na estrada de barro que ligava Parelhas ao sítio da Timbaúba, terra de seu Severino e dona Sebastiana, meus pais. Essa ladeira ficava bem na beirinha do rio Seridó, escanchada em situação de risco no boqueirão que lhe dá nome. Nos anos setenta, eu menino passei muito nessa ladeira, passageiro da carroceria das camionetes que papai fretava para ir buscar carregamento de frutas nos sítios. Naquele tempo, era a ladeira mais temida do mundo. Quantos carros velhos não fraquejavam bem no meio da subida e deram pra trás botando em risco as vidas das carrocerias?
A ladeira do Ovidão - Lá onde morava meu tio Antônio, em frente ao ginásio de esportes que abrigou gerações de estudantes e atletas parelhenses – relação em que me incluo apenas na primieira categoria, claro. Mas engana-se quem pensa que não tive também meus dias de atleta, ainda que forçado. Tôca de seu Miguel, a professora de educação física, pegava pesado e não deixava aluno nenhum ficar fora de forma: nas voltas dela, corríamos em zigue-zague subindo e descendo as arquibancadas reforçadas do ginásio Ovídio Dantas; não satisfeita, ela ainda fazia o cooper se prolongar pela rua em frente, razão pela qual não raramente os alunos subiam correndo a referida ladeira. Pense num exercício puxado.
A Ladeira do Sol – Não foi a primeira visão do mar, mas entre as primeiras dessas visões, foi a mais marcante. Faça o teste: peque uma tarde de sábado e caminhe, assim meio casualmente, da Maternidade Januário Cicco até o alto do Hospital das Clínicas, em Natal. Caso tenha esquecido, você vai relembrar o que sentiu na primeira vez em que viu o mar. Pra mim a Ladeira do Sol justifica até hoje aquele slogan oitocentista, "Nossa Cidade Natal". A expressão fora criada para confirmar, via publicidade oficial da prefeitura, o fato de grande parte dos moradores da capital potiguar serem originários do interior do estado. Pois bem, bastava o interiorano avistar aquele marzão descortinado pela Ladeira do Sol para se tornar um pouco mais natalense e um pouco menos matutão.
A ladeira de Candelária – Outra ladeira natalense por excelência, ao menos no meu mapa sentimental da cidade. Ver, do alto dessa ladeira, Natal se espraiar entre o Machadão, Lagoa Seca, centro administrativo, uma pontinha de Potilândia, Salgado Filho e Prudente de Morais era uma experiência simples e acolhedora. Natal mudou muito mas, até hoje, a ladeira de Candelária me lembra a cidade dos tempos de estudante universitário, das primeiras vezes em que estive na capital dos cajueiros cheirosos de dezembro. Se natal fosse Atenas, a acrópole ficaria no alto da ladeira de Candelária.
A ladeira de Marpas - Aquela que dava um frio na barriga quando o motorista não freava um pouquinho antes de descer. Aquela que cansei de descer socado nas kombis e nos gols da velha Tribuna de guerra. Aquela que tirava o fôlego do infeliz que, por acaso, precisasse subir a pé (como fazia um colega da Tribuna, ainda nos tempos em que trabalhava no Diário, e tinha de caminhar entre uma delegacia e a redação do jornal). Aquela que lhe deixava ver um horizonte composto pelo rio Potengi e os telhados da Ribeira, com os fundos amarelos da igreja do Bom Jesus dos Navegantes dando as boas vindas. "Isso é Natal, ninguém se dá muito mal, como dizem pessoas quase sem se sentir."
A ladeira da Saída Norte – Pra não dizer que Brasília só é motivo de lamentação aqui no sopão. A visão noturna – a diurna não conta, tem que ter as luzes fazendo o desenho da subida – dessa ladeira que é a continuação do Eixão Norte, no caminho para Sobradinho/Planaltina, é todo dia uma lembrança do dia em que cheguei a Brasília, em 1995. A caminho da casa de Adriano (que aqui me acolheu e facilitou minha nova vida candanga), no percurso entre o aeroporto e a 216 norte, achei de cara uma beleza aquela ladeira iluminada. Parecia um caminho para o céu. Uma alameda de luzes pra fazer o viajante voar. Isso para quem está chegando, com aquela incerteza típica do migrante, não é pouca coisa não. Lembro que, naquele início de noite, tive certeza de que o Palácio do Planalto ficava no alto daquela ladeira. Não fica, todo mundo sabe, mas nem por isso ela perdeu para mim o significado que adquiriu naquele instante.
A postagem acima é uma reprise do original publicado em 25 de janeiro de 2007. Pra compensar a falta de novas postagens, que o tempo curto tem roubado do Sopão. Mas logo a periodicidade do blogue volta ao normal.
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Um comentário:
Tião,
ver o mar do alto da ladeira do Sol foi uma experiência inesquecível em fevereiro de 1987, quando meus pais foram morar em Natal e eu fiquei só, na bandalheira em Recife
Inácio (
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