Feitas as conexões entre a foto de Evandro Teixeira, a precipitação de Fritz Utzeri e os festivais caseiros de pamonha e canjica que minha mãe promovia lá em casa, vamos à atualização da notícia. Neste final de semana, aproveitando o feriadão, Rejane promoveu aqui em casa o que chamou de “arraiá dos acarienses ausentes” – quer dizer, um encontro junino de alguns dos acarienses que moram em Brasília. Vieram Valdinho, Iolanda, Hortência e Letícia; Chico de Nelson e Suzete; Minho e esposa, Simone de Reginaldo, Lucinete, Esnesto e Elisa e, claro, aqueles que eu vou esquecer – o que diz mais sobre a minha falta de memória e incapacidade de guardar nomes do que sobre o meu descaso com as pessoas, vocês compreendam.
Os preparativos para o arraiá me fizeram ver que, assim como minha mãe lá em Parelhas em mil novecentos e setenta e alguma coisa, também Rejane parecia ter tanto prazer em reunir os amigos à noite quando em preparar os pratos durante a tarde inteira. Só não foi maior a festa prévia da cozinha em palhas porque não foram feitas pamonhas – o que, lembro vagamente, dá muito mais trabalho do que fazer cajica. E haja repetição de rituais familiares – aquela cultura que Fritz não conseguiu enxergar no casal da foto na porta da igreja, mas que resiste nem que seja lá nos cantos da cozinha dos mais pobres. Pois é: Rejane, claro, não perdeu a chance de testar a ancestralidade de Bernardo, que foi posto diante de uma colher de pau e de uma panela gigante cheia de melado de canjica. Se você é seridoense, já adivinhou – e eu já lhe respondo: sim, Bernardo raspou a panela; e com os dedos mesmo, que é como manda a etiqueta do sertão. Passou no teste rapidinho.
À noite, entre pratos de canjica (que aqui eles chamam de curau) e panelas de mugunzá (que aqui eles chamam de canjica, vejam vocês) a festa se fez no alpendre, abastecida por pipas e mais pipas de vinho de Valdinho e companhia providenciaram, como combustível certo para uma noitada de contadores de histórias. É, porque quando se junta comida de milho, gente que se conhece mas dificilmente consegue se reunir assim, uma noite fria (embora menos do que se esperava, e nisso tenho certeza que há a influência certeira da amizade que aquece), o mais certo é que o espetáculo principal sejam as histórias que um lembra, outro completa e um terceiro, que já a ouviu trezentas vezes, tem novamente o prazer de fazê-la outra vez objeto de boas risadas. O único meio estranho na roda era eu, mas nem por isso fui tratado como bárbaro parelhense em meio aos gregos acarienses. Desconfio, destoamentos à parte, que fui o que mais se divertiu, uma vez que boa parte das histórias contadas eram inéditas pra mim.
E, nisso, passeamos por pensões brasilienses da Asa Norte dos anos 80 conduzidas por freiras italianas que, não sabendo falar português, mais pareciam japonesas perdidas no Seridó; ficamos sabendo do incrível dia em que Valdinho, esse santo e paciente homem, perdeu as estribeiras ao atender a uma cliente de difícil comunicabilidade na agência do Banco do Brasil em Acari; nos inteiramos de todas as contradições do governo Lula na área da educação; e, mais importante do que todos os itens anteriores, ficamos sabendo qual é a maneira correta de se andar de escada rolante segundo uma especialista acariense de primeira hora: para os curiosos, reproduzo, deve-se ficar ereto como uma estátua, com os braços postados nas laterais do corpo como um soldado em posição de sentido, com o queixo erguido pra frente e olhar firme no horizonte (que horizonte? o fim da escada, ora) como uma pessoa que sofre de sonambulismo. É assim que se anda de escada rolante, viu?
Duvido que sábado à noite Brasília tenha tido um arraiá mais animado do que o dos acarienses ausentes aqui em casa – e olhe que nesta época a capital do país, que todo mundo acha que só tem político corrupto, ganha um arraiá em cada esquina (elas existem, meu caro). Se o fotógrafo Evandro Teixeira tivesse passado por aqui na hora da festa, aí sim ele certamente obteria belas fotos de uma gente que não tem medo de ser matuta e muito menos de equipamento fotográfico – uma gente que é uma linhagem perene, instigante, esperançosa e animadamente barulhenta, como convém à etiqueta dos festejos e à prática de celebrar a vida. Fritz Utzeri ficaria impressionado – e descobriria que o sertão, aquele que segundo João Guimarães mora dentro da gente, pode ser triste e feliz ao mesmo tempo. Mas, seja qual for a cara na fotografia, é sempre forte, como disse muito antes aquele outro jornalista, o Euclides.
Um comentário:
tião eu não estava presente ,mais de tanto falar aqui en acari, nesse arraia na barraca de manoel ,que até jesus colocou no blog dele ôntem bjus a todos ha e diga a nany que mainha tb fez canjica aqui ôntem e que titina descobriu que é uma otima canjiqueira,pois passaou no teste de mainha bjus a todos
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