terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A justiça faz História


Demorou, mas está começando a acontecer. Quando, em 1999, o então governador Cristovam Buarque, ainda no PT, perdeu a reeleição para Joaquim Roriz, numa frustrante e evidente vitória eleitoral do atraso contra o avanço em Brasília, uma frase ficou no ar, a título de explicação possível e de consolo necessário. Virou até adesivo de carro e, quem mora aqui lembra, dizia assim: “Cristovam, a História lhe fará justiça”. O escândalo que estourou no final de semana e assumiu proporções inimagináveis nos últimos quatro dias parece materializar no ar politicamente pestilento da capital do país aquela sentença que se seguiu ao que pareceu ser a mais dolorosa das derrotas eleitorais. É a História, essa dama paciente, sinuosa e surpreendente, mostrando a cara por trás da cortina rasgada.

Não houve sinal de corrupção no governo Cristovam. Houve maior preocupação com a saúde, inversão de investimentos para as áreas mais carentes no entorno da capital, muita greve apressada e precipitada de um funcionalismo oportunista, e alguma soberba intelectual que fazia parte da personalidade do governador – ninguém é perfeito, hoje a gente sabe, e entende. Roriz, um político que se veste de povo quando lhe interessa, inclusive caprichando no “falar errado” que gera empatia e rende votos, retomou Brasília como quem volta a tomar posse de sua capitania hereditária natural. Seguiram-se dois governos sem um avanço político que fosse – a não ser a cartilha tradicional do restaurante popular e do viaduto contundente. Ou seja: sempre as obras, que rendem votos e alguma coisa mais. Política de cidadania, que é bom mas nem sempre se vê e se pega, nada.

Mas era pouco: destruído pela mesma soberba política que fazia parte da personalidade do ex-governador Cristovam, o PT do Distrito Federal foi sumindo buraco adentro, perdendo cada vez mais sua expressão e sua presença neste lugar tão marcado pela segregação social e intelectual. Faltou ao PT local participar efetivamente da vida popular – quando muito, ele se alimentou precariamente de sua porção sindical, dona de uma dieta que se por um lado garante uma subsistência mínima, por outro deteriora o organismo do cidadão. Não deu outra: depois dos dois governos Roriz, veio um prolongamento com cara de dissidência mal disfarçada – o governo Arruda que, não fosse pelo estouro da boiada visto desde o final de semana, ia direto para as galeras da reeleição dada como certa. Essa dissidência mal disfarçada, aliás, está na origem da denúncia que reverbera o escândalo. A intersecção dos governos Roriz e Arruda é uma zona turbulenta, onde o excesso de interesses mesquinhos não suporta a lupa de qualquer ministério público.

E é neste ponto que a História reaparece para fazer justiça a Cristovam: tanto tempo de domínio da máquina pública brasiliense sem qualquer sombra de ameaça por parte dos aloprados petistas deu ao grupo Roriz-Arruda uma liberdade de ação que mais cedo ou mais tarde acaba provocando o que estamos vendo: divisão interna, interesses demais se digladiando pelo mesmo butim, vaidades, ressentimentos e uma eventual peça fora do lugar que não aguenta o tranco e entrega tudo e todos. É o que os físicos – ou químicos, não sei – chamam de “entropia”: um processo de auto-aniquilação provocado pelo excesso de pressões internas, como a implosão de um organismo que, não suportando mais as dilatações de tamanho êxito, precisa se abrir e se purificar.

Nada muito diferente do que deve acontecer, mais dia menos dia, com o grupo político que conquistou o poder na Prefeitura de Natal, em mais um caso que tem todas as característica para dar origem a outra “entropia do atraso”. Dessas que ao implodir fazem vítimas para tudo quanto é lado.

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