segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O voto em Marina


Feliz de quem pode, neste primeiro turno, votar em Marina Silva. Foi um voto bonito, diferenciado como se diz, um voto Cult. Foi como votar em Daniel Cohn Bendit sem precisar ser francês. Como votar em Ângela Merkel sem ser alemão. Ou como votar em Bachellet sem ser chileno. Pena que somos brasileiros e temos que nos ater a outros fatores da nossa realidade social e econômica ainda por construir. Mas a gente sempre pode simular um primeiro-mundismo de mentirinha e votar em Marina, colocando em risco a continuação de um governo que começava a nos tirar daquela vergonha a que tanto lambemos de satisfação, em discursos que visavam especialmente nos fazer – com se diz? – “diferenciados” do grosso da população, também chamado de “povão”.

O voto em Marina expressa isso, essa irresponsabilidade bonitinha, esse oba-oba fantasiado de avanço. É o voto da moda, como foi moda ser Lula em 89 e 2002. De lá pra cá – e não venham me falar em “mensalão” – Lula, à custa de muita campanha indireta disfarçada de jornalismo, deixou de ser uma figura cara às classes médias urbanas. A moda passou, como ademais acontece com todas elas. E o típico eleitorado modista naturalmente farejou o que se tornou “up” e correu pra lá, à frente, logo, apressado, antes que o dito “povão” faça o mesmo e aí tal opção deixe de ser moda, claro. Porque moda boa é moda diferenciada, que distingue a pessoa da massa. Virou unanimidade, perdeu a graça. Tô em outra, querida. Ih, você ainda está nessa?

O voto em Marina é assim. Baseado em um discurso que mastiga clichês como sustentabilidade e medidas estratégicas. Mas ela nunca disse, na prática, ali, no chão, o que seriam tais medidas e até que ponto poderia ir o crescimento que a muito custo estamos conseguindo. É curioso que duas pessoas próximas ao projeto de Lula tenham sido, cada uma à sua maneira, as agentes deste segundo turno que vamos enfrentar. Marina e Erenice saíram de dentro do governo, as duas. A primeira parece não tem nem um ano que deixou o governo e agora representa toda uma oposição a ele – um gracejador da política diria que isso só acontece num país como o Brasil, mas eu prefiro a crítica à candidata do que a aversão contumaz às coisas do país. Erenice, por sua vez, representa a comodidade do poder que acomete a toda e qualquer agremiação política. É algo difícil de controlar, ainda que se dê na antessala presidencial. Existe também no PT, nos sindicatos, nas grandes campanhas (dê uma olhada de raspão nos líderes da tal da ficha limpa). Como sempre existiu no PFL, no PMDB, no PSDB ou no óbvio PP. Mas não se pode decidir a partir disso se há coisas muito mais sérias em questão, como a própria noção de país que queremos e que efetivamente conquistamos.

O voto em Marina joga com isso. É um voto adolescente no pior sentido. Um voto verde, no sentido de imaturo. Um voto típido do artista descolado da realidade comum do cidadão porque os artistas são assim mesmo – têm um dia-a-dia diferenciado (olha a palavra aí de novo), uma visão de mundo turvada por emoções estéticas que o homem comum não tem o direito de ter, porque a rotina não deixa. Nem por isso o homem comum deve ser menosprezado – antes, pelo contrário, e no momento atual ele é o mais sábio eleitor brasileiro. Resta saber para onde vai o voto de Marina – é a grande pergunta. O voto verde precisa amadurecer, mas pode optar por continuar pendurado na árvore da opinião egoísta e pessoal. Também pode cair como uma laranja amarelinha e adubar o chão onde algo está crescendo, independente da vontade dos poderosos que restaram. É muito voto, o voto em Marina. É muita responsabilidade, para além da comemoração. Feliz de quem teve o privilégio de poder votar nela. Eles têm na mão a decisão sobre o futuro imediato do Brasil. A gente precisa cortejar esse eleitor? Sim. Mas a gente não precisa aprová-lo incondicionalmente.

2 comentários:

Marcya disse...

Peço direito de resposta. E, mesmo com todas as críticas aqui colocadas, me declaro abertamente eleitora de Marina Silva. Diferente da maioria dos quase vinte milhões que votaram nela, tenho um acesso bastante privilegiado à (agora ex) candidata. E asseguro que ela tem um senso raro de democracia e qualidades realmente admiráveis, que o curto tempo de propaganda na TV não permitiu mostrar. E, longe de ser "bonitinho", e "da moda", devo dizer que meu voto no último dia 3 de outubro foi o mais consciente e bem dado que já escolhi na vida. Estava cansada de votar em quem não acredito, por pura falta de opção. E se a quase utópica satisfação com uma escolha política tem chance de nascer em algum momento de nossas vidas, pra mim, que bom que foi agora, votando na Marina. É claro que você, Tião, sabe quem é a Dilma de verdade. Que ela humilha seus assesores, que distribui arrogância e ofensas a todos os que considere seus "subalternos", entre outras mesquinharias que descobrimos pelos bastidores da imprensa. É desnecessário repetir que a vovó boazinha e sorridente é o produto de uma artilharia pesada de marketing, bem bancada por seus patrocinadores, pela máquina do Estado e pelo carisma de Lula. Sim, já estou conformada em mais uma vez ser obrigada a entregar meu voto para tentar evitar um mal maior. Sempre votei em Lula, mas nunca votaria em Dilma, a não ser... Na atual situação. Acho triste que a gente, querendo a melhor cabeça para governar o país e dentro de um pleito sofridamente democrático, seja acusado de "adolescente no pior sentido" e "imaturo". Não vou brigar. No fundo, nunca desconfiei de uma vitória certeira da Dilma, porque se a Marina não existisse, o resultado não seria outro. Nem Lula escapou do segundo turno. Por hora me rendo, pode falar. Mas continuo votando em Marina Silva até o fim!

O Maltrapa disse...

Tião, a maneira como você tenta justificar sua escolha, ao mesmo tempo em que cola à Marina o estereótipo de uma figura vazia certamente não arregimentará mais votos à sua candidata.

Alén do mais, falar por falar, aventando à velha tática do medo, outrora tão criticada por todos nós, 'da esquerda', só piora a credibilidade de seus argumentos. Onde está escrito que Marina colocaria em perigo nossas 'grandes conquistas'? Só porque ela defende um processo transparente em relação a Belo Monte ou à transposição do São Francsico, por exemplo? Ou porque ela não é e nunca foi adepta à prática do 'cresciemnto a qualquer custo - qualquer mesmo!-?


Marina saiu do PT, não por ser purista e condenar o mensalão, mas por entender que, a despeito do estrondoso sucesso obtido pelas políticas sociais do Lula, o atual Governo em nenhum instante esteve comprometido com a SUSTENTABILIDADE do Planeta e, por conseguinte, do tão alardeado e abençoado processo de crescimento econômico.

É, portanto, risível ler que a mentalidade do eleitorado de Marina seja 'imatura' enquanto você defende uma política feita à moda antiga, com práticas não somente arcaicas do ponto de vista ético, como anacrônicas do ponto de vista ambiental.

E se, ainda assim, você não nos vê de outro modo, é melhor ter um voto imaturo, embevecido em esperança, idealismo e futuro, do que um voto envelhecido e empoeirado, recluso no próprio reacionarismo da velha política, e ali fadado a perecer.