segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Tudo de novo


É impressionante como nada é fácil na história política do Brasil. Ontem à noite, à desconfiança de que poderia haver segundo turno na eleição presidencial somou-se o desapontamento de ver o quanto ficou abaixo do esperado a votação de Dilma Roussef, legítima representante da continuidade de um governo que fez o país crescer, redistribuiu renda como nenhum outro e enfim aplicou o conceito de cidadania ao conjunto da população. A explicação, para além da dupla Erenice/Marina, parece estar mesmo, num plano maior, naquela dificuldade histórica e recorrente.

É como se algum deus da ciência política estivesse testando nossa capacidade de acreditar no sucesso de qualquer empreendimento destinado a, efetivamente, colocar em prática a democracia – e não só aquela que conhecemos como “representativa”, mas a de fato – no país. A história recente está aí para comprovar nossa vocação política de país travestido de Jó. Lembremos da luta renhida que foi o desfecho da campanha por eleições diretas para presidente, com a frustração naquele 24 de abril de 1984, o dia seguinte à derrota da Emenda Dante de Oliveira. Lembremos da raiva quando a Globo editou de maneira politicamente criminosa o debate entre Lula e Collor em 89, com o resultado conseqüente nas urnas. Lembremos a derrota de Lula para FHC em 2006, quando o intelectual tucano venceu a eleição mesmo com o Plano Real fazendo água depois das crises do neoliberalismo. E lembremos, ainda, o segundo turno Lula X Alckmin conseguido à custa da exploração máxima do caso dos “aloprados” pela mídia desde sempre partidária como parece que nunca deixará de ser.

São todos antecedentes deste destino difícil, mas em todos esses episódios citados, depois do desapontamento inicial, veio alguma forma de reversão final. Contra tudo e contra todos, um dia o voto em Lula se tornou moda como acontece agora com Marina, embora em escala menor. O governo Lula veio e obviamente não foi a catástrofe que os apocalípticos da conveniência conservadora anunciavam – muito pelo contrário, o operário se revelou mais sábio, sensível e eficiente administrativamente do que o príncipe da sociologia. Collor deu no que deu. FHC acabou daquele jeito que vimos – um nome a ser evitado até por seus correligionários (Serra evita falar em FHC até hoje, como os políticos remanescentes do DEM no Nordeste evitaram falar em Serra na campanha atual inteira, mas isso aqui já é um parênteses no tema geral).

De maneira que, pela via sempre difícil, pelos caminhos nem um pouco relilíneos da prática política, não temos do que reclamar. As forças progressistas têm avançado, a população, depois de uma desconfiança típica de primeiro turno, acaba caindo em si e avaliando uma disputa eleitoral como a do momento presente não pelo prisma de um concurso de biografias tocantes mas pela ótica do resultado concreto que tal escolha terá na vida real de cada um e do país. Dizem, em tese, que primeiro turno serve pra isso mesmo: para dar expressão a desejos e manifestos políticos, certamente daqueles segmentos que se consideram mais à frente dos demais e, assim, querem tempo e oportunidade para se fazer ouvir. O problema é que esse capricho de expressividade pode, pela via matemática que também faz parte de uma eleição presidencial, favorecer a vitória de um candidato que é, ele sim, o oposto total do que quer aquele mesmo segmento melhorzinho da sociedade. E os efeitos de sua eventual vitória virão, desmanchando avanços reais, esses sim. O eleitor da terceira via vai mais uma vez torcer o nariz, manter sua postura fácil de “há governo, sou contra” e o conjunto da população que agüente. Este pode ser o preço da expressão de algo que ainda está verde, bem verde, no pomar do eleitorado. Melhor teria sido amadurecer a decisão com base nos fatos concretos da vida e garantir já a continuação de um governo que dá certo.

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