quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Os mais-mais da eleição


Passado o domingo eleitoral – e seja qual tenha sido o resultado das urnas – a política brasileira sai de mais esta festa democrática com uma nova e variada galeria de personalidades. É uma gente curiosa, uma turma que, se não é muito animadora para a evolução política do país, não deixa de ser um espelho do estágio em que, bem ou mal, estamos. Você pode até se envergonhar de se ver refletido neste espelho distorcido. Mas não adianta olhar pro lado, disfarçar, fazer biquinho. Porque eleição – e os vários eventos que se dão em torno ou ao mesmo tempo em que elas – são assim como cortes temporais a revelar a imagem em negativo de uma sociedade. Mais ou menos como aquela foto três por quatro que você precisou tirar para um documento e que achou péssima, mas acabou usando. Pode até não parecer, mas é você – e não adianta botar a culpa no fotógrafo. Dito isso, vamos ao álbum das novas figurinhas premiadas da vida (não só política) brasileira:


TIRIRICA

Mais do que uma ficção, uma vergonha e uma denúncia sobre nossa indigência política, Tiririca é um recado. Ao fazer do palhaço-cantor (cantor?) um dos candidatos mais votados no país, o brasileiro está mostrando o quanto de importância dá ao poder Legislativo. Tiririca é a expressão viva da impressão corrente entre os brasileiros de que, no final das contas, é o Executivo que faz a diferença. A cantora (cantora?) Gretchen foi candidata, alguns anos atrás, a prefeita da Itamaracá, em Pernambuco. Perdeu espetacularmente. Se fosse candidata à Câmara federal, a história poderia ter sido diferente. Além disso, Tiririca é a ressurreição de outras almas penadas da política como espetáculo, como Clodovil e aquele cujo nome era Enéas. Um fantasma colorido nos corredores do poder político.

OSMARINA

Aquela figura brejeira, ligeiramente arredia e de aparência quase santa, como se fora uma Madre Teresa da política brasileira, ficou definitivamente para trás. Marina, com o crescimento que teve nas últimas semanas da campanha eleitoral, matou Osmarina – sua encarnação anterior, seu nome de batismo. Osmarina era crente e paciente, parecia admitir as idas-e-vindas do processo político; Marina é apressada, não quer perder tempo com acordos que, contra sua aprovação, vem fazendo aos trancos e barrancos a melhoria da vida da população. Osmarina era popular, Marina é refinada. Osmarina era pobre, Marina é cult. Osmarina era evangélica, Marina tem o ecumenismo oportuno dos astros da MPB.

NEYMAR
Não disputou nenhum cargo, não apareceu na propaganda eleitoral, não depende, com o dinheiro e fama que conseguiu, de nenhuma política pública do tipo Bolsa Família e afins. Mas demitiu um técnico de futebol na bronca, reafirmando certa tradição recente do mundo das estrelas do futebol e com isso garantiu seu lugar no panorama pós-eleições. Com a banca que botou, está pronto para disputar a governadoria de qualquer estado e usar a caneta à vontade para dispensar auxiliares que não se curvarem aos seus brados de celebridade mal saída do ovo.

ERENICE

Com esse nome de personagem adúltera de Nelson Rodrigues, queriam o quê? Está certo que nome não condena ninguém, mas às vezes as circunstâncias coincidem demais com o que está escrito na carteira de identidade. Mamãe Erenice botou sob suas asas filhos, parentes e aderentes e com essa fúria maternal nem um pouco republicana – e bem típica de certos segmentos em Brasília – acabou como uma indigente infecta que afasta todos de quem se aproxima. E ainda ficou indignada, enquanto na vida real lá fora quase coloca a perder a continuidade de um projeto de governo e de país que conta com quase 80 por cento de aprovação popular.

WESLIAN

Peço licença para abrigar aqui na galeria uma figura felizmente restrita ao cenário político do Distrito Federal. Mas acho que não preciso: numa cidade que projetou figuras como Arruda e seus panetones, é lícito que se comente para além de seus limites a aparição de dona Weslian (pronuncia-se Uéslian, com ênfase na primeira sílaba). Trata-se, para quem ainda não sabe, da esposa do ex-governador Joaquim Roriz, aquele que renunciou ao Senado para não ser cassado. Pois bem: Roriz empurrou sua senhora para a ribalta da eleição a uma semana do pleito, a propósito de substituí-lo diante da novela da ficha limpa em que se viu envolvido até o último fio de cabelo. É um caso clássico de casuísmo do mal contra o casuísmo do bem. E dona Weslian surgiu assim no programa eleitoral e nos debates como uma dona de casa incapaz de preparar sequer uma lista de feira sem confundir xuxu com queijo coalho.Uma rainha do lar sem a menor chance de distinguir um orçamento público de uma receita de bolo. E tome meu marido pra cá, meu marido pra lá. Podia até ser divertido, mas nunca deixava de ser uma ameaça de tragédia – mais uma – para a capital do país.

SARGENTO REGINA

A pedagogia não precisa ser uma ciência exata. Quer dizer, não precisa ser necessariamente praticada em sala de aula, com mestre e alunos, livros e manuais, provas e avaliações. Há uma pedagogia que se espalha por aí e de vez em quanto surpreende a gente, pela maneira errática – mas estranhamente eficaz – com que se faz presente. Os vídeos da Sargento Regina são um exemplo: daquele jeito meio constrangedor para quem assiste (descontada a hipocrisia eventual), emergiu uma aula invertida do que é a política na prática e do que ela deveria ser na teoria. Ou já me confundo, mas isso é apenas um efeito colateral do choque que tais vídeos provocam. De qualquer maneira, acertando ao errar ou errando ao acertar, a Sargento Regina merece um lugar no pódio das novas celebridades que a campanha eleitoral terminou por consagrar.

*Publicado no Novo Jornal (Natal - RN)

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