segunda-feira, 26 de novembro de 2007

De volta à academia

Informo aos amigos que Rejane, depois de exaustiva série de provas e contraprovas, passou no vestibulinho do mestrado da UnB. Não vê a hora de sair de casa de cadernos e livros rente ao peito, como em épocas passadas. Defenderá tese sobre estratégias alternativas de influência da mídia por parte de entidades sindicais e similares. Pois é, breve teremos uma mestre em comunicação aqui em casa. Que é que eu posso querer mais? (A foto é da última viagem a Natal, num passeio rápido por Muriú, litoral norte)

A revô





Esperando por ela, companheiro? Pois em Formosa, Goiás, ela clandestina-se assim: usando a fachada do seu inverso, a sociedade de mercado. Não sei por que, lembrei de José Dirceu camuflado de lojista lá em Cruzeiro do Oeste. Alguém falou em duas caras?

Os meninos




Contas públicas

Em frente à Prefeitura de Formosa, o cartaz exibe os números da contabilidade municipal. Não sei se o prefeito é correligionário (acho mesmo que não), mas saímos de lá com a impressão de que a cidade está mais bem cuidada. E o exemplo do orçamento exposto (ainda que a gente saiba da possibilidade de se maquiar números em casos assim) também chama a atenção.

10 pequenas epifanias de fim de semana


1.Abraçar a energia molhada do nada tomando um banho de vapor gelado aos pés do salto de Itiquira;

2.Tomar um sorvete com Cecília dormindo no colo e o resto da família em torno da mesa em frente a uma praça arborizada com coreto já meio velho em Formosa, Goiás;

3.Correr atrás de Cecília na calçada que rodeia a Lagoa do Vovô, ponto de encontro vespertino também em Formosa;

4.Dirigir o bólido na estradinha de sol e verdes margens que vai de Formosa até a entrada do parque do salto de Itiquira

5.Comer uma galinha caipira que não lhe quebra os dentes no restaurante situado na entrada do parque do salto de Itiquira

6.Espionar os olhos arregalados de Bernardo enquanto mostro para ele os redemoinhos da água do rio que corre entre pedras depois de desabar do salto de Itiquira;

7.Mostrar para Cecília a algavaria visual, olfativa e sonora mesmo que é a Feira do Guará numa manhã de domingo;

8.Contar pela milésia vez um trecho da história de Cinderela, a partir das figuras de um livro usado que Rejane comprou para Cecília no Sebinho e que a menina não cansa de folhear.

9.Assistir em DVD a um antigo filme dos anos 80 com cenas inevitavelmente sonorizadas com solos de saxofone estilo Leo Gandelman e não rir de nada disso - antes, alimentar a nostalgia;

10.Ouvir, ouvir e ouvir o CD Timeless, versão popular, comprado a R$ 12,00, capa de papelão mas música de excelente qualidade - e ainda descobrir que, entre os convidados que cantam ali, está até o negão John Legend.

Faça sua lista, meu amigo, que a vida é feita dessas besteiras ocasionalmente promovidas a momentos especiais.

Doze meses

Vocês provavelmente não se deram conta, mas o Sopão está prestes a completar um ano de atividades. Dia 6 de dezembro o nosso bravo blogue de resistência demarca seus primeiros doze meses de ação ininterrupta. Terei que preparar alguma coisa, embora nunca tenha alimentado muita simpatia por efemérides. Mas, poxa, essa é diferente.

Diferente mesmo: ao colocar o Sopão no ar, não imaginava que o blogue me colocaria em conexão com novos amigos (os velhos, sim, já estavam na mira, claro) como Francisco Sobreira e Moacy Cirne; também nem desconfiava que reestabeleceria novo canal direto com figuras como Alex de Souza; tampouco esperava angariar um quase secreto (de tão discreto, nunca comenta nada) clube de leitoras lá em Acari. E assim por diante.

Vou guardar o grosso dessas reflexões para quando for editar as postagens do aniversário propriamente dito. Mas, por hora, tenho que registrar uma derradeira surpresa. Vejam vocês que este final de semana caíram duas mensagens na nossa caixa postal de leitores que andaram, não sei como, explorando postagens a esta altura quase pré-históricas do Sopão primeira-fase, aquele dos tempos do templeite antigo, aquele abrigado no uol. É ou não é uma surpresa?

Um deles, quase anônimo, comentou um post velhinho, velhinho sobre os antigos conjuntos do Seridó (antes que alguém confunda, "conjunto" aqui quer dizer grupo musical). O outro - e este foi o que mais me entusiasmou - compareceu para dividir comigo a satisfação com o filme "A Máquina".

O nome da leitora é Jozielen e presumo que seja professora. Conta que leu o livro de Adriana Falcão e gostou tanto do livro quando do texto que escrevi para recomendar o filme. O que é que esse bloguim fim-de-linha (e ainda novinho em folha, estalando na véspera do seu primeiro ano) pode querer mais?

Valeu, Jozielen. E valeu, sim, rapaziada toda que há quase um ano passa por aqui, com ou sem comentários.

Nas águas de Formosa

Sábado passado, pulei da cama com um coração inquieto de explorador ocasional, juntei a família na mesa do café e proclamei com meus galões: "Todos a Itiquira, já!"

Pegamos o rumo do município goiano de Formosa, que vem a ser assim uma Currais Novos (bem) mais rica e desenvolvida (mas ainda assim uma Currais Novos, se é que vocês me entendem), em cujos domínios situa-se o salto que me cutucou o sono.

Além da beleza natural, o salto de Itiquira ainda proporciona ao visitante uma experiência sensorial. É um banho de vapor gelado, composto pelas gotículas da água que desaba do alto e não tem força suficiente para tocar o chão. É água se esvaindo no ar, desmaterializando-se na sua frente, invisibilizando-se na sua pele. Abra os braços e experimente abarcar a grandeza desse molhado nada.

Claro que depois você pode descer um pouco e banhar-se entre as pedras do rio formado pela parte da água que, uma vez caída, adquire outro rumo. Água límpida, do tipo que parece mel transparente quando sobre ela bóia a luz do sol da tarde de Goiás.

Esse é o tipo do passeio exploratório que rende postagens e mais postagens. Conforme o tempo colaborar, é o que faremos. Também há pilhas de fotos virtuais para ilustrar a lambança. Continue sintonizado com as águas de Formosa que a qualquer momento elas podem voltar a correr.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A face do fracasso




A imprensa norte-americana é uma senhora ainda elegante mas já um tanto quanto cansada, de olheiras acumuladas e desencanto terminal. No cinema, ela acaba de ganhar um rosto, uma cara, uma expressão: Meryl Streep, em "Leões e cordeiros".

O filme de Robert Redford vale pela revelação dessa face do jornalismo atual em forma de gente, em rosto de mulher – especialmente no caso norte-americano, mas com pinceladas que também valem para a gente aqui embaixo. Mas não fica só nisso não: é o primeiro filme que eu vejo espetar (com dignidade, sem grande arroubos) o espírito cínico do nosso tempo.

E esse espírito também ganha um rosto no filme, o do estudante de inteligência superior à média que se acha, por esse atributo, livre de julgamentos morais, acima desse tipo de avaliação, aquém da mentalidade chã da humanidade em geral.

São duas denúncias, sobre dois fenômenos dos dias atuais, que ganham formas de gente de carne e osso na tela. Miss Press está acuada, ciente de que quase sempre é usada como instrumento de propaganda – em manobras em que quase sempre se ilude com impressões de (falso) poder. E então, quando percebe a cilada e quer retomar as rédeas da situação, declarando uma independência de que nem sempre goza, perde o discurso. O poder de fato não está na mão dos paus mandados, por mais esclarecidos que esses sejam (ou se julguem).

E o que dizer do garoto entediado? Júnior Genial ainda estrebucha, procura as brechas por onde pode escapar no discurso do professor Redford e, é verdade, encontra muitas. Mas o fato latente é que, se as justificativas intelectuais estão aí, mais cedo ou mais tarde esse vale tudo do cinismo hedonista também sofrerá os efeitos de sua indiferença crônica e cômoda. Tanto quanto um furacão reequilibra com sua fúria a natureza que o poder do dinheiro corrompeu em vão.

Isso é papo pós-filme, claro. Pulei a parte em que a gente explica que o "Leões e cordeiros" trata dos Estados Unidos pós-fracasso no Iraque e à beira da invervenção no Irã ou às voltas com mal curadas feridas afegãs. Filme que se sustenta em dois diálogos: um entre uma jornalista outrora respeitada (Streep) e um senador republicano-talibã (Tom Cruise); e outro entre um professor (Redford) e seu aluno brilhante e egoísta.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

feriado nacional


Celebrei nossa brava república numa jornada audio-visual do tipo que só acaba quando enjoa. Pra começar, por acaso quando ligo a tevê está passando no Telecine Cult o que eu imaginava ser apenas uma pequena curiosidade (ledo engano): a primeira versão de "Cape Fear", produção dos anos 50 que seria refilmada por Martin Scorsese em 91.

O que eu não imaginava é que o "Cabo do medo" original tem um vilão ainda mais assustador que o Robert de Niro malhado e tatuado da versão de Scorsese. É Robert Mitchum, apavorante como o ex-presidiário que volta para sacanear o homem que testemunhou contra ele e o mandou para oito anos de prisão. E olhe que Mitchum espalha pavor sem precisar de tatuagem nenhuma - e ainda tendo que estufar o peito para parecer mais forte do que barrigudo, coitado. Mesmo assim, é de fazer De Niro arrepiar os cabelos de medo. E sem fazer cara feia. Basta exalar um negócio chamado maldade, sem exageros. Mitchum é apavorante e pronto. Perto dele, Gregory Peck, seu saco de pancadas, parece uma mocinha indefesa.

Scorcese foi mais incisivo em algumas coisas, mas ainda assim a versão original espanta pelo clima de tensão e violência sexual que transmite, especialmente se a gente lembrar que é um produto da década de 50 - e que, no final das contas, esse é apenas um "filme de gênero", categoria suspense. Ao retomar a idéia, o que Scorcese fez foi "dar um grau" na personagem da garota adolescente, filha de Peck - o que não deve ter sido um trabalho pesado, já que ele escolheu para o papel ninguém menos do que Jiuliette Lewis, a menina incendiária que todo mundo adora. E para fazer frente ao bom mocismo inútil de Gregory Peck, escalou Nick Nolte para o mesmo papel, fazendo dele um sujeito no limite da covardia. Casado com quem? Ela mesma, Jessica Lange.
Pense bem: coitado de Nick Nolte. Não dava mesmo para ele dar conta dessas duas mulheres - Lange e Lewis - sob o assédio pra lá de criminoso de Robert Mitchum, no caso de uma possível junção dos dois filmes. Para a sorte de Nick Nolte, o vilão da nova versão era De Niro, gente boa pra caramba.

E foi isso o feriado: depois vieram dois DVDs meio caça-níqueis de Tom Jobim (feitos na esteira do sucesso daquela série de Chico Buarque) e outra boa supresa. Um DVD com o show "Tambores de Minas", espetáculo musical que Milton Nascimento fez logo depois de lançar o CD "Nascimento", aí por 1995. Milton havia estado entre a vida e a morte e o disco celebrava sua recuperação por meio do toque dos tambores de sua terra.

Não imaginava que o show fosse tão bom: o tratamento teatral que Gabriel Vilela deu ao espetáculo faz dele um pequeno marco na história desse moço já tão pontuado por referências quando se trata da música brasileira.

O mais foram uns repetecos musicais dos anos 80 - porque o verão está chegando e esse ventos cíclicos trazem saudades fiéis, sempre. Espero que vocês também tenha tido um proveitoso dia da república.

arrastão fotográfico para receber o verão















De uma viagem antiga, mas nem tanto, às costas da Bahia.





quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Afasta de mim esse cálice


Caminhei por esquinas variadas do mundo blogueiro e, enfim, encontrei uma voz a fazer frente à comemoração unânime. Estou falando do tal do "cala a boca" que o rei espanhol, Juan Carlos, passou no meu herói, vocês sabem quem, o camarada Chávez.
Encontrei mais rápido até do que esperava. E o inesperado é que vem de um sujeito com quem convivi durante um bom período. Eu trabalhava na sucursal da Bandeirantes aqui em Brasília quando, um certo dia, a redação passou a ser frequentada por um mineiro de cabelos brancos, fala mansa e observações sempre apropriadas, inesperadas (já naquele tempo a unanimidade barrava observações divergentes) e instigantes. Era Mauro Santayana, a quem me acostumei a chamar de "professor".
Hoje, trabalhando na Câmara, de vez em quando vejo o professor pelos corredores ou na lanchonete. Ele nem me reconhece, claro, o que só comprova o meu talendo para me fazer quase sempre uma critura invisível.

Santayana é uma das poucas coisas que ainda valem a leitura do Jornal do Brasil. E foi no seu artigo que ele comentou o "cala a boca", no texto transcrito abaixo. É meio extenso para o espaço de uma postagem, mas vale a leitura. Vejam, vejam:

A arrogância colonialista
O presidente Hugo Chávez é descuidado e franco no que fala. Usa, em sua retórica antiimperialista, metáforas quase divertidas, como chamar Bush de diabo. Mas não exagerou ao qualificar o ex-primeiro-ministro espanhol José Maria Aznar de fascista. Aznar, produto típico da Opus Dei, que se reorganiza com novo alento na Espanha, sempre tratou a América Latina com desdém. Em 2002, em Madri, atreveu-se a dar ordens ao presidente Eduardo Duhalde, da Argentina, para que aceitasse e cumprisse as exigências do FMI. Reincidiu na grosseria, ao telefonar a Buenos Aires, logo depois, como um dono de fazenda telefona para seu capataz, a fim de determinar-lhe a assinatura imediata do acordo com o órgão.
Conforme disse o próprio ministro de Relações Exteriores da Espanha, Miguel Angel Moratinos, Aznar deu ordens ao embaixador da Espanha em Caracas para que apoiasse o golpe contra Chávez em 2002. Com o presidente eleito preso pelos golpistas, o embaixador foi o primeiro a cumprimentar o empresário Pedro Carmona, que, também com o entusiasmado aplauso do representante dos Estados Unidos, tomava posse do governo, para ser desalojado do Palácio de Miraflores horas depois.
Não se pode pedir a Chávez que trate bem o ex-primeiro ministro espanhol, embora talvez lhe tivesse sido melhor ignorá-lo no encontro de Santiago. Mas, como comentou, na edição de ontem de El País, o jornalista Peru Egurdide, há um crescente mal-estar na América Latina com a presença econômica espanhola, identificada como "segunda conquista". A Espanha opera hoje serviços como os bancários, de água, energia, telefonia e estradas, que não satisfazem os usuários. Ainda na noite de sexta-feira, em reunião fechada, Lula e Bachelet trataram do assunto com Zapatero, de forma veemente - longe dos jornalistas.
Mas se Chávez, mestiço venezuelano, homem do povo, fugiu à linguagem diplomática, o rei Juan Carlos foi imperial e grosseiro, ao dizer-lhe que se calasse. O rei, criado por Franco, tem deixado a majestade de lado para intervir cada vez mais na política espanhola - conforme o El País critica em seu editorial de ontem. Em razão disso, as reivindicações federalistas dos povos espanhóis (sobretudo dos catalães e dos bascos) se exacerbam e indicam uma tendência para a forma republicana de governo. Pequenos episódios revelam o conflito latente entre os espanhóis e seu rei. Já em 1981, quando do frustrado golpe contra o Parlamento Espanhol, o comportamento de sua majestade deixou dúvidas. Ele levou algumas horas antes de se definir pela legalidade democrática. Para muitos, o golpe chefiado por Millan del Bosch pretendia que todos os poderes fossem conferidos a Juan Carlos, em um franquismo coroado.
Os dirigentes latino-americanos tentarão, diplomaticamente, amenizar a repercussão do estrago, mas o "cala a boca" de Juan Carlos doeu em todos os homens honrados do continente. O rei atuou com intolerável arrogância, como se fossem os tempos de Carlos V ou Filipe II. A linguagem de Zapatero foi de outra natureza: pediu a Chávez que moderasse a linguagem. Como súdito em um regime monárquico, não pôde exigir de Juan Carlos o mesmo comportamento - o que seria lógico no incidente.
Durante os últimos anos de Franco, a oposição republicana espanhola se referia ao príncipe com certo desdém, considerando-o pouco inteligente. Na realidade, ele nada tinha de bobo, mas, sim, de astuto, vencendo outros pretendentes ao trono e assumindo a chefia do Estado. Agora, no entanto, merece que a América Latina lhe devolva, e com razão, a ofensa: é melhor que se cale.

Última chamada

Pra encerrar (lembrando que a transcrição da entrevista inteira está lá no "Conversa Afiada" de PHA, link nos indicados do Sopão):

Folha – Mas daí, então, a blogosfera é uma espécie de Guerra Fria?

Paulo Henrique Amorim – É uma espécie de Guerra Quente. Quando a gente senta no computador para escrever é como se a gente estivesse apertando aqueles botões que disparam mísseis.

Folha – Na hora que você está escrevendo você pensa em quem você vai atingir?

Paulo Henrique Amorim – Penso, penso. Sei direitinho. Cada vírgula minha tem um alvo. As pessoas não percebem, mas eu sei.

Bem público


Tem muito mais do mesmo lugar de onde veio a postagem anterior. Vejam, vejam:

"Na TV aberta não pode. TV aberta é o seguinte. A TV aberta se propaga através do éter. O éter é um bem público, administrado pelo Estado brasileiro, em nome da nação brasileira, ou seja, do povo brasileiro. Então, os ordenamentos jurídicos pegaram o éter e entregaram um pedaço desse éter à família do Roberto Marinho - atualmente a seus filhos - para controlar. Agora, isso pertence ao povo brasileiro, através de uma série de mediações institucionais, previstas na Constituição. Você não pode utilizar um bem público para defender sistematicamente, invariavelmente, a mesma posição, que é a de ser contra o Governo Lula. Isso não pode. Agora, isso só acontece porque, na minha opinião, o Governo Lula não reage e não diz assim: “um momentinho, agora eu quero ter o direito de resposta”. No jornal impresso não tem problema nenhum. A Miriam Leitão pode dizer o que quiser, pode pregar a instauração da Monarquia, pode defender o anarquismo desenfreado, o que ela bem entender. Porque só compra O Globo quem pagar. Eu pago e leio. Agora, TV aberta, não. TV fechada, sim. Porque eu pago, vou lá, compro e aí, comprou, comprou. Agora, TV aberta nãozinho. TV aberta é um bem público. Agora, não é só na Venezuela que é assim, não. É nos Estados Unidos, é na Inglaterra, é na França, é na Itália, é no mundo inteiro. Aqui é que é uma pré-democracia tropical, entendeu?"

O problema com Miriam Leitão

Com a rotina pessoal e profissional voltando aos trilhos, retomei meus passeios virtuais pelas colônias de blogues, portais e quejandos. E já vou fazendo o repeteco das observações instigantes que encontro em tais passeios. Pra começar, esse trecho da entrevista que Paulo Henrique Amorim deu a um repórter da Folha de S. Paulo (PHA reproduziu a entrevista bruta no blogue que mantém, cujo link está há tempos na lista lá embaixo). Vejam, vejam:

"Eu não tenho adversários, eu tenho divergências. E por exemplo, essa minha, digamos, implicância com a Miriam Leitão, que é uma pessoa adorável, que é uma pessoa que eu respeito muito, que é uma profissional maravilhosa, o problema da Miriam Leitão não é a Miriam Leitão. O problema da Miriam Leitão é a hegemonia da Globo. Só a Globo permite que um jornalista tenha a exposição que a Miriam Leitão tem no conjunto de mídia que a Miriam Leitão alcança. E a Miriam Leitão na televisão não deveria ter o direito de dizer o que diz. Nem ela nem o Jabor. Porque a televisão aberta é uma concessão de serviço público. É que o Governo Lula é muito frouxo. Porque o Governo Lula deveria entrar com uma ação administrativa na Justiça. Toda vez que a Miriam Leitão dissesse que o Brasil ia quebrar, que o Rio Madeira ia matar os bagres – que as represas do Rio Madeira iam matar todos os bagrezinhos, ia tudo ficar capado, não ia poder reproduzir, tinha que ter o direito de resposta: “não, o bagre não vai ficar capado”. Mas é que o Governo Lula tem medo da imprensa. A Cristina Kirchner foi eleita com a maior diferença da história política da Argentina desde a redemocratização e não deu uma única entrevista a um jornal argentino. O presidente Hugo Chávez dá uma banana para a mídia conservadora e venezuelana e aqui o PT tem um pânico. Se o William Waack ligar para o Marco Aurélio Garcia, o Marco Aurélio Garcia interrompe uma conversa que ele esteja tendo com o Vladimir Putin para atender o William Waack. O William Waack é mais importante que o Vladimir Putin para o Marco Aurélio Garcia. Ele desliga o telefone. Camarada Putin, “pá”, e desliga o telefone e vai atender: “oi, William”. Ele vai lá correndo."

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Toque de recolher também vale para os poetas (mortos)


Meses atrás, o Blog de Adriano (de Sousa) publicou uma foto do enterro do poeta Pablo Neruda. O título era alguma coisa como "como morrem os poetas" e chamava a atenção, na foto - que não era propriamente do enterro, mas da caminhada rumo à sepultura - a pequena quantidade de pessoas presentes. Um cachorro sarnento metido ali no meio da triste caminhada também dava uma dramaticidade a mais à cena. Neruda, não custa lembrar, era um Nobel.

Lembro disso a propósito da postagem lá embaixo sobre o golpe no Chile. É que, na minha sessão de leitura de revistas velhas, achei, numa edição de pouco depois da derrubada de Salvador Allende, uma outra reportagem, sobre a morte de Neruda.

Pois é: Neruda morreu poucos dias depois do golpe, enquanto o Chile ainda se encontrava em estado de sítio. O Palácio de La Moneda foi bombardeado em 11 de setembro (essa data fatídica) e Neruda morreu no dia 23. Tinha câncer de próstata. Foi enterrado sob toque de recolher.

Paris-Tirol num livro de bolso


Para levar da melhor maneira possível a temporada hospitalar, saquei da estante uma dessas edições de bolso da L&PM ou editora similar. "Morte na alta sociedade" não é a britânica Agatha Christie, mas o francês Georges Simenon que, em comparação com a criadora de Poirot, tem uma narrativa mais porosa, com espaço para observações mais inexatas sobre o universo pessoal de suspeitos e insuspeitos.

Nesse livrinho de Simenon, acompanhamos o comissário Maigret - seu Poirot introspectivo - tentando descobrir quem matou um ex-embaixador de renome que manteve durante décadas um romance platônico com uma dama igualmente aristocrática. E é como se Maurílio Pinto tivesse que interrogar a família real brasileira. Maigret não sabe onde enfiar as mãos enquanto transita pelos lugares onde vive essa gente decalcada da realidade comum.

Lembrei do delegado Simões, criado pelo nosso amigo Francisco Sobreira em "Páginas manchadas de sangue", que já recomendei umas postagens atrás. Os dois, Simões e Maigret, têm a mesma desconfiança cheia de cortesia, o mesmo faro discreto. Mas um vive em Natal, no bairro do Tirol (pelo menos foi o que eu depreendi por minha conta) e outro em Paris.

São primos, ainda assim.

prontuário

Está na hora de atualizar o prontuário lá de casa:

1) Rejane voltou a sentir dores no local da cirurgia. Descemos novamente ao Prontonorte (o hospital pertinho de casa, onde vamos a pé e periga sermos chamados pelo nome pelos médicos e funcionários) e foi detectado um hematoma. Não tem jeito: é Rejane evitar estripulias como se abaixar pra pegar uma caneta que caiu, essas coisas que ela muito dificilmente consegue deixar de fazer.

2) Ao tempo em que Rejane saía do hospital depois da cirurgia, me apareceu, vejam só, um danado de um bicho de pé. E eu nem fui à praia, é mole? Pois era isso mesmo e, como eu estava concentrado na saúde de Rejane, muito mais importante que a minha, fui deixando o bicho crescer, ampliar o apê que ele alugou bem no meio do meu pé. Aí o cidadão abusou, claro, e com a dor matando fui ao Prontonorte providenciar o despejo, por sinal, bem doloroso.

3) Depois disso tudo, Cecília (que já estivera febril numa das noites em que Rejane ainda estava internada) começou com uma conversa de que estava com coceira na boca. No meio da convalescença generalizada, não demos muita importância. Mas a secretária lá de casa, Solange, ficou embatucada e foi conferir. Olha o tamanho das aftas que apareceram na boca da criança! É uma virose e se chama estomatite. Cecília já está em tratamento.

O mártir e o herói


Esta semana passei boas horas metido na biblioteca da UnB, lendo velhas publicações enquanto esperava Rejane prestar uma das muitas provas de admissão ao mestrado. Peguei uma encadernação pesada com edições da revista Manchete do ano de 1973. Tenho essa mania de gostar de ler textos datados publicados na imprensa em geral. Se me cai nas mãos uma edição da Folha de S. Paulo de qualquer dia do ano de 1984 sou capaz de traçá-lo todo com garfo, talher e muito pó de inseto de sobremesa.

Parei de folhear logo nas primeiras páginas porque achei de cara a reprodução da reportagem da revista Time, em que a publicação norte-americana narrava as circunstâncias, os bastidores e as primeiras e mais imediatas reações ao golpe com que Pinochet derrubou - dizem, assassinou - Salvador Allende. Pois é, era uma edição de setembro de 1973 e não havia, naquele momento, notícia internacional mais bombástica.

Matéria extensa, detalhada e - levando em conta o estado atual do jornalismo - bastante equilibrada. A revista especulava sobre o que esperar de Pinochet que, lembrem, era ministro de Allende, a cobra criada dentro de casa. Também destacava o caráter secreto e inesperado do golpe que, segundo o texto, ninguém previra. E ainda levantava as primeiras suspeitas de que os Estados Unidos de Nixon estavam por trás daquilo tudo (informando que os zéua vinham há tempos fornecendo armamentos para os militares chilenos, ao contrário do que acontecia com os outros "setores" da economia, submetidos a boicote branco).

Li tudo isso o tempo inteiro lembrando de... quem advinha? Hugo Chavez, claro, que pode ser considerado uma espécie de versão revisitada de Allende e, como tal, está sempre na alça de mira dos inimigos de qualquer mudança abaixo da linha do Equador. A diferença: ao contrário de Chavez, que tem seus poços de petróleo, o Chile de Allende estava, do ponto de vista puramente financeiro, na lona.

Isso também diz alguma coisa sobre Lula: moderados ou não, os novos líderes latinos de esquerda se preocupam antes em garantir um quadro econômico o mais equilibrado possível antes de arriscar qualquer forma menos ortodoxa de divisão do bolo.

Ficaram espertos Lula, Michelet e até o doidão do Chavez, a quem costumo chamar de "meu herói" (no que apenas imito nosso amigo Augusto Luiz, que ironizava a satanização de Sadam Hussein chamando-o assim).

Ficaram espertos, como dizia. Já não era sem tempo. Enquanto isso, no mundinho do PSOL...

É doce morrer no mar

Estou submerso, quase afundando. O oceano em que flutuo a um passo do afogamento está repleto de letras sagradas, mas sempre há um ou outro vocábulo profano ao qual posso me agarrar. É um livro, sim. Esta abertura alfasensorial não passa de uma metáfora. O livro também o é. Mas ainda assim, vale a imagem: afogo-me, com prazer.

Estou lendo, e quando o faço quase não encontro espaço para respirar, um clássico de toda a vida que nunca havia visitado. É Moby Dick, o missal literário e existencial do senhor Herman Melville. A preleção quase religiosa que os literatos de prêmio e outros especialistas da espécie me dizem ser um marco, tanto pelas experimentações de formatos que contém (há capítulos em forma de script poético-teatral em meio à massa narrativa) quanto pelo volume semi-enciclopédico de informações sobre o vasto mundo da caça à baleia.

Estou, assim, embutido dentro dessa baleia literária imensa, como um outro Jonas - um pecador contumaz e teimoso, arrogante se deixando humilhar pela reza castiça e piedosa do padre Melville. Eventos caseiros, rotinas profissionais, trabalhos de Hércules em suaves prestações diárias me impedem de ir à frente no ritmo que gostaria. Nem por isso me considero menos envolvido pelas ondas desse mar gelado e pelos madeirames desse barco maldito.

Estou quase no meio do livro. Estou nadando, respirando pouco, engolindo água e tossindo imprecações. Pra falar a verdade, não sei exatamente se me encontro dentro dessa baleia centenária ou se eu é que a tenho entalada dentro de mim. Quando acabar a leitura, vomito minha água vã que, quem sabe, resolverá a questão e respingará em algum de vocês.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Cinema bestial

Por que nos incomodamos ao assistir a "Baixio das bestas", filme do pernambucano Cláudio Assis? Porque o diretor, investido do desejo consciente de inscrever seu nome no livro do (novo) cinema brasileiro, pega pesado mesmo. Ele já pegava pesado em "Amarelo manga", seu filme anterior, aquele em que esquadrinhava as misérias urbanas de um Recife imenso, caótico e febril.

Aquele em que, lançando mão de recursos arriscados na busca por uma expressividade extrema, Cláudio Assis fazia Leona Cavalli afrontar um bossal Jonas Bloch – e um acomodado espectador classe média – com um tremendo close de sua xoxota ruiva. Aquele em que carros xispavam pelos asfalto ribeirinho entre as mil pontes da Mauricéia nordestina, redesenhando a representação do Nordeste naquele mesmo (novo) cinema brasileiro.

Para além dos incômodos, os dois filmes – "Amarelo manga" e "Baixio das bestas"- são ótimos. A questão aqui é outra. No "Baixio das bestas", a lente de Claudio Assis volta suas pupilas sedentas para a zona da mata pernambucana, avançando rumo ao interior da terra e às entranhas dos homens. Por isso mesmo, justificativa é o que não lhe falta quando enquadra porretes e genitais, curras e maracatus, boyzinhos remediados e putas entediadas. Toda a crueza das cenas de violência e sexo – dois elementos que no filme aparecem quase sempre juntos, gêmeos, xipófagos – são plenamente justificáveis.

Então, se é assim, por que nos incomodamos ao assistir ao filme, essa "Laranja mecânica" brejeira e miserável? Será porque fica a impressão do culto ao choque? Essa desconfiança me lembra Nelson Rodrigues, que também chocou na sua época, e cuja abordagem das mazelas humanas parece afinada com o discurso do cineasta pernambucano. Vejamos: Nelson Rodrigues punha lentes de aumento sobre matérias que ninguém queria enxergar. E, como resultado, jogava no palco acintes humanos, individuais, familiares, grupais agigantados quando, na verdade, o objetivo do texto era a moralidade. Explicitava desejos inconfessos em frases que pareciam orações ao contrário, contrições inevitáveis que devolviam alguma santidade a pecadores contumazes.

Não é mais ou menos isso o que faz Cláudio Assis em "Baixio das bestas"? Coletar a miséria humana num momento de decadência, encarar a degradação mais abjeta, encher a tela com a mais espúria violência e, assim procedendo, denunciar o marco zero da (in)consciência?

É, mas ainda assim a pergunta permanece: por que diabos nos incomodamos ao assistir ao filme? Filme que, destaque-se enquanto é tempo, é captado admiravelmente e em certos momentos nos exibe quadros de rara beleza no cinema brasileiro atual, por bem compostos, pacientes, cadentes em sua lentidão, como aquele plano em que a garota vilipendiada espera o transporte na estrada de terra arenosa e, na medida do possível, lírica. Ou ainda quando penetra no colorido triste dos maracatus, um fenômeno social que nunca mais, depois de assistir a esse filme, o espectador verá com os mesmos olhos nos carnavais da vida. Ou quando contempla a boca escancarada do caboclo sorvendo a seiva da cana retorcida no esforço flagrante de um gesto ancestral. O filme está cheio dessas pequenas epifanias, para usar a expressão criada por João Moreira Salles.

Então, por que nos incomodamos? Talvez porque estejamos, hoje em dia, fartos do choque. Na medida em que opta pela crueza extrema, por essa câmera quase física, quase tátil, o filme desqualifica a mera sugestão. É como se afirmasse: a sugestão é pouco, não é digna de um cinema que se quer visceral, contundente – revolucionário? E nessa batida, o (novo) cinema brasileiro está aos poucos se enchendo de realizadores que tentam fazer frente ao cineminha Globo Filmes do tipo Daniel Filho usando uma técnica do tipo "o realismo além do realismo". Nesse ponto, "Baixio das bestas" é primo de "Tropa de elite" – e quem lê esse blogue já entendeu que gostei tanto do primeiro quanto desgostei do segundo.

Por que nos incomodamos? No final das contas, o que me incomodou – não sei vocês, não sei dos outros – talvez seja a pretensão por trás da contundência. "Baixio das bestas" é tão bestial que me deixou com saudades da velha e boa sutileza.

domingo, 4 de novembro de 2007

e.r.

Rejane se recupera bem da cirurgia. Os cálculos foram exterminados. A vesícula extirpada como um corpo social incômodo. Ah, como seria bom se a vida se resumisse à vã medicina.