segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Acabou a brincadeira
Figuras como Tiririca e Romário precisam saber que, no palco do Congresso, o deputado-celebridade tem muito mais a perder do que a ganhar
Pra muita gente, mais do que um exercício de decisão sobre o futuro, a eleição de 3 de outubro foi uma diversão e tanto. Os eleitores de Tiritica, por exemplo, devem ter se divertido um bocado enquanto teclavam os números da travessura na urna eletrônica. Uma brincadeira de mau gosto, como aquela outra, mais antiga, dos deputados da oposição a Lula que elegeram Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara dos Deputados. Claro que depois essa diversão gera conseqüências, como sabem os eleitores mais pobres da atual prefeita de Natal.
Eleja uma celebridade (nacional ou local), sinta-se como uma delas ao fazer isso, e depois pague o preço. Pena que, fechadas as urnas e encerrada a apuração que proclama, para o escândalo hipócrita de muitos, o resultado coalhado de “surpresas”, a brincadeira acabe. Assim, num estalar de dedos, como uma piada que deixou de fazer efeito e já deu o que tinha de dar. Mas, para além de tomar o lugar de um representante que poderia ser mais útil à democracia, o candidato inusitado quase sempre passa a sofrer de uma inesperada invisibilidade logo depois da posse.
No dia da posse, aliás, ele ainda tem seus últimos minutos de glória, pelo fato de ser um dos personagens mais esperados em meio às solenidades nos corredores do Congresso Nacional. Mas fica nisso. Como o candidato inusitado que vence de forma arrebatadora uma eleição para deputado ou senador quase sempre já era uma celebridade mundana na área do espetáculo, ele encontra na Câmara ou no Senado, mais que uma nova tribuna a projetá-lo, uma espécie de máquina de anonimato onde, enfim, desaparece.
Quem circula pelo Congresso entende isso: é um conjunto de corredores, salas e salões, plenários e passarelas onde transita diariamente uma multidão apressada e opaca. Mesmo deputados conhecidos por aparecer no jornal da noite na tevê somem nas sombras desses corredores.
Ao contrário do que sugere a imagem impactante da arquitetura externa do Palácio do Congresso Nacional, com suas torres e suas cúpulas, por dentro a sede dessa instituição da democracia representativa brasileira não tem o menor charme. Um turista que freqüente a Câmara mais de uma vez logo vai notar até certos “puxadinhos” que a administração improvisa para que o espaço – afinal, restrito e disputado – acabe sendo suficiente para todos (gabinetes de deputados, lideranças, burocracia, rádio e TV e por aí vai).
Então chega a celebridade eleita por essa mistura de exposição na mídia e protesto incubado e vê-se neste palco sem luz, essa plataforma traiçoeira que é o Congresso. Mesmo uma figura chamativa como Clodovil parecia, com seus ternos brancos a caminho do Plenário, uma sombra do que projetava na televisão, tendo-se ou não admiração pela sua pessoa. A não ser em episódios lamentáveis como aquela agressão verbal que cometeu contra a deputada carioca Cida Diogo, e por um a lei sobre direitos de filhos adotados que conseguiu aprovar, não pontuou nada. Nem mesmo os gracejos de caso pensado, como o do gabinete de decoração exótica, sustentam a atenção por muito tempo. No final, a avaliação mostra que a celebridade tem muito mais a perder do que a ganhar ao ficar preso a um mandato parlamentar. Simplesmente não é a área dele. A votação absurdamente alta é apenas um aplauso passageiro.
Dito isso, fico imaginando como será encontrar Tiririca nos corredores da Câmara – se ele passar no ditado, claro, já que escrevo antes de a Justiça Eleitoral aplicar sua provinha ao candidato. Que cores terá o figurino do palhaço-cantor nas sombras deste buraco de tatu revestido por mosaicos de Athos Bulcão que são as instalações da Câmara? Fico imaginando quanto tempo precisaremos esperar para que a presença dele deixe de ser algo que chama a atenção para se tornar uma piada sem efeito. Três meses, seis? Vai depender de quanto tempo Tiririca levar para fazer seu primeiro e esperado discurso no Plenário Ulisses Guimarães. Sim, porque não será no dia seguinte à posse, já que ele ou qualquer outro, celebridade ou não, terá que se inscrever, entrar na fila prevista pelo regimento e esperar quietinho sua vez – essas formalidades rituais que realmente não combinam com as facilidades do mundo do espetáculo.
É verdade que tudo isso que está escrito aqui pode não valer nada, se afinal a Justiça Eleitoral invalidar a impressionante votação de Tiririca. Mas ainda assim teremos o pentacampeão Romário, o goleiro Danrlei e o big brother Jean Wyllys. Todos vencedores e agora todos candidatos a trocar o resto de luz de holofotes que conseguiram lá fora pelas penumbras regimentais do interior do Congresso. E o que parece uma nova ascensão para quem estava perigando sumir da memória do público acaba se revelando um fim de carreira bem melancólico sob os poentes de Brasília.
*Publicado no Novo Jornal (Natal - RN)
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