quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Kirchner, JK e Getúlio


É impossível ver as fotos da multidão em azul na Praça de Maio e não lembrar de Getúlio e Juscelino. E seria irresistível, não fosse de mau agouro, imaginar: e se tudo isso estivesse acontecendo no Brasil, com Lula?

Toc, toc, toc. Mas o fato é que estamos vendo, não pela primeira vez, a morte surgir como uma irônica pesquisa de opinião que ninguém em sã consciência jamais teria a ousadia de encomendar. A morte como consagração que os grandes veículos de comunicação, de pés atados por seus interesses cada vez mais imediatos, não conseguem admitir. Lula, aqui, teve na imprensa em geral um adversário implacável e injusto tanto quanto Kirchner teve por lá – e olhe lá se na Argentina o caráter golpista dos conglomerados de comunicação não foi ainda mais forte e intenso do que nas plagas brasileiras.

É quando a morte, este derradeiro atestado de legitimidade política, entra em cena para contradizer aqueles que se apossam da palavra e dizem veicular o que o povo deve pensar. O jornal Clarín deve estar torcendo rotativas para dar com elegância mínima mas sempre com um esgar de reprovação superior a notícia sobre a comoção pela morte de Kirchner. Contra uma eleição vencida ou não, tudo se pode dizer, qualquer justificativa se pode estampar. Já diante da morte, o constrangimento impera com a solidez do silêncio das maiores catedrais.

A morte, em tais circunstâncias, torna-se o instituto de pesquisa inexpugnável, o aferidor que não pode ser desprezado pois que se constrói sobre a engenharia do apoio popular expresso nas ruas. Essa morte, tal velório e a caminhada ao cemitério que virá traz no seu cordão de lágrimas os gemidos contidos de vozes que os jornais, em uma situação normal, não ouvem. É como o enterro de um Juscelino aclamado pela multidão numa Brasília vivendo sob a ditadura. É como aquela catarse em branco e preto e luz em sépia que marcou página envelhecida da nossa história quando Getúlio Vargas disparou um tiro em si mesmo e acertou em outras moscas.

Kirchher, agora, como que ratifica tudo isso – a um passo da eleição deles lá e em cima da hora da nossa, aqui.

Um comentário:

Titina disse...

Lembrei de Salvador Allende, que foi enterrado dias depois da feroz ditadura chilena.