quarta-feira, 19 de março de 2008

Ricardo III, quem diria, vai parar em Caicó



Gabriel Villela, o mineiro que se notabilizou no cenário brasileiro por uma original releitura de Shakespeare - Romeu e Julieta - em forma de teatro de rua, é o mais novo fã do Seridó. Depois de temporadas em Mossoró e passagens por Natal, o encenador descobriu um novo país chamado Caicó. E pretende levar para a capital do Seridó o mesmo artesanato teatral que arrancou elogios de figuras como Bárbara Heliodora, a severa - e já meio folclórica, vamos admitir - crítica de teatro do jornal O Globo.

Nem Hamlet nem Otelo. Gabriel Villela pretende levar para Caicó ninguém menos do que Ricardo III, o mais terrível, nefasto e autoproclamado vilão da dramaturgia mundial. Um personagem que, em sendo a tal ponto desumano em seus estratagemas de perseguição ao poder, pode-se considerar também como o mais humano dos vilões. Na praça estão disponíveis edições acessíveis (de bolso, da L&PM) com o texto da peça, além de adaptações várias. Assim de primeira, lembro de duas, bastante conhecidas: uma é o filme que Al Pacino dirigiu (Ricardo III - Um ensaio), em que encena o texto mas também divaga sobre seu conteúdo em forma de documentário especulativo; outra é uma adaptação mais fiel e linear, estrelada por Ian McKellen. O texto original também pode ser encontrado gratuitamente na internet. É só acionar o Google que se chega lá.

Com essas referências na cabeça - nunca li o texto original, embora dia desses tenha lido boquiaberto apenas a primeira fala de Ricardo III, trecho que abre a peça e em que ele se apresenta e justifica sua sombria personalidade - fico aqui imaginando como Vilela vai transcrever essa tragédia para o cenário de flores de cactus do sertão caicoense. Vejo, qual miragem, um Ricardo III coxo e cordunda entre facheiros, poeirento entre casarões em ruínas, sedento diante de um Itans terminal. Vejo o irmão do rei sangrando o punhal no fundo de uma torre do Castelo de Engady, em Caicó - ou a viúva docemente ultrajada enfurnando-se nas tocas do Castelo de Bivar, em Carnaúba dos Dantas. Vejo serrotes borrados na linha do horizonte fazendo as vezes das brumas dos reinos europeus. E vejo o sol de rachar enlouquecendo ainda mais a mente doentia de um homem que fez da maldade o sumo da existência, num espelho ofuscante daquilo que, infelizmente, cada um de nós também pode ser.

Ricardo III, quem diria, vai parar em Caicó. O Seridó aguarda e agradece, que isso é muito bom.

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