Quando Gabriel Villela estiver praticando seu deslumbramento com o Seridó, estará apenas se filiando a um vasto clube com muitos outros sócios. Um deles é o equatoriano Fernando Chiriboga, fotógrafo e designer gráfico que reside desde 1985 no Brasil e lançou recentemente um livro de fotografias com a paisagem natural e humana da região. Nessa mais recente temporada em Natal, encontrei e folheei ansioso, de pé e sem cansar, o livro "Seridó - Paisagens de um sertão encantado" na Siciliano do Natal Shopping. Trouxe comigo e tenho agora aqui em casa para mostrar aos muitos amigos que, por enquanto e por acaso, ainda não entraram para aquele clube de que falei lá no início.
As fotos de Fernando Chiriboga não ficam apenas na paisagem consagrada de Caicó ou Acari. O fotógrafo vai além, entrando por um território que a mim pessoalmente muito diz. Falo das terras do município de Equador, onde a serra do mesmo nome metia medo na minha infância de viagens a Campina Grande. Não sei se o nome da cidade sensibilizou o fotógrafo, já que é o mesmo do seu país de origem. O fato é que nos rincões de Equador e Santana já estamos nos limites entre o Rio Grande e a Paraíba, onde um outro Seridó - o chamado Seridó paraibano" - resseca seus outros painéis do Junco e de Soledade, terra natal de Ariano Suassuna e lugares por onde meu pai, o mangaieiro Severino Vicente, muito transitou. Por isso, na minha memória, esse é um território que compõe um outro Seridó dentro do Seridó, digamos, oficial. Pois Chiriboga esteve lá, no percurso de quatro mil quilômetros que conta ter percorrido para recolher suas imagens. Equador, Santana e Carnaúba, aceiros da pata do elefante, onde o cristão precisa ter boa resistência física e olhos e ouvidos abertos para a antropologia local, tão diversa de tudo o mais.
As fotos de "Seridó - Paisagens de um sertão encantado" quase sempre mostram um cenário verdejante, com especial cuidado para com os açudes da região. O Gargalheiras ao amanhecer, o Poço da Moça (Jardim do Seridó) em destaque absoluto, a barragem de Parelhas em vários momentos - um deles sob um luz que azula suas águas como nunca se viu para além das lentes cálidas do fotógrafo. Há ainda um passeio visual pelas igrejas da região, onde me chamou a atenção uma surpreendente minicatedral branca de adornos pintados em grafia meio moura lá em Serra Negra. Para quem nunca ouviu falar e ainda não entrou para o clube, o simples nome da igreja já abre as cortinas da curiosidade: é a matriz de Nossa Senhora do Ó.
E numa das páginas duplas, a surpresa absoluta: Chiriboga fotografou uma das mais belas imagens que guardo dos tempos de estudante secundarista, quando voltara para Parelhas à noite, nos finais de semana, no ônibus da Jardinense. Um pouco depois da Serra da Rajada - também fartamente registrada no livro -, no breu ou sob o clarão da lua na estrada, de repende, num alto, aparecia na janela do ônibus uma cintilante paisagem de luzes alinhadas que parecia suspensa sobre o solo. Ao fundo dessas luzes, a sombra bem delineada, especialmente nas noites de lua, da Serra do Boqueirão. Era Parelhas respirando sua noite de postes acesos. Era a volta para casa. Uma visão que me impressionava tanto que lhe dei até um nome: a planície dos vagalumes. Pois estou folheando o livro de Chiriboga quando aquela imagem me aparece nas páginas. O equatoriano fotografou minha memória, literalmente. A única diferença é que o fez do ponto de vista do alto da serra, enquanto eu via a mesma noite parelhense do ponto de vista de quem chega pela BR.
Mas nem tudo é lembrança pessoal. No livro, a paisagem natural e humana aparece com uma limpidez tal que refresca e afaga a nossa memória coletiva de um Seridó mais pretérito - um Seridó que existiu muito antes de o fotógrafo adentrar nas terras brasileiras. Me pergunto: como ele conseguiu isso? Me respondo: olhando para o que merece ser visto e estudado sem a facilidade da primeira impressão. Essa talvez seja uma pré-condição para assinar a ficha de filiação ao clube.
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