quinta-feira, 3 de abril de 2008

O Itans

A notícia da sangria do açude Itans, em Caicó, hoje na hora do almoço, tem o poder de me remeter ao país do passado. Naquele tempo, como dizia o padre Raimundo, o Itans não era só um açude. Morador de Parelhas, província da metrópole sertaneja Caicó, para o menino que fui o grande reservatório de água da região sugeria algo muito maior. O Itans não era só um açude, era quase um oceano. O Atlântico que nós, crianças matutas do interior, podíamos ter a ambição de um dia ver – e toda hora imaginar. Na estrada para Caicó, na carroceria das caminhonetes que meu pai fretava para levar frutas à feira da grande cidade, eu sacolejava sob sol fervente quando a certa altura uma linha azulada passava a compor a paisagem. Era o Itans, equidistante, mas companheiro da rodagem. Menino, eu só o via ao longe – e quanto mais sua visão me era negada, mas o idealizava, enchendo-o ainda com mais água do que ele já continha, criando, qual um deus-menino, sangrias imaginárias. O Itans era imenso, do tamanho da minha imaginação. Vê-lo inteiro era supérfluo, se para a mitologia infantil bastava a matéria quase invisível das chuvas muito esparsas. Pensando bem, e da perspectiva de hoje, o Itans era o próprio inverno liquefeito, a bonança espraiada em forma de água sobre terra, o espelho da nossa sede de tempos melhores.

2 comentários:

Moacy Cirne disse...

Meu caro, você resumiu muitíssimo bem o que sentíamos diante do Itans, quando éramos crianças. Perfeito! Um grande abraço.

Anônimo disse...

a água já tá começando a ser demais, sebá. tem alagamento e desabrigados em apodi, ipanguaçu, umarizal, lajes, santana do matos, macau...a coisa tá ficando complicada por aqui.