Dou um passeio rápido pelos sites dos jornais da Paraíba e deparo com um noticiário que me lembra invernos pretéritos. Com a grande quantidade de chuvas que têm caído no interior nordestino, açudes transbordam, paisagens ficam verdes e a seca vira uma lembrança. Tudo isso é muito bom, mas lendo a imprensa paraibana me dou conta de um contraponto nem sempre lembrado. Talvez porque, como um inverno farto é algo raro, o que os jornais noticiam com destaque parece mais coisa do chamado "tempo antigo".
Estou falando dos afogamentos, algo que era muito comum na minha infância seridoense. Naquele tempo em que as chuvas eram mais fortes e mais freqüentes, não era brincadeira o que chegava de notícia de gente que havia morrido afogada em açudes e barragens. Lembro de casos em Patos, em Santa Luzia e em Pedra Lavrada – cidades cujos nomes até hoje me remetem, quando ouço, à imagem de pessoas perdendo a vida num domingo de festa nas águas de um açude. E eram casos, sempre, de gente bem jovem.
Por coincidência ou sabe-se lá o quê, Santa Luzia é justamente um dos municípios paraibanos onde ocorreram afogamentos neste inverno de agora, conforme noticia o Jornal da Paraíba. Também é fartamente destacado o caso de um grupo de jovens que perdeu a vida numa aventura dentro d’água, nadando pertinho da sangria de uma barragem, vejam vocês. A água levou todos e até agora já encontraram quatro corpos. Já tem gente se mobilizando e reivindicando, através dos jornais e do Ministério Público, que seja proibida a abertura de bares improvisados juntos a açudes e barragens, algo muito comum quando esses reservatórios de água transbordam, alegrando e, vê-se, também entristecendo o sertanejo.
O caso do grupo de jovens levados pela sangria e encontrados mortos se deu em Itabaiana, uma cidade cujo nome, só assim de ouvir de passagem, já me lembra chuva. Foi lá que passei o maior temporal da minha vida, que atravessei dentro de um carro, indo de carona com um amigo para Recife, em 1984, onde estudava. Por isso – e por outro motivo que digo já - tenho um apego especial por Itabaiana. O segundo motivo é o fato de a cidade ter uma famosa feira livre – o que já me lembra meu pai, que era mangaeiro como os personagens da música de Sivuca, outro paraibano. Mas Itabaiana ainda me lembra um segundo paraibano de quem muito gosto e a quem só vi uma vez pessoalmente – depois do que passei a gostar ainda mais. É o cineasta, o documentarista Wladimir de Carvalho, que mora aqui no DF e nos deu de presente obras primas como os filmes "Conterrâneo Velho de Guerra" (o melhor documento sobre a construção de Brasília) e "O País de São Saruê" (o melhor registro sobre o semi-árido dos anos 60, pobre, miserável, mítico).
Comecei tratando dos afogados, descambei para Itabaiana, passei pelas feiras livres e volto à tona para dizer o que fico matutando quando leio essas notícias sobre o lado escuro do inverno. Deve haver algum fator misterioso, alguma atração que vai além da nossa compreensão, para explicar como tantos nordestinos morrem como moscas bêbadas de alegria nas águas novas que nos enchem barragens, transbordam açudes e perenizam rios há muito dados por mortos.
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