Você ainda vai ouvir falar de novo de Jorge Amado. É que vem aí uma campanha mercadológica pesada para recuperar o nome e a reputação do escritor baiano, a quem grande parte da crítica despreza por debilidades estéticas e grande parte do público leitor venera pela qualidade de narrador. Virou chavão dizer que Jorge Amado é "um ótimo contador de histórias populares", comentário no qual está embutido seu inverso, "um péssimo esteta literário". A investida que a editora Companhia das Letras prepara deve - ou ao menos espera - provocar uma revisão nesse conceito.
A editora entrou numa disputa e tirou da Record os direitos de publicação dos livros de Jorge Amado. Agora prepara o relançamento de toda a obra, em edições mais bem cuidadas. E conseguiu isso oferecendo à família do escritor a possibilidade de que, junto com a reedição, a obra do escritor baiano seja reestudada e vista com outros olhos. A arma utilizada é destacar nas narrativas de Amado um viéis antropológico que ajuda a explicar o Brasil como o fizeram cientista como Gilberto Freyre ou Darcy Ribeiro. Amado seria na literatura o que esses outros dois aí foram na academia. Os livros de Amado, reeditados, ganharão posfácios, caderno de ilustrações e outros recursos extras para marcar esse diferencial. Entre os primeiros a sair, com tratamento gráfico renovado e à altura de Amado, o clássico "Capitães de Areia" e o derradeiro "Tocaia Grande".
Resumo da história: se a universidade deu as costas a Jorge Amado e no seu esnobismo intelectual não reconheceu o valor do escritor, tal tarefa vai acabar nas mãos de um dos grandes inimigos dessa mesma academia - o mercado. É o consumo das histórias de Jorge Amado - o mesmo consumo que o consagrou, com a vendagem de tiragens recordes dos anos 50 aos 80 - quem vai redimi-lo. Como um dos muitos filhos da paixão literária que Jorge Amado gerou, assisto a toda essa movimentação com duas opiniões que divido com vocês:
1) Que toda a literatura de Jorge Amado tem um viéis antropológico é o óbvio correndo desembalado pelas ladeiras de Salvador. O fato de se escolher esse aspecto, digamos, científico, para trazer o trabalho de escritor de novo à tona apenas reforça o preconceito de que ele foi vítima a vida inteira nos tais setores mais esclarecidos. Ora, a antropologia já estava lá, tão sólida quando o elevador Laderda. Se só agora descobriram, foi cochilo dos experts - e não do autor. Mas, se é para o bem de todos e a felicidade geral da academia, que o prato apimentado seja servido e um acadêmico aqui e outro ali passe a demostrar alguma simpatia por Jorge Amado, ao menos para ficar de bem com a opinião dominante, seja ela conservadora ou discordante.
2) Nunca é demais lembrar que nada é definitivo - nem as opiniões. Pois não é que, ao menos neste caso, cumpre rezar aos pés do deus-mercado e reconhecer sua soberana capacidade de expressar o que se passa na mente de quem não tem voz? Ironia das ironias, mas o grande público leitor que Jorge Amado formou ficou sempre na dele, gostando calado da prosa do autor de "Dona Flor", sem abrir o bico para qualquer elogio sob o risco de ser imediatamente calado pela soberba intelectual da boa crítica. Pois isso também está mudando, via, segure-se na cadeira, mercado. E novamente eu lembro do livro de Paulo César de Araújo, "Eu não sou cachorro, não", cuja emergência tem tudo a ver com o que se discute aqui. Falando à revista Carta Capital (que foi onde encontrei a notícia da reedição), o editor Luiz Schwarcz comenta que o momento é perfeito para a revisão dos livros de Jorge Amado: "A idéia de que algo popular pode ser bom é coisa recente no Brasil". Bingo.
Em tempo: há pelo menos um caso notório de acadêmico que se deu ao trabalho de estudar atentamente os motivos pelos quais a obra de Jorge Amado caiu no gosto popular. É Eduardo de Assis Duarte, da UFRN, cujo trabalho resultou no livro "Jorge Amado: romance em tempo de utopia". À tarde, conforme o volume de trabalho permitir, volto ao assunto com trechos da dissertação de Valente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário