terça-feira, 1 de abril de 2008

Um plano (quase) perfeito




De pé, na livraria, experimentei o primeiro parágrafo, que é uma espécie de teste que faço quando analiso livros. Tem gente que prefere ler o final, eu me agarro é no início. Pois bem: passei do primeiro, passei do segundo, quando vi já havia lido umas cinco páginas, de pé, na livraria mesmo. "O Mundo é Plano - Uma breve história do século XXI" expõe a tese de que, se Colombo descobriu que a terra era redonda e isso mudou todo o referencial humano no século XV, estamos nós mesmos agora passando por uma outra dessas mudanças revolucionárias (no sentido de transição, claro, não no sentido marxista) que faz do planeta uma grande planície inteligada.

Um mundo plano onde um norte-americano pode ligar para um número de telefone de assistência técnica de determinado produto e ser atendido por um indiano em Bangalore, falando um inglês tão fluente que o interlocutor nem vai perceber que aquela voz vem não de uma região distante dentro de seu país, mas do outro lado da Terra. O mundo dos call centers, a idade da informatização, a era da TI - a tecnologia da informação, tudo isso é matéria de análise neste delicioso ensaio que é "O Mundo é Plano", escrito pelo jornalista Thomas L. Friedman e primeiro lugar na lista dos mais vendidos do New York Times.

O cidadão constata que a era da informação eletrônica está planificando - ele, ou seu tradutor, adora usar o termo "achatando", ainda mais literal - o mundo inteiro, fazendo com que o trabalho, por exemplo, seja repartido e executado em diversas partes do mundo, conforme o mercado sugere. Na avaliação dele - naturalmente muito "americana", e o livro inteiro tem esse "sotaque" da prosa tipicamente estadunidense - o efeito é bom para todos, mesmo para os indianos ou chineses que fazem o mesmo serviço antes feitos por americanos só que ganhando um quinto a menos. É discutível, mas sou tentado a dizer que ele tem razão - desde que se lembre do que havia de alternativa de renda para esses mesmos indianos e chineses antes da terceirização global dos serviços.

Mas aí já entramos em outra discussão - debate no qual eu imediatamente me filio à corrente dos esquerdistas pragmáticos, se é que vocês me entendem - e o que queria aqui era me ater mais à riqueza do ensaio contido no livro no que ele recupera e compila em termos de efeitos das novas tecnologias mesmo. Thomas L. Friedman puxa o fio do novelo digital e volta à queda do muro de Berlim, ao mundo bipolar e seus entraves, à massificação dos PCs e à criação da web para mostrar, passo a passo, como cada novidade dessas aí foi modificando a face do mundo atual, planificando tudo, encurtando distâncias, imediatizando procedimentos, criando uma nova língua universal chamada HTML e por aí afora.

A conclusão dele - e eu ainda nem passei da primeira metade do livro, mas o capítulo inicial já entrega o conteúdo completo da tese - é de que tudo isso está gerando o que chama de Globalização 3.0, em que o indivíduo - eu, você, nós - será o produtor, mediador e circulador de conteúdos que determinam como o mundo se comporta, produz, se diverte, se vê. Pensou em blogues, web sites e similares? Acertou.

Nisso, "O Mundo é Plano" me lembra um clássico do gênero "comunicação e futurologia", o muito comentado e pouco lido "O Meio é a Mensagem", de MacLuhan, que também era muito eficiente em mostrar que analisar o conteúdo dos novos meios (naquela época, o rádio e uma novíssima televisão) não era o bastante. Dizia que a mudança fundamental era provocada a partir da linguagem nova que os próprios meios, rádio e tevê, traziam. Mas MacLuhan, você percebe depois de ultrapassada a primeira metade das páginas do livro, era otimista demais. Vamos ver se vai acontecer o mesmo quando eu passar da primeira metade das páginas de "O Mundo é Plano". Mesmo assim, convido você a experimentar essa leitura.

Meu exemplar custou R$ 60 e o livro é divulgado o suficiente para ser encontrado em qualquer livraria razoável.

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