Foi a primeira vez que fomos a Pirenópolis depois do surto goiano de febre amarela. Vocês devem estar lembrados que o mundo quase acabou meses atrás, quando um morador de Brasília - aqui do Lago Norte, pertinho de onde digito isso aqui - foi passar o reveillon na pequena cidade histórica aqui nos arredores do DF e na volta passou a se sentir mal, até morrer rapidamente. O diagnóstico assustou todo mundo, porque se tratava de febre amarela, doença tropical de que o país se julgava imune. Depois surgiram casos esparsos em outros pontos de Goiás e, todos sabemos como é, até certo ponto é natural, tudo se transformou em surto a apavorar meio mundo. O lado bom é que corremos para as filas dos postos de vacinação e hoje sim devemos ser todos imunes até mosquito em contrário. Encerrado o flash back, a outra boa notícia é que o medo passou. Medo não é bom, nunca. Por mais justificado que seja, o medo é sempre um adversário da coragem - essa qualidade rara como doenças felizmente banidas.
Pois é, o medo passou e prova disso é que Pirenópolis estava tomada de visitantes. E pode ser até figura de linguagem disfarçada de paisagem, mas o fato é que achei a cidade muito mais bonita do que antes da febre. O ar está mais límpido, o verde mais verde, as cores que adornam o casario mais vivo e por toda parte respira-se um certo ar de qualidade artesanal, como se a força da natureza entrasse pelos pulmões, circulasse dentro do corpo até as retinas e, uma vez lá, passasse a filtrar toda impureza da atmosfera visual, revelando a beleza de uma cidade que nem uma tevê de alta definição é capaz de projetar.
Eu não ia perder a chance de cometer essas comparações, mas na verdade, e vocês por favor leiam isso baixinho como quem sussurra algo para si mesmo - algo tão secreto que você pensa duas vezes antes de dividir com você mesmo -, a verdade é que a época do ano favorece essa sensação visual aqui nos costados goianos. O inverno está chegando e, com ele, vem essa rarefação límpida de que já falei antes aqui no Sopão. As noites de Brasília, levemente frias, já estão espetaculares de bonitas. Tem um quê diferente na matéria invisível que preenche o espaço entre asfalto, grama, prédio e gente. E em Pirenópolis não seria diferente, especialmente se você lembrar que a cidade é cercada por cachoeiras que conferem à parte urbana do burgo um clima ainda mais invernal que em Brasília.
Para completar nosso passeio, só mesmo um momento de semitranscedência. E foi isso o que eu tive, meio na base da teimosia. Explico: esse fim de semana em Pirenópolis acontecia um festival de jazz, com shows na rua do lazer - o reduto boêmio repleto de bares e restaurantes e que é fechado ao trânsito - e no teatro da cidade, um mimo arquitetônico datado do século XVII onde eu assisti a uma insquecível montagem do monólogo "As mãos de Eurídice", o clássico de Pedro Bloch. Pois bem: no teatro, se apresentaram figuras como Rossa Passos e João Donato e trio. Claro que eu não pude ir - estava com os meninos e com os meninos vem a velha e boa renúncia, você sabe. Mas na rua havia uma chance. Depois de os meninos dormirem, resolvi dar uma escapada.
Rapaz, o que eu vi, hein? Peguei os cinco últimos minutos do show de Yamandu Costa, a quem eu nunca havia assistido, e saí extasiado. Veja vem: foram só cinco minutos, mas tempo suficiente para confirmar o que já me haviam dito vários amigos - Plácido e Flávia Assaf, por exemplo - sobre as performances do violonista. O homem fica tomado pela música, parece possuído por alguma força estranha como aquela de que falou Caetano. Já imaginou alguém possesso? Mas no bom sentido? Incorporado pela música, dominado por ela? Foi isso o que eu vi. Yamandu tocava acompanhado por um violoncelo e um violino. Houve uma hora em que o músico ao cello se curvou sobre o instrumento, baixou o volume, reduziu as notas ao mínimo e o que eu vi foi Yamandu submergir naquele fiozinho de harmonia, afundar de olhos fechados num poço escuro onde toda iluminação vem de dentro, das profundezas onde se esconde aquela coisa toda que chamamos de arte. Inesquecível.
Agora só falta eu assistir a um show inteiro para cair de vez no transe do músico e sair do teatro caminhando ereto na noite sobre simbólicos paralelepípedos em brasa.
Pois é, o medo passou e prova disso é que Pirenópolis estava tomada de visitantes. E pode ser até figura de linguagem disfarçada de paisagem, mas o fato é que achei a cidade muito mais bonita do que antes da febre. O ar está mais límpido, o verde mais verde, as cores que adornam o casario mais vivo e por toda parte respira-se um certo ar de qualidade artesanal, como se a força da natureza entrasse pelos pulmões, circulasse dentro do corpo até as retinas e, uma vez lá, passasse a filtrar toda impureza da atmosfera visual, revelando a beleza de uma cidade que nem uma tevê de alta definição é capaz de projetar.
Eu não ia perder a chance de cometer essas comparações, mas na verdade, e vocês por favor leiam isso baixinho como quem sussurra algo para si mesmo - algo tão secreto que você pensa duas vezes antes de dividir com você mesmo -, a verdade é que a época do ano favorece essa sensação visual aqui nos costados goianos. O inverno está chegando e, com ele, vem essa rarefação límpida de que já falei antes aqui no Sopão. As noites de Brasília, levemente frias, já estão espetaculares de bonitas. Tem um quê diferente na matéria invisível que preenche o espaço entre asfalto, grama, prédio e gente. E em Pirenópolis não seria diferente, especialmente se você lembrar que a cidade é cercada por cachoeiras que conferem à parte urbana do burgo um clima ainda mais invernal que em Brasília.
Para completar nosso passeio, só mesmo um momento de semitranscedência. E foi isso o que eu tive, meio na base da teimosia. Explico: esse fim de semana em Pirenópolis acontecia um festival de jazz, com shows na rua do lazer - o reduto boêmio repleto de bares e restaurantes e que é fechado ao trânsito - e no teatro da cidade, um mimo arquitetônico datado do século XVII onde eu assisti a uma insquecível montagem do monólogo "As mãos de Eurídice", o clássico de Pedro Bloch. Pois bem: no teatro, se apresentaram figuras como Rossa Passos e João Donato e trio. Claro que eu não pude ir - estava com os meninos e com os meninos vem a velha e boa renúncia, você sabe. Mas na rua havia uma chance. Depois de os meninos dormirem, resolvi dar uma escapada.
Rapaz, o que eu vi, hein? Peguei os cinco últimos minutos do show de Yamandu Costa, a quem eu nunca havia assistido, e saí extasiado. Veja vem: foram só cinco minutos, mas tempo suficiente para confirmar o que já me haviam dito vários amigos - Plácido e Flávia Assaf, por exemplo - sobre as performances do violonista. O homem fica tomado pela música, parece possuído por alguma força estranha como aquela de que falou Caetano. Já imaginou alguém possesso? Mas no bom sentido? Incorporado pela música, dominado por ela? Foi isso o que eu vi. Yamandu tocava acompanhado por um violoncelo e um violino. Houve uma hora em que o músico ao cello se curvou sobre o instrumento, baixou o volume, reduziu as notas ao mínimo e o que eu vi foi Yamandu submergir naquele fiozinho de harmonia, afundar de olhos fechados num poço escuro onde toda iluminação vem de dentro, das profundezas onde se esconde aquela coisa toda que chamamos de arte. Inesquecível.
Agora só falta eu assistir a um show inteiro para cair de vez no transe do músico e sair do teatro caminhando ereto na noite sobre simbólicos paralelepípedos em brasa.
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