quinta-feira, 17 de abril de 2008

Cinema traiçoeiro



"Ponto de vista" é um filme que passa a perna no espectador incauto. Um filme tipo casca de banana. Cuidado com as costas, porque a queda é traiçoeira.

Explico: na primeira meia hora, como já foi dito e todos devem saber, o filme lhe oferece uma boa soma de seqüências bem amarradas, editadas em ritmo febril mas muito atraente numa perspectiva de formato. Lembra "Corra, Lola, Corra" na edição que retoma a mesma ação segundo pontos de vista diferentes. Mas também lembra esses seriados que fazem sucesso na televisão, tipo "Lost", na eficiência dos ganchos para o episódio seguinte.

E assim assistimos a um atentado político-terrorista cuja ação é constantemente rebobinada, de maneira que a cada um desses retornos da mesma ação por outro ponto de vista um novo elemento é acrescentado, aos poucos ajudando a desvendar a real dimensão, os culpados, o andamento total dos fatos que produziram todo aquele momento de violência.

Não há, é claro, profundidade nenhuma quando se fala em personagens e motivações. A ação, o quadro geral do atentado e suas conseqüências práticas imediatas passam por cima de tudo, como numa invasão de um país fraco por outro poderoso. Nem é o caso aqui de discutir esse aspecto, porque muitas vezes o painel se sobrepõe mesmo à particularidade de um fato ou outro - isso é coisa para se ver filme a filme.

O problema, a casca de banana, o truque barato que estraga tudo - e destrói uma boa expectativa criada ao longo da boa primeira meia hora do filme (caso você entre na sala ciente de que vai assistir a algo sem muita profundidade, embora atraente e bem formatado) - é o lugar, a seqüência, o desfecho antecipado onde tudo isso vai dar. Pense rápido: qual é o maior lugar comum do cinema espetáculo norte-americano? Acertou quem pensou em cenas de perseguição - e perseguição de carro, claro, em lugar de trânsito pesado.

Pois é, "Ponto de vista" começa animador, sugere alguma inteligência na montagem do tipo volta-e-vai-e-acrescenta, mas acaba desaguando na mais banal das situações enquadradas pelo cinemão americano: uma perseguição. Antes fosse algo como o filme que lançou Sandra Bullock ao estrelado, "Velocidade máxima", com aquele ônibus cheio de crianças que não podia ser desacelerado - ao menos ali o filme inteiro era sobre a perseguição involuntária e a aflição que ela provocava. Em "Ponto de vista", a perseguição - que não tem nada de involuntária - é um adendo, um repositório nem um pouco criativo de um filme que sugeria destino melhor no seu início.

E nestes dias brasileiros de feridas em cicatrizes pela morte da menina Isabella, ainda tem uma cena lamentável em que uma criança quase é atropelada - cena filmada em naturalismo apavorante, mas que se esgota no susto, já que estamos falando de um filme assumidamente superficial.

Perseguição por perseguição, melhor rever o DVD com "Operação França", com seus policiais erráticos, suas obsessões infrutíferas, sua embalagem sombriamente setentista.

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