Tommy Lee Jones vem se tornando a nova face da América desiludida. É assim que ele aparece em pelo menos três filmes recentes: o árido drama sobre fronteiras e imigração "Três Enterros", que também dirigiu; a sufocante jornada de "No Vale das Sombras" (Paul Haggis), onde interpreta um pai em busca do filho desaparecido em meio às batalhas do Iraque; e "Onde os fracos não têm vez", o filme que deu o Oscar mais consagrador à dupla Ethan e Joel Coen. A ficha me caiu enquanto assistia, com algum atraso, a este último título.
Se era para funcionar como reconhecimento ao cinema dos irmãos Coeh, o Oscar de melhor filme dado a "Onde os fracos..." não chega a fazer justiça à dupla. Todos nós, freqüentadores dos cinemas, do vídeo e do DVD, nos acostumamos a identificar a dupla de cineastas como autores de peças marcadas por um humor do tipo non sense. Era com essa arma irônica que eles costumavam levantar o cobertor que esconde o ridículo de muitas das convenções do universo mais norte-americano. É isso o que se vê, por exemplo, na comédia quase maluca que é "O Grande Lebowski"; é também o que fica do só aparentemente violento "Fargo".
Em "Onde os fracos não têm vez", parece que os rapazes resolveram subir um degrau, colocando um pouco mais de seriedade na proposta. O filme é descrito em jornais, revistas e afins como um tratado sobre a violência extrema dos dias atuais, essa crueldade que chega em ondas não se sabe de onde, num quadro absurdo que causa sofrimento ao mundo e torna tudo um grande absurdo.
Absurdos são a especialidade de Ethan e Joel Cohen, mas desta vez o discurso audiovisual deles sobre o tema resultou anticlimático demais. Tirando o cabelo estilo Beiçola que Javier Bardem exibe e o uso inusitado de um tubo de ar comprimido como arma letal pelo criminoso, praticamente não há humor no filme. E o humor, repito, era a arma mais letal da dupla. Nem tanto a violência estilizada, comentada, às vezes ridícula de tão exagerada que ocorria em filmes anteriores.
Sem o humor ferino, restou a violência pura. E o que eles pretendiam retratar como quadro nefasto de uma realidade atual e inexplicável resulta na tela como exibicionismo. Você não sabe até que ponto há um lamento diante de uma violência que engoliu as civilizações e até que ponto o filme se aproveita do temor gerado por essa mesma violência para envolver o espectador.
Há os registros inevitáveis: os bem engendrados planos gerais, a performance de atores tarimbados, a evocação dos antigos faroestes, a inspiração em um livro de Cormac McCarthy. Mas a reunião de todos esses elementos parece, ao final, compor um quadro sem moldura – um questionamento sobre a violência desmedida que, ao situá-la em contexto tão específico do interior norte-americano, padece de uma significação mais geral. A metáfora está lá, mas também está fora do filme. E é preciso juntar as duas partes para dar sentido à sua construção. O filme, sozinho, visto sem a moldura das entrevistas de atores, diretores, roteirista, não expõe de todo o seu propósito. Nisso, é um filme muito semelhante a outro sucesso recente, "Sangue Negro" (Paul Thomas Anderson) – o que talvez configure, e isso é algo a se estudar, uma nova tendência do cinema americano atual.
Neste sentido, o fato de os Coeh terem recorrido a um texto de Cormac McCarthy não ajuda muito. Quer dizer: ajuda ao dar uma legitimidade literária, uma licença estética e uma pré-aprovação cultural ao filme. Mas a escrita propriamente dita de McCarthy, um autor difícil, um escritor de westerns barrocos, por si só já coloca no meio do caminho o obstáculo da necessidade de adaptação. É mais um complicador para a plena fruição de um filme que, do meio para o final, vai desabando junto com o seu discurso descrente e derrotado.
Não é, vê-se, um filme que estuda causas e prevê conseqüências diante da violência banalizada que toma como tema. É, antes, um filme que se contenta em apreciar essa violência, desenhar sua manifestação, documentar seu modus operandi, deixar-se cair perplexo diante de sua fúria. Não poderia, sendo assim, deixar de ser incômodo a quem o assiste.
E aqui ele se alinha aos demais citados ao longo deste texto, pois se é incômodo ver "Onde os fracos..." se render à maldade crônica do mundo representada por Javier Bardem, também é exasperante ver Tommy Lee Jones carregar o cadáver literal de uma convivência falida em "Três Enterros". Como também é, em muitos momentos, um fardo assistir ao mesmo Lee Jones ser jogado daqui para acolá, e novamente de lá para cá, como um cidadão perdido num país em crise na busca pelo filho em "No Vale das Sombras".
Coincidência ou não, é sempre ele, Tommy Lee Jones, o espantalho humano estatelado na tela, em quadros estáticos, em cenas desprovidas de ação, fotogramas desiludidos de um cinema rendido ao real. Mas difícil de apreciar, no seus horizontes sombrios e silenciosos.
Um comentário:
Ai ai meu cunhado quanta beleza de texto!!!
Muito bom ler isso num dia de domingo. Sou mesmo sua leitora, é bom compartilhar o que pensas.
È isso aí.
Muito bom.
Beijo a todos.
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