terça-feira, 1 de julho de 2008

Jardim de inverno



Pelos coletes de Carlos Minc! Sobrevoando Natal pouco antes do pouso, eu já notava que alguma coisa na atmosfera geral havia mudado. Abaixo do avião havia uma massa quase compacta, embora vaporosa, de nuvens que mais pareciam ondas do mar congeladas no justo momento em que quebram na praia. Um segundo chão, suspenso entre o peso do avião e a planície opaca do solo. E era preciso atravessar aquela cortina de vapor d'água para rever a cidade.

Eu me sentiria como um astronauta a reentrar na atmosfera da terra, exceto pelo fato de que, surpreendentemente, a tal transposição da camada vã soou mais como algodão doce desmanchando na boca da criança surpresa ao provar desse bocado pela primeira vez. Tudo suave, como nunca dantes imaginado. E a cidade abaixo, com seu calor, sua umidade pegajosa, seu outro vapor d'água suspenso na pele.
Qual nada: a cidade que encontrei era outra. Nada a ver com aquecimento global, tão na moda que agora é tema até de out-door de butique nas ruas da mesma cidade. Antes, resfriamento local. Natal, que em fevereiro/março era uma estufa, agora é uma esponja. Chuva sim, sol não, dia sim, nublado é, encoberto quase sempre. Dei sorte e numa tarde em que vi o céu limpo, debandei para Ponta Negra antes que o cobertor vaporoso rapidamente tomasse cada pedaço do latifúndio céu. Ganhei de presente um ocaso vermelhão, uma tela a óleo natural feita por raios de pequena extensão - e por isso mesmo tão encarnados - somente para meus olhos e de quem mais se dispusesse a ver.

À noite, no Guaíra, janelas são vedadas, frestas tapadas com pedaços de papelão, esquadrias tremem os dentes de frio por causa da temperatura dos ventos, novamente tão diversa dos dias de verão. E as águas de Ponta Negra, resfriadas como se cubos de gelo boiassem bebendo o - agora - pouco sal do mar? E a textura da pele, sem o "preguento" dos veranicos mais abrasivos? Duas estações, duas cidades.

Para completar o panorama, só mesmo a ausência de turistas brazucas ou estrangeiros - algo inimaginável pelo menos nos últimos cinco anos. Pois, pois - assim foi. Ponta Negra ocupada por natalenses em férias, babás banhando crianças, pais de família jogando futebol, maré baixa, retraída como um doce oceano tímido, estirão dourado no sol poente refletido no chão lambido pelas ondas. Antiturística paisagem, benfeitora sensação.

3 comentários:

Anônimo disse...

e a chuva continua: muita água por aqui, sebá...
beijins.

Francisco Sobreira disse...

Tião,
Na sua curta passagem por Natal, você, como o jornalista que é, observou com olhar crítico a cidade que mudou tanto (em alguns aspectos para pior), fazendo um diagnóstico preciso. Um grande abraço.

Anônimo disse...

lírico, lírico... E o livro, não tem um aí para vender?