segunda-feira, 14 de julho de 2008

A missa eleitoral

Nesmo momento, a Câmara dos Deputados espelha como nenhuma outra instituição o oposto do país. É como aquela canção de Caetano, "o avesso do avesso do avesso". Enquanto lá fora, no mapa do Brasil, pululam pontos em forma de cidades que se desdobram em vista de mais uma eleição, aqui reina este silêncio quebrado apenas pelas conversas de funcionários que mantêm serviços na ativa - seja um canal de televisão ou a limpeza impecável de plenários, salões e corredores.

Sim, reconheço: em grande parte de tais campanhas municipais vale mais o apoio ocasional, o acordo conveniente, o agrado eleitoreiro. Mas cada um desses pecados faz parte dessa missa que estamos, aos trancos e barrancos, tentando celebrar já lá se vão uns vinte e poucos anos. Não sou eu que vou bancar o padre mau humorado e passar sermão na molecada que grita na hora da homilia. As crianças vão crescer - o padre vai ficar mais tolerante. E rezaremos todos.

É de outra reza que estou falando, sob o peso bruto dessa metáfora banal. Mas há outras rezas em andamento - outras missas, involuntariamente tão metafóricas que quase levantam a batina do padre. Na campanha eleitoral em Natal, a religiosidade do voto deu o tom nos últimos dias. Candidatos à Prefeitura e à traição sentados lado a lado, numa confluência que seria louvável não fosse tão conveniente. Ali, no meio do banco, espremida entre a santidade governamental do estado, a candidata Fátima Bezerra parecia uma cabocla beata. Justo ela, a - felizmente, e supostamente - menos religiosa entre todos os santos da capela. Mas menos hipócrita, também - e a santidade auto-invocada, qualquer ateu sabe, pode ser muito mais nefasta.

Ao lado dela, dividindo o mesmo e cultuado banco, a adversária, Micarla de Souza, com a tez de menina de catecismo ligeiramente melhor educada nas coisas do Senhor. Perto dela, Fátima parece uma pagadora de promessas cansada - e as leituras que tais imagens proporcionem estão liberadas para todas as interpretações que a Justiça eleitoral permitir. Além desse limite, só mesmo recorrendo aos padroeiros e padroeiras presentes, sem que se precise torcer o pescoço para a vista alcançar os altos nichos. Ficam ao nível do chão mesmo, cuidando de manter erguida suas mãos energizadas, como espíritas que generosamente oferecem seus passes aos candidatos à unção, a beata Fátima e a noviça Micarla.

A dádiva está ali - e é para todos. É isso o que o sermão afirma. Quem tiver carisma para arrebanhar o maior número de fiéis fica com o butim dos apoios. Pelo menos é o que parece aos olhos de quem, no fundo virtual da capela, espiona a novena.

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