domingo, 6 de julho de 2008

A realidade do Poema


Está enganado quem achar que não passam de invencionices as agruras vividas pelos artistas de circo de "O Poema do Caminhão", o texto de teatro que escrevi e a Flor do Sal transformou em livro. Antes de mais nada, tenho que admitir, também me incluo nisso. Nem de longe eu imaginava que fosse tão alto o preço de uma lona de circo, só pra ficar num exemplo bem prático. Nem em pensamento eu poderia imaginar que fosse tão marcada por sacrifícios a busca por um terreno baldio, público ou particular, onde os pequenos circos de periferia possam instalar sua lona e levar seu espetáculo pobre, porém iluminado.

Pois a edição deste domingo da revista do jornal O Globo trata justamente da penúria em que vivem esses artistas - como Birimba e Velho Chico, personagens do "Poema do Caminhão" - e seus circos em fim de carreira. Segundo a reportagem, o que mais os donos desses circos querem na vida é uma lona nova. E sabe quanto custa? R$ 20 mil. Os repórteres contam a história do circo Koslov, que "fechou" sua lona podre depois de uma noite em que não mais de dez pessoas assistiram ao espetáculo. Pois bem: o dono não resistiu e, dias depois, reabriu com uma lona "alugada", isso mesmo, a R$ 400 por mês. Desse jeito, só mesmo botando os malabaristas e palhaços para se apresentarem na carroceria de um caminhão.

"Se pudessem", conta a reportagem, "os circos entrariam também num concurso para arrumar praças livres, sem tanta burocracia com as prefeituras ou com aluguéis mais baratos em terrenos particulares."

Outra surpresa: circo é tradição familiar, portanto, não me espantaria com o fato de crianças praticarem desde cedo a fim de se tornarem grandes malabares, notórios trapezistas, irresistíveis palhaços no futuro. Mas daí a encontrar o que narra a reportagem... crianças de três (três!) anos se apresentando como palhaços - ainda que como quase figurantes em cena - é de dar o que pensar. A revista do Globo conta o caso de um circo cujas três "estrelas" são as filhas do dono - "Laura, de 10 anos, faz corda, trapézio e o palhaço Bolinha. Inara, de 8 anos, é contorcionista e acrobata. Maria Lúcia, de menos de 2 anos, já entra no palco para fazer figuração, ajudar a tia".

No texto "O Poema do Caminhão", e quem já leu já fez a ligação, tenho certeza, há um personagem assim - é o Menino Pingo, desvalido, pidão, meio preguiçoso, ligeiramente malandro, presume-se. Acho que nem Birimba e Velho Chico implorando conseguiriam impor a ele a carga de trabalho que essas outras crianças citadas pela reportagem carregam. Bela magia miserável, a desses circos - tristes cargas, a que carregam.

É a tal história: a realidade sempre pode ser superior à mais cruel das ficções.

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