Meu amigo Carlão de Souza comentou no Substantivo Plural os livros da Flor do Sal, incluindo "O Poema do Caminhão". São palavras amigas e isso tem que ser levado em conta, é claro, mas é uma leitura que desvenda aspectos do texto que o autor não consegue mais, de tão envolvido, delimitar (como a comparação com um cordel de feira, coisa que, pode não parecer, mas nunca me ocorreu enquanto escrevia os versos do poema). Aproveito para tranqüilizar os amigos brasilienses: os livros estão comigo e logo chegarão até vocês. É só uma questão de encontros, telefonemas, e-mails, enfim, logística que, todos sabem, nunca foi o meu forte. Segue o texto de Carlão:
Sobre os livros da Flor do Sal
Tem certas coisas na minha profissão que dão o máximo de prazer e quase ou nenhum retorno material. É o caso de comentar livros de pessoas que conhecemos e gostamos. Pois é com imenso prazer que folheio este livro “Menina Gauche”, de Ada Lima, Editora Flor do Sal, sem número de páginas definido, R$10,00. Ada Lima foi minha aluna de jornalismo na UFRN, uma das pessoas mais brilhantes que conheci. Quando soube que ela ia lançar um livro de poesia não fiquei nem um pouco surpreso. Primeiro por ela ser filha de quem é (Adriano de Sousa dispensa comentários), depois pelo modo como ela encara os desafios que a vida lhe impõe. Os poemas de Ada Lima são curtos, afiados, certeiros. Como ela mesmo diz na apresentação do livro: “Pois fazer e ler poesia é muito mais sentir, do que explicar ou entender”. A leitura do livro de Ada Lima dura uma viagem de ônibus para casa, no máximo. Mas depois de lido, duvido que você esqueça o que foi dito. Tem um verso que ela diz assim: “As palavras preferem os poetas tristonhos”. Não preciso comentar mais nada.
O outro livro é “O Pastoreio do Boi (XII poemas sobre uma parábola ZEN)”, de Márcio Simões, Flor do Sal, sem número de páginas definido, R$10,00. Quando eu cheguei no bistrô em que os livros desta coleção foram lançados, não reconheci de imediato aquele rapaz magro na mesa da frente. Fui lá cumprimentá-lo e ouvi a seguinte frase: “Li muitas coisas de sua biblioteca, principalmente aqueles livros beatniks”. Eu sorri de volta e disse, “que bom”, mas ainda sem saber o significado daquela frase. Só depois quando cheguei em casa e parei para pensar foi que caiu a ficha. Claro, aquele era Márcio, o sobrinho de Pipi, minha grande amiga seridoense e quando ele era bem mais jovem, costumava ir na minha casa e ficava fuçando os livros. Deve ter lido muito mais por aí, porque deu no que deu. O livro de Márcio Simões tem aquele leveza do arqueiro zen, todos os músculos retesados, nenhuma intenção de acertar o alvo e, no entanto, que precisão! Então vejamos: “O pri-meiro/vislumbre/o boi surge/e desaparece/Quando anoitece/ele ainda/brilha/A luz da lua/é a mesma/luz da lua/Agora aquele/que se banha/? parte nela”. Está certo, Márcio Simões buscou a síntese da idéia na palavra nua, econômica, despida de qualquer gordura que venha a ter o boi. Mas é também a palavra de alguém que viu o sertão bem de perto. Livrinho gostoso de ler, rápido, conciso, atemporal.
Agora, o terceiro livro da série, O Poema do Caminhão, de Sebastião Vicente, Flor do Sal, 125 páginas, R$20,00 é de outra cepa. Aqui estamos no campo da dramaturgia, uma outra forma de escritura que demanda uma técnica, uma sabedoria, um modo de dizer as coisas para o palco. Meu amigo Sebastião Vicente já ganhou que cansou prêmios de teatro: Valsa na Varanda, ficou em 3º lugar no Concurso Nacional Funarte/Ministério da Cultura e ganhou uma leitura dramática no Rio de Janeiro, no Teatro Glauce Rocha; depois A Exclusão ficou com o 3º lugar do ano seguinte e ganhou uma montagem em Natal com o título Barra Shopping; O Poema do Caminhão ficou com o 1º lugar na categoria infanto-juvenil pela região Centro-Oeste no mesmo concurso anteriormente citado. Só isso já dispensaria qualquer comentário sobre a obra de Sebastião Vicente, mas tem muito mais a ser considerado.
A obra de Sebastião Vicente tem um caráter indissociável de sua personalidade: a simplicidade, humildade, timidez, inventividade, lucidez e inteligência. Quando Sebastião Vicente fala com você ou escreve um texto é com a mesma integridade com que toca seu trabalho jornalístico desde os velhos tempos da TV Cabugi e Tribuna do Norte. Como homem do sertão seridoense, sua terra e sua gente transparecem intactos em seus enredos. Mesmo assim, é impossível não perceber seu olhar penetrante no tempo presente e no futuro. A peça sobre o shopping é completamente moderna, urbana e no entanto guarda pontos de contato com a anterior, que se passa em um lu-gar que poderia ser Parelhas ou Acari, só para citar dois lugares que ele ama.
Este Poema do Caminhão mostra um autor mais apegado às raízes sertanejas, tanto que ele prefere os versos rimados no estilo do cordel. É inevitável a comparação com as peças de Ariano Suassuna, pois a tradição é mesma, a tradição oral, o universo das feiras livres do Nordeste, a fala cantada do povo. Queria que esta peça pudesse ser montada por um grupo itinerante que levasse essas palavras para as ruas de nossas cidades e trouxesse um pouco de luz a essas mentes tão embotadas pela linguagem da televisão, pela barbárie do mundo moderno. Queria que isso fosse possível.Mas vou ficar por aqui sonhando e relendo esses livros que alegram os meus dias.
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