sábado, 28 de fevereiro de 2009

Ritmos sonoros e achados verbais

Uma coisa é suportar a soberba de quem faz pose de intelectual de bom gosto sem saber bem onde o galo está cantando. Outra, bem diferente, é baixar a cabeça para a escrita blasé mas irresistível de quem elege os melhores e detona o que não lhe apetece com a destreza de saber analisar com prudência, estilo e elegância, e a competência de deixar claras as bases desse julgamento. E tudo isso com um pouco de charme verbal, que não é talento concedido pela providência a qualquer mortal. De quem eu estou falando, já descobriu? Do Ruy Castro que todo mundo descobriu mesmo foi lendo a "biografia" da bossa nova, o soberbo "Chega de saudade" - e que continuou nos tratando muito bem com seus livros seguintes, como o "Anjo pornográfico" que espanou a poeira de moralismo que impedia os brasileiros de admirar Nelson Rodrigues de peito aberto.

Pois bem: nessas férias, terminei de ler a coletânea que Heloísa Seixas, a patroa do escriba, organizou com os textos publicados por Ruy Castro na imprensa sobre o tema "música, maestro". Antes, ela já havia feito o mesmo com texto de Castro sobre cinema, em livro que foi um dos primeiros temas de postagem neste cansado e alquebrado "Sopão" (podem conferir, lá no endereço antigo, http://www.sopaodotiao.zip.net/). Não sei se pelo fato de ainda estar quentinho na cuca, mas o fato é que "Tempestade de ritmos" - é esse o nome do livro , se é que alguém aí ainda não sabe - me parece ainda melhor, mais instigante, mais divertido e mais informativo do que "Um filme é para sempre" - a coletânea anterior.

A seguir, virá uma postagem só com trechos do novo livro - "novo" para o "Sopão", entenda-se, que faz questão de publicar tudo com o maior atraso para não deixar cair a peteca da perenidade das coisas boas. Por hora, isso aqui é para dizer do primor de frasista que Ruy Castro vem se tornando, um arte verbal que ele pratica e distribui meio que aleatoriamente dentro dos textos desses livros que ele escreve ou que a mulher dele organiza e publica. O manancial de tiradas é tamanho, as comparações tão vivas, as metáforas são vívidas, que quando notei já estava parando para anotar. E compartilho com vocês algumas dessas pérolas aos porcos que nos joga o jornalista Ruy Castro enquanto escreve sobre Miles Davis, Rosemary Clooney, Cole Porter, Peggy Lee e tantos outros:

"Um asmático numa mina de carvão"

"Cantores de peruca"
"Jazzófilos de coração de pedra - como eu"

"Um indício de que a música estava voltando a servir para aperfeiçoar as pessoas, não para degradá-las"

"Três modestas obras-primas que tornam muito melhor a vida de quem as conhece e as ouve com frequência"

"Não se faz mais do que um Cole Porter em cada século"

"A voz trabalhada por décadas de uísque e cigarros"

"Era uma música com ponto de exclamação"

"Quando um artista chegava a essa marca, o eixo da Terra sofria uma ligeira alteração"

2 comentários:

Francisco Sobreira disse...

Tião,
Ruy, há muito tempo, é uma das pessoas que mais bem escrevem neste país. Eu o acompanho desde antes de ele escrever o primeiro livro. Não sei se você conhece dele "Saudades do século 20" (acho que o título é esse), em que ele traça perfis da vida e da obra de Sinatra, Astaire, Wilder, Doris Day e tantos outros. Se você não o conhecer, recomendo procurá-lo, embora deva estar esgotado. Um abraço.

Anônimo disse...

sebá, linda ilustração a do post acima. é de quem?